Quilombolas coletam recorde de sementes florestais para restaurar a Mata Atlântica

Grupo compõe a Rede de Sementes do Vale do Ribeira, que atua no sudoeste de São Paulo, e plantios já estão previstos para 2021 (Reprodução)

SÃO PAULO – O ano de 2020 foi importante para a Rede de Sementes do Vale do Ribeira (SP). O ano marcou positivamente com volume recorde de sementes coletadas e vendidas. Os coletores quilombolas do Vale reuniram mais de 750 kg de sementes de 118 espécies florestais da Mata Atlântica, gerando cerca de R$ 70 mil para as famílias envolvidas.

A coleta recorde é mais do que o dobro da quantidade de sementes coletadas no ano passado. Aumentou também a demanda pelas sementes e pela muvuca, uma técnica de restauração florestal que consiste no uso de uma mistura de sementes de diferentes espécies semeadas de uma só vez para gerar florestas.

A muvuca apresenta menor custo que as mudas e mais facilidade na logística, além de ter um alto grau de eficácia na restauração florestal. A técnica já é utilizada há mais de 10 anos pelo Instituto Socioambiental (ISA) com as sementes coletadas pela Rede de Sementes do Xingu e, desde 2017, com as do Vale do Ribeira.

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Superação

Segundo Adair Soares da Mota, coletor do Quilombo Nhunguara, avalia que 2020 superou todas as metas de quatro anos atrás, quando a Rede de Sementes foi criada. “Foi uma venda mais volumosa de sementes e bastante diversidade coletada. Todo mundo ficou bastante animado com a Rede de Sementes esse ano”, disse.

Além de Nhunguara, outras três comunidades participam do projeto: André Lopes, Maria Rosa e Bombas. Hoje, são 33 famílias quilombolas atuando na coleta e comercialização das sementes. O trabalho contribuiu para gerar renda para as famílias, ao mesmo tempo em que permitiu que elas continuassem as atividades de plantio nas roças e preservassem o território e suas culturas.

Para Juliano Nascimento, assessor do Programa Vale do Ribeira do ISA, “a semente traz uma renda extra e de forma sustentável”. Ele lembra que o trabalho faz ainda mais sentido quando se leva em conta que os territórios quilombolas do Vale do Ribeira têm em média 80% de vegetação nativa em pé. Um quinto do que restou da Mata Atlântica está localizado no Vale do Ribeira.

Troca de conhecimentos

Além de aumentar a renda e contribuir com o reflorestamento do bioma Mata Atlântica, o trabalho com a Rede contribui para o manejo do território e a troca de conhecimentos no interior das comunidades. Isso acontece porque, no trabalho de coleta, os quilombolas têm de percorrer seus territórios e conhecê-los a fundo.

Como todas as comunidades tradicionais, os quilombos são fonte de conhecimento que perpassam gerações. São tradições e costumes herdados e que dizem muito sobre a cultura local. Por isso a juventude quilombola buscou nos mais velhos, saberes tradicionais das árvores e sementes. Nascimento disse que observou essa dinâmica no trabalho com a Rede.

De acordo com Malvina de Almeida, foi um aprendizado. “Nós aprendemos muito com a coleta de sementes, porque a gente saía, via as árvores, mas não conhecia. Coletando as sementes, a gente vai para a mata, vê o pé da árvore, vê a semente no chão, procura saber”, relatou Malvina de Almeida Silva, coletora do Quilombo Nhunguara.

Por que a muvuca?

A muvuca tem ganhado popularidade. Isso se deve ao esforço ativo de difusão de conhecimento sobre a tecnologia, realizado por coletivos e organizações como a Rede de Sementes do Xingu, a própria Rede de Sementes do Vale do Ribeira, a Rede de Sementes do Cerrado, o ISA e a empresa Agroicone. ISA e Agroicone se uniram no ano passado para formar a ‘Iniciativa Caminhos da Semente’.

“O grande ganho da restauração por muvuca é que você insere muito mais pessoas dentro da cadeia produtiva da restauração. Você insere o coletor de semente. Inserir o coletor de sementes como sujeito da cadeia de restauração é valorizar a importância do trabalho dele”, considerou Juliano Nascimento, assessor do ISA.

Além do aspecto social, com o envolvimento das comunidades, a técnica traz outras vantagens para quem opta por adotá-la. “É um método relativamente simples e mais barato do que os mais conhecidos de restauração florestal, mas é desconhecido, não só por produtores rurais, mas por profissionais da restauração”, frisou Laura Barcellos Antoniazzi, sócia na Agroicone.

Lacuna

Para suprir esta lacuna, a Caminhos da Semente foca em projetos de capacitação e divulgação junto a públicos estratégicos. Já foram realizadas formações para técnicos das Secretarias de Agricultura e de Meio Ambiente do estado de São Paulo e para profissionais do setor de cana de açúcar, por exemplo.

No sábado, 5, foi realizada uma muvuca em uma área de dois hectares com sementes coletadas pela Rede do Vale do Ribeira, do Xingu e do Cerrado, além de outros produtores de sementes, na Fazenda São Roberto, em Itapeva (SP), de propriedade da Agropecuária São Nicolau. O plantio foi também uma oportunidade de homenagear Gabriella Contoli, cientista social e comunicadora do ISA.

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