‘Racismo religioso’, dizem advogadas sobre declarações de Vitor Belfort e Joana Prado
Por: Marcela Leiros
26 de fevereiro de 2025
MANAUS (AM) – As declarações da empresária Joana Prado e do ex-lutador de MMA Vitor Belfort sobre o Carnaval foram consideradas racismo religioso por especialistas consultados pela CENARIUM, assim como passíveis de punição. A ex-musa de escola de samba que ficou conhecida como “Feiticeira“, na década de 1990, relacionou o culto a orixás e a outras entidades com “invocação a demônios“.
As falas constam em vídeo do casal publicado na rede social Instagram nessa terça-feira, 25. Nos comentários, internautas criticaram as declarações. A advogada e jornalista Luciana Santos, especialista em Africanidades e Cultura Afro-brasileira, afirma que a equiparação de demônios a entidades de religiões de matriz africana é um ato de racismo religioso, um crime que vai além da intolerância religiosa.
“As falas demonstram a demonização de uma religião por ela ter origem na cultura africana. Vai além da intolerância religiosa”, declarou, acrescentando que ambos devem ser responsabilizados pelo discurso que incita a violência contra as religiões.
“Mesmo que sejam sem embasamento algum e demonstrem total desconhecimento sobre o tema, eles reforçam essa violência criminosa que, em muitos casos, tem levado praticantes e lideranças religiosas a serem alvos de ataques físicos, verbais e até mesmo à morte por assassinato“, acrescentou. “Eles cometem mais do que um desserviço, cometem um crime”.
De acordo com a advogada Denise Coêlho, configura-se racismo religioso quando há discriminação contra religiões de matriz africana, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a jurista, a marginalização dessas práticas religiosas, especialmente ao associá-las a entidades demoníacas, caracteriza preconceito estrutural e afronta o princípio da liberdade religiosa, garantido pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal. Ela destaca, ainda, que o discurso que reforça estereótipos negativos contra essas crenças se enquadra como manifestação discriminatória vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
“A associação de cultos afro-brasileiros à invocação de demônios reforça estereótipos discriminatórios e fomenta a intolerância religiosa, incidindo em conduta vedada pelo ordenamento jurídico. Tal discurso extrapola os limites da liberdade de expressão, uma vez que não se trata de mera opinião, mas sim de manifestação que menospreza e marginaliza práticas religiosas reconhecidas como parte da identidade cultural de determinados grupos sociais”, ressalta Coêlho.
Declarações
Convertida em 2009 a uma religião evangélica, Joana afirmou que o Carnaval não é apenas uma festa inofensiva, mas que carrega tudo o que é “contrário à vontade de Deus”. A empresária citou, ainda, que na festa acontece “culto aos orixás e consagração a deuses“, além de invocação a demônios.
“Se você falar com qualquer pessoa que organiza o Carnaval, eles vão te contar toda a história. Existe ali um culto aos orixás, uma consagração a deuses, onde a invocação, a demônios mesmo, acontece“, disse Joana Prado.
O marido Vitor Belfort relacionou os “desejos da carne” com a macumba e o que chamou de “cultura espírita“. “O ego é parte da carne, e o Carnaval festeja esses desejos de arrepio, envolve muito a cultura da macumba, uma cultura espírita, não é o lugar que pode misturar…“, acrescentou.
Racismo religioso x intolerância religiosa
Conforme mostrou a CENARIUM na matéria “Racismo religioso e intolerância religiosa: qual a diferença entre os crimes?“, a principal diferenciação entre o racismo religioso e a intolerância religiosa está no fator racial.
“Racismo religioso acontece nas religiões de matriz africana, pois temos aí um fator racial determinante, com toda a bagagem do colonialismo produzindo a inferioridade do colonizado. A intolerância religiosa trata de violações à religiosidade, mas sem haver subjugação da cor e das raízes da pessoa. As religiões afro são alvo de violência por toda essa construção de inferioridade, subjugação, desumanização à cultura negra”, explicou a mestra em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos Karolline Porto, na época.

Em 2023, foi sancionada a Lei 14.532 que equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo e também protege a liberdade religiosa. A lei prevê pena de reclusão de dois a cinco anos e proibição de frequência a quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.