Questão ambiental, vida cotidiana e jornalismo


Por: Walmir de Albuquerque Barbosa

18 de novembro de 2025
Por: Walmir de Albuquerque Barbosa*

Para as Ciências uma “questão” é muito mais que um problema a ser investigado, envolve um alto nível de complexidade. Normalmente, toma como objeto de estudo os fenômenos da natureza e suas implicações sobre os grupamentos humanos, as ações, reações e soluções com o objetivo de elucidar, resolver ou mitigar, conforme for o foco e o aprofundamento no caso. Daí classificarmos de Questão Ambiental um dos problemas mais candentes e complexos de nosso tempo, isto é, que precisa: de estudo, de compreensão, de ferramentas intervenientes e ações humanas diversas que abrangem o campo das ciências em geral, da economia enquanto produção da sobrevivência e altos  custos financeiros; de políticas públicas e ordenação do espaço social e humano; da cultura e da adaptação dos seres vivos ao meio ambiente reordenado, não como metade, mas como um todo.

Qual a razão de tal magnitude? A olhos vistos, o que vem acontecendo no mundo em que vivemos extrapola o espaço restrito de nosso planeta, de nosso sistema solar e atinge o universo, em constantes mutações e, apesar da evolução científica, ainda não temos explicações, tratamento ou soluções adequadas à resolução de tais problemáticas, daí a importância que devemos dar a eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) a ser realizada em Belém do Pará, Porta da Amazônia, Brasil, entre 10 e 21 de novembro próximos, com presença de delegações de todo o mundo para discutir e decidir sobre trinta temas ligados ao assunto principal.

A Questão Climática é a parte mais significativa da Questão Ambiental, bem mais perto de nós porque afeta o nosso cotidiano e nos põem em eterna prontidão. Por causa dela, estamos sofrendo e aprendendo a regular as nossas vidas e nem sempre nos satisfazemos com o que encontramos: a qualidade do ar que respiramos, o tipo de roupa que nos agasalha e protege, os efeitos sobre nossa saúde, sobre o nosso humor, sobre a nossa alimentação, sobre o nosso ritmo de trabalho, sobre a nossa produção, seja de trabalho exercido nas cidades e no campo. Efeitos do clima sobre o meio ambiente em sua conformidade sistêmica marcam e alteram o nosso cotidiano.

E a cotidianidade é, queiramos ou não, o meio ambiente e a nossa vida por inteiro por ser o “espaço de vivência ordinária das pessoas, dos indivíduos. É nele que, como sujeitos, entramos em contato com as crenças, os hábitos, os procedimentos, as práticas, os costumes, os alimentos, os saberes que, por serem comuns, são vividos e compartilhados. Visto de fora, é até simplório, estereotipado, conformado a uma realidade imutável. No entanto, é rico, profundo e dinâmico” (BARBOSA, W. de A. Lições sobre o cotidiano: a construção teórica para a análise do cotidiano. Manaus: Editora Valer, 2015, p.7). Portanto, o cotidiano é o espelho do nosso modo de ser no mundo.

Um mundo comprometido, gasto pela exploração exagerada de seus recursos naturais para a construção de uma segunda e terceira naturezas e que se tornou preocupação dos que sofrem todos os tipos de consequências desses desastres generalizados como fenômenos naturais atípicos, tudo para desacreditar ou mesmo esconder as nossas descrenças no que verdadeiramente grave pode está acontecendo. Negar a ciência, infelizmente, têm sido uma prática que invade o conjunto de explicações irresponsáveis dos descrentes da ciência, mas isso, para os mais pobres, revela-se cotidianamente: a falta de saneamento básico, nas cidades, deixa esgotos a céu aberto, comprometendo a saúde dos que vivem às suas margens; rios e igarapés secam desde as suas nascentes e obrigam milhares de pessoas a procurarem fontes de suprimento de água potável cada vez mais distantes; ciclos de chuvas irregulares comprometem a produção de alimentos, promovendo escassez, subnutrição dos mais pobres, que não podem contar com a produção própria para a sobrevivência e, dos remediados, que enfrentarão os processos inflacionários, repercutindo em todo o sistema econômico; tufões, tsunamis e ciclones cada vez mais frequentes são destruidores de vidas, de cidades e de todo o esforço humano para construir um lugar propício de se viver. A Natureza é tudo o que recebemos quando chegamos ao mundo. É vista pelos humanos religiosos como dádiva de Deus ou de Deuses e, por agnósticos, construída pelo processo evolutivo ao longo dos tempos históricos. Seja como nos foi dado ou como tal o encontramos, merece cuidados.

A Segunda Natureza se explica e se justifica pelos usos corretos ou não do que fazemos da Primeira Natureza em garantia de nossa sobrevivência e do processo de vida, isto é, da satisfação de nossas necessidades, sejam elas quais forem e, dependendo do uso, de tudo o que dispomos. Da construção dessas relações de trocas racionalmente pensadas, a vida pode ser plena ou não. No entanto, as práticas conflituosas, aquelas resultantes das disputas exacerbadas, que geram ódio, diferenças e desigualdades são, como sempre, a razão da escravidão, do colonialismo e das disputas por terras com maiores riquezas, fatia maior dos bens que a natureza pode nos dar e aí temos a Terceira Natureza, algo que extrapola a garantia das nossas necessidades, instaura o reino da ganância, da usurpação abusiva dos recursos naturais em detrimento do bem viver de todos.

A COP30, em Belém, é um esforço institucional e multilateral pela causa de uma vida melhor para todos nós que aqui vivemos, independente do grau de riqueza possuída. Reúne Governos, Instituições Científicas, Organizações Privadas e grupos representativos da Sociedade Civil que ainda acreditam na concertação dos problemas mundiais pela negociação pacífica, pelo reconhecimento das obrigações dos que se beneficiaram mais dos recursos naturais para sua prosperidade com os que precisam de amparo ou, ainda, guardam a parte boa da natureza intocada para o bem do planeta.

O papel do jornalismo não é somente cobrir o evento, mas ressaltar a atenção de todos os problemas que podem ser mitigados. Cabe, ainda, ao jornalismo, tanto entre nós quanto aos aliados à mídia nacional e internacional, cumprir o papel de maior vigilância do cotidiano, já que o jornalismo faz isso diuturnamente, usando seus meios de investigação, de atenção e alertas, pautando a questão ambiental como o seu grande tema e uma das suas obrigações inarredáveis. A festa não é somente nossa, mas é uma oportunidade para colocar os problemas da Amazônia aos olhos do mundo e ao lado de outras florestas tropicais que precisam de alívio e socorro. Além do mais, denunciar a falta de compromisso dos que boicotam os Acordos e Tratados Internacionais firmados em conferências anteriores, por negacionismo ou vontade própria, imaginando que a degradação do mundo jamais chegará à sua casa, esquecendo, como queria o Papa Francisco, na Encíclica Papal Laudato Si’, “o cuidado com casa comum”.

Cabe a todos esse cuidado, mas ao jornalismo, que tem como função social informar, explicar, educar, divertir, dar atenção a tudo que se passa na vida cotidiana e formar uma opinião pública comprometida com o bem coletivo, focar nas questões ambientais é uma obrigação, mesmo que custe caro a todos os meios de comunicação. Por trás de um rio poluído, de um lixão e esgotos a céu aberto, de um incêndio florestal, de um desmatamento irregular, de uma encosta de terreno com várias casas e moradores prestes a desabar, por dentro dos bueiros de esgotamento das águas pluviais etc., moram perigos iminentes que solapam a vida de pessoas e animais.

As negligências do poder público, interesses escusos de grupos econômicos – e até de quadrilhas de traficantes que promovem não só a degradação do meio ambiente como também se infiltram nas estruturas do Estado para corrompê-lo – criam situações irremediáveis e comprometem a cidadania e o Estado Democrático de Direito. Episódios como “deixar passar a boiada”, o afrouxamento da fiscalização sobre os licenciamentos ambientais e as explorações clandestinas devem servir de alerta ao jornalismo investigativo e ao jornalismo de divulgação científica, pois, juntos, têm a capacidade de chegar primeiro aos fatos, torná-los públicos, promover uma discussão e a reação da sociedade.

(*) Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (2003-2012); reitor da UFAM (gestão 1997-2001); Jornalista Profissional.

(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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