Quilombolas denunciam riscos de obra viária no Pará antes da COP30
Por: Fabyo Cruz
20 de setembro de 2025
BELÉM (PA) – Apresentada pelo Governo do Pará como uma obra estratégica para melhorar a mobilidade em Belém, a construção da Avenida Liberdade enfrenta críticas e denúncias de irregularidades por parte da comunidade quilombola do Abacatal. Após realizarem fiscalizações próprias, os moradores afirmam que alterações no projeto foram implementadas sem qualquer consulta prévia, impondo um desvio que compromete a segurança de pedestres, ciclistas e veículos, além de ignorar acordos firmados em reuniões anteriores com representantes do Estado.
A avenida terá cerca de 13,3 quilômetros, ligando a Alça Viária, em Marituba, na Região Metropolitana de Belém (RMB), à Avenida Perimetral, próximo à Universidade Federal do Pará (UFPA), na capital paraense, e foi concebida para reduzir o tempo de deslocamento em horários de pico de mais de uma hora para cerca de 12 minutos. O governo sustenta que a obra é parte da modernização da infraestrutura urbana, beneficiando os aproximadamente 2 milhões de habitantes que circulam diariamente entre Belém e os municípios de Marituba e Ananindeua.

A obra, prevista para ser entregue em outubro deste ano, também é apresentada como um reforço à mobilidade antes da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em novembro – evento global que discutirá políticas climáticas e sustentabilidade. Para os quilombolas do Abacatal, a narrativa oficial ignora os impactos diretos sobre suas vidas e seu território.
“Eles não perguntaram nada para a comunidade, simplesmente mudaram o projeto e nos deixaram sem alternativa. Agora, nossa estrada virou um desvio perigoso, sem acostamento, sem ciclovia, cheio de curvas e com risco de alagamento”, afirmou a liderança espiritual Vanuza Cardoso.
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O buraco aberto no local, segundo ela, “não suporta veículos grandes” e a circulação de bicicletas – principal meio de transporte da comunidade – se tornou “altamente arriscada, principalmente no inverno, quando a água sobe e torna a via intransitável”.
Além dos riscos estruturais, moradores apontam problemas ligados à instalação de linhas de transmissão de energia elétrica, com fios baixos que passam diretamente sobre a via. “Imagina a gente, debaixo de chuva, passando de bicicleta ou moto, e esses fios estourando por cima da cabeça? É um perigo constante”, alerta Vanuza.
Para a comunidade, essas alterações constituem não apenas um risco físico, mas também uma violação de direitos e do processo de negociação que deveria incluir o conhecimento tradicional do território.

As críticas se estendem ao impacto ambiental do projeto. A Avenida Liberdade atravessa a Área de Proteção Ambiental (APA) de Belém, um dos últimos grandes fragmentos de floresta urbana da capital, abriga mananciais essenciais e mantém a biodiversidade local. Ambientalistas alertam que a obra pode intensificar a fragmentação de habitats, afetar espécies nativas e alterar o regime hídrico dos lagos Bolonha e Água Preta, importantes para o abastecimento de água.
O governo afirma que estudos técnicos foram realizados e que medidas compensatórias, como passagens de fauna e monitoramento por vídeo foram incluídas no projeto, mas a comunidade e organizações locais consideram essas ações insuficientes e excludentes.
A construção da avenida também aponta um conflito histórico sobre territórios quilombolas e comunidades tradicionais, que possuem profundo conhecimento sobre o regime das águas e a dinâmica do solo local. Segundo a liderança do Abacatal, “decisões unilaterais, sem diálogo, desconsideram séculos de experiência da comunidade e colocam em risco nossa produção, nossa segurança e nossa vida”. Entre as atividades afetadas estão o extrativismo e a produção artesanal de alimentos como tucupi, bacaba e carvão.
Nessa sexta-feira, 19, os moradores do Quilombo Abacatal realizaram uma reunião para deliberar sobre os próximos passos e definir encaminhamentos junto às autoridades. Entre as reivindicações, está a conclusão da pavimentação e iluminação da estrada principal antes da imposição de desvios inseguros, garantindo o direito de acesso seguro à comunidade.
“A estrada é nossa, sempre foi chamada de estrada do Abacatal. Eles agora deram o nome de Avenida Metrópole, mas para nós continua sendo a estrada do quilombo”, reforça Vanuza.
O que diz o Governo do Pará
A CENARIUM solicitou posicionamento ao Governo do Pará sobre as declarações da comunidade do Quilombo do Abacatal. Leia abaixo, na íntegra, a nota enviada pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra):
“A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra) esclarece que não houve qualquer alteração no projeto da Avenida Liberdade. A obra está sendo executada conforme o planejamento aprovado e em total alinhamento com os termos definidos em audiência pública.
A comunidade quilombola do Abacatal é informada diariamente sobre o andamento da obra e acompanha todas as etapas de execução. Todas as medidas de segurança, drenagem e acessibilidade estão sendo rigorosamente garantidas, assegurando a viabilidade do projeto e o cumprimento integral dos acordos firmados.
A Seinfra reforça seu compromisso com a transparência e o diálogo constante com a população, garantindo que o desenvolvimento urbano ocorra de forma segura, sustentável e respeitosa com as comunidades locais”.
