Quebra de sigilo revela indícios de ‘rachadinha’ em gabinetes de Jair e Carlos Bolsonaro

Os dados apontam ainda a existência de transações financeiras suspeitas realizadas pela segunda mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle (Reprodução/Internet)

Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – A quebra de sigilos bancário e fiscal de pessoas e empresas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) revela indícios de que o suposto esquema da “rachadinha” também ocorria nos gabinetes do pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quando este era deputado federal, e do irmão Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador no Rio de Janeiro.

Os dados apontam ainda a existência de transações financeiras suspeitas realizadas pela segunda mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle. O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.

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Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações. O futuro do caso Flávio ainda depende de outros recursos que devem ser julgados no STJ, incluindo a análise sobre a legalidade de compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público do Rio.

O UOL teve acesso às quebras de sigilo em setembro de 2020, quando ainda não havia uma decisão judicial contestando a legalidade da determinação da Justiça do Rio, e veio, desde então, analisando meticulosamente as 607.552 operações bancárias distribuídas em 100 planilhas, uma para cada um dos suspeitos.

No final de fevereiro, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou o uso dos dados resultantes das quebras de sigilos no processo contra Flávio, mas o Ministério Público Federal recorreu junto ao STF (Supremo Tribunal Federal). O UOL avalia que há interesse público evidente na divulgação das informações que compõem estas reportagens.

Procurados desde quarta-feira, 10, por e-mail, telefone e mensagem de WhatsApp, Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro não responderam aos questionamentos da reportagem. Em quatro reportagens, o UOL detalha uma série de operações suspeitas de assessores da família Bolsonaro, caracterizadas pelo uso de grandes volumes de dinheiro em espécie.

Ex-mulher de Bolsonaro ficou com R$ 54 mil de conta de assessora

O então deputado federal Jair Bolsonaro empregou em seu gabinete por oito anos Andrea Siqueira Valle, a irmã de sua segunda mulher, Ana Cristina Siqueira Valle. Um ano e dois meses depois que a irmã deixou de trabalhar para Jair, Ana Cristina ficou com todo o dinheiro acumulado da conta em que Andrea aparecia como titular e recebia o salário: saldo de R$ 54 mil, quantia equivalente a R$ 110 mil, em valores de hoje.

Ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro pagava aluguel de Léo Índio

Mariana Mota, ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, costumava fazer pagamentos de despesas locatárias de uma quitinete no centro do Rio, onde morava Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo do senador. O dinheiro provinha da conta da então chefe de gabinete e as transferências ocorreram ao longo do ano 2007.

Assessores de Jair Bolsonaro sacaram R$ 551 mil em dinheiro vivo

Quatro funcionários que trabalharam para Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara dos Deputados retiraram 72% de seus salários em dinheiro vivo. Eles receberam R$ 764 mil líquidos, entre salários e benefícios, e sacaram um total de R$ 551 mil em espécie.

Quatro assessores de Carlos retiraram R$ 570 mil em dinheiro vivo

Ao menos quatro funcionários do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) sacaram 87% de seus salários. Juntos, eles retiraram um total de R$ 570 mil, também em dinheiro vivo. O Ministério Público do Rio de Janeiro apura se o vereador contratou “funcionários fantasmas” e foi beneficiado por um esquema de “rachadinha”.

A análise realizada pelo UOL mostra que o intenso volume de saques dos assessores de Jair e Carlos é bastante semelhante aos dos funcionários de Flávio. Esse padrão chama atenção porque foi identificado pelos investigadores do MP-RJ como parte do método usado durante a “rachadinha” na Assembleia do Rio. Além disso, o uso constante de quantias em espécie dificulta o rastreamento pelos órgãos de controle.

No caso de Flávio, a partir dos saques, os salários eram transformados em dinheiro vivo para entregas a operadores da “rachadinha”: nome pelo qual é conhecido o esquema ilegal de devolução de vencimentos de assessores de um político.

Entre setembro e novembro do ano passado, o UOL publicou uma primeira leva de reportagens sobre o assunto que revelam evidências de crimes eleitorais cometidos pelos envolvidos na rachadinha:

1) O policial militar Fabrício Queiroz, apontado pelo MP-RJ como operador financeiro do esquema no gabinete de Flávio, pagou com dinheiro de caixa 2 despesas da campanha ao Senado do filho mais velho de Jair Bolsonaro.

2) Duas assessoras de Flávio Bolsonaro fizeram repasses para a conta do advogado eleitoral do então candidato ao Senado, durante o período de campanha.

Em julho de 2020, reportagem da Folha revelou que a análise dos documentos relativos aos 28 anos em que Jair Bolsonaro foi deputado federal, de 1991 a 2018, mostra uma intensa e incomum rotatividade salarial de seus assessores, atingindo cerca de um terço das mais de cem pessoas que passaram por seu gabinete nesse período.

O modelo de gestão incluiu ainda exonerações de auxiliares que eram recontratados no mesmo dia, prática que acabou proibida pela Câmara dos Deputados sob o argumento de ser lesiva aos cofres públicos.

A Folha se debruçou por meses sobre os boletins administrativos da Casa, identificando uma ação contínua. De um dia para o outro, assessores chegavam a ter os salários dobrados, triplicados, quadruplicados, o que não impedia que pouco tempo depois tivessem as remunerações reduzidas a menos de metade.

Mesmo assim, dois deles disseram à reportagem nem mesmo se lembrar dessas variações formalizadas pelo gabinete de Jair Bolsonaro.

Nove assessores de Flávio Bolsonaro que tiveram o sigilo quebrado pela Justiça na investigação sobre “rachadinha” (desvio de dinheiro público por meio da apropriação de parte do salários de funcionários) na Assembleia Legislativa do Rio foram lotados, antes, no gabinete do pai na Câmara dos Deputados. Ao menos seis deles estão na lista dos que tiveram intensa movimentação salarial promovida por Jair Bolsonaro quando era deputado federal.

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