Queimadas ilegais em reserva indígena são tema do encerramento do ‘É Tudo Verdade’

A produção traça um panorama da realidade da tribo Uru-Eu-Wau-Wau nos últimos anos (Reprodução/Divulgação)

Com informações do InfoGlobo

RONDÔNIA – Homens com tratores e motosserras. Árvores milenares sendo derrubadas. Centenas de cabeças de gado. Um mapa visto de cima reproduz, através da animação, o efeito do homem sob a topografia da floresta amazônica. O que era um oceano verde formado por florestas vai se transformando em ilhas cercadas de terra e pasto. Após o cenário de destruição, a câmera acompanha crianças indígenas correndo pela floresta e outros jovens se divertindo no rio. Os dois registros, claramente antagônicos, acontecem no mesmo local, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia.

Beleza e destruição. Tradição e progresso. Esperança e violência. Filme de encerramento do “É Tudo Verdade — Festival Internacional de Documentários”, neste domingo, “O território”, de Alex Pritz, trata destes conflitos. A produção traça um panorama da realidade da tribo Uru-Eu-Wau-Wau nos últimos anos. A câmera acompanha indígenas, ativistas, políticos, fazendeiros e grileiros que convivem, na mesma área, numa rotina de tensão.

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Nascido na pequena cidade de Ithaca, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, Pritz, de 31 anos, estudou Ciências Ambientais, Geografia e Ciências Agrícolas na faculdade. Sempre muito interessado em questões envolvendo a terra e a conservação, após a formatura, ele decidiu que gostaria de atuar como jornalista, unindo o interesse ambiental com o hobby de trabalhar com filmagens.

Foi então que se mudou para Nairóbi, no Quênia, onde trabalhou em diversos projetos de conservação e colaborou com dois filmes, como diretor de fotografia. Ao se aprofundar na pesquisa ambiental, descobriu o nome de Neidinha Bandeira, ativista e indigenista que trabalha há 50 anos na proteção dos direitos indígenas e na luta pela preservação.

O interesse na figura de Neidinha foi ponto de partida para o documentário. É a partir dela que Pritz ganha acesso à comunidade e é acolhido pelos indígenas. A ativista também é parte importante da trama, sendo vista em cena em muitos momentos. 

Neidinha Bandeira Foto: Alex Pritz / Amazon Land Documentary
Neidinha Bandeira (Alex Pritz/Amazon Land Documentary)

“A gente não pode desistir. Até porque, se a gente desistir, quem ganha são eles. Estou cheia de vontade de fazer um monte de coisas, mas você sabe que não tem tempo. Mas nesse pouco tempo, eu vou perturbar muita gente. Se eu viver mais 20 anos, serão 20 anos perturbando quem destrói a Amazônia”, destaca Neidinha em determinado trecho do longa-metragem premiado no Festival de Sundance com o Prêmio Especial do Júri e com o Prêmio do Júri Popular.

“Não me propus a fazer um filme sobre direitos indígenas. Sou americano, não sou indígena. Mas eu queria contar uma história sobre pessoas que lutavam para proteger a floresta tropical, para proteger suas casas. E, obviamente, isso inclui a perspectiva indígena. Sabia, desde o início, que não poderia falar em nome dos indígenas, não tenho lugar”, relata Pritz. — Então, trouxemos câmeras para a comunidade e fizemos alguns treinamentos sobre como usar o equipamento, como editar vídeos. Abri meu kit de ferramentas e explorei isso de maneira participativa.

O diretor começou a filmar o documentário em 2018, pouco antes das eleições presidenciais. O período era recebido com muito temor pelos ativistas e com um grande sentimento de impunidade por parte dos fazendeiros. Em 2019, com a onda de queimadas, no Brasil, ficando em evidência na mídia internacional, o projeto acabou chamando a atenção de outros realizadores.

Foi aí que Darren Aronofsky, diretor de “Cisne negro” (2010) e “Mãe!” (2017), embarcou no filme como produtor. No ano seguinte, com a pandemia, Pritz se deparou com um desafio que modificou todo o desenho da obra.

Muito afetada pela Covid-19, a comunidade Uru-Eu-Wau-Wau proibiu a visita de pessoas que não fizessem parte da mesma, o que incluiu a equipe de filmagens. Foi, então, que ele convidou o indígena Tangãi Uru-Eu-Wau-Wau para atuar como codiretor de fotografia. O cineasta considera esta nova perspectiva uma das melhores coisas do projeto.

Buscando ser plural sem cair na armadilha da falsa simetria, o diretor também cede espaço em cena para fazendeiros, posseiros e grileiros. E é através deste espaço que o espectador tem acesso a um dos momentos mais chocantes, no qual um grupo de trabalhadores rurais coloca fogo na área de proteção ambiental sem se preocupar com o fato de estarem sendo filmados.

Bitaté Uru-eu-wau-wau, líder da comunidade Foto: Alex Pritz / Amazon Land Documentary
Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, líder da comunidade (Alex Pritz/Amazon Land Documentary)

— Sabiam que o que estavam fazendo era ilegal. Mas, ao mesmo tempo, eles sentiam muito orgulho. A geração de seus pais foi incentivada a se mudar para a Amazônia e cortar árvores — diz. — Foi muito difícil, não sabia que iríamos filmar esse tipo de cena, pensei que estávamos apenas os seguindo nesta empreitada por uma terra protegida. Mas, então, eles tiveram a oportunidade de queimar e foi isso que eles fizeram. Não havia sinal de celular. Não tinha como ligar para ninguém. Tudo que pude fazer foi filmar.

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