Refino da cocaína no Brasil movimenta U$ 6 bilhões e supera Fundo Amazônia


Por: Fred Santana

30 de outubro de 2025
Refino da cocaína no Brasil movimenta U$ 6 bilhões e supera Fundo Amazônia
Apenas o refino da cocaína, que representa 9% da cadeia de valor global, movimenta cerca de US$ 6 bilhões por ano no Brasil (Arquivo/CENARIUM)

MANAUS (AM) – O relatório “Floresta em Pó”, lançado nesta quarta-feira, 30, alerta que a Amazônia brasileira se tornou o coração da engrenagem global do tráfico de cocaína. A pesquisa inédita mostra que Estados como Pará e Amazonas, antes vistos como corredores de passagem, são hoje territórios estratégicos para o refino, a logística e a lavagem de dinheiro ligados à economia da droga.

Produzido pelo projeto Intersecção, em parceria com a Coalizão Internacional pela Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental, o estudo apresenta dados inéditos e mapas detalhados que revelam como o modelo proibicionista alimenta redes criminosas que se infiltram nas economias regionais, transformando a floresta em palco de guerra, desmatamento e disputas territoriais.

O relatório aponta que o refino da cocaína, que representa 9% da cadeia de valor global, movimenta cerca de US$ 6 bilhões por ano no Brasil. O valor, equivalente a cinco vezes o total do Fundo Amazônia, é abastecido por uma cadeia que conecta laboratórios escondidos na selva, rotas fluviais no interior do Amazonas e do Pará, e portos atlânticos usados para exportação da droga para a Europa e a Ásia.

Novos eixos da rota do pó

O levantamento mapeia 550 laboratórios de refino e adulteração ativos entre 2019 e 2025, segundo o Instituto Fogo Cruzado, mas estima que o número real possa chegar a 5 mil. Uma parcela significativa dessas estruturas está em regiões remotas da Amazônia Legal, com alta concentração no Amazonas e no Pará.

Para Rebeca Lerer, criadora do projeto Intersecção e coordenadora da Coalizão Internacional pela Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental, o avanço da cocaína sobre o território amazônico é resultado direto da repressão nos países produtores tradicionais.

“Nas últimas décadas, a intensificação das operações policiais no Peru, na Bolívia e na Colômbia deslocou parte da estrutura produtiva da cocaína para países vizinhos. O Brasil assumiu um papel central nesse novo mapa da droga, e a Amazônia está no núcleo dessa transformação”, explicou.

Lerer detalhou que o fenômeno vai muito além do tráfico. “O que se consolida hoje é uma engrenagem que conecta o refino da cocaína a economias legais e ilegais. O dinheiro que nasce no crime se reinveste em garimpos ilegais, em grilagem de terras, em portos clandestinos e até em fintechs e fundos de investimento que operam no eixo São Paulo–Belém. É uma cadeia que movimenta a floresta, o capital e o poder”, alerta.

Amazônia brasileira se tornou o coração da engrenagem global do tráfico de cocaína (Divulgação/PC-AM)
Floresta transformada em mercado de guerra

O documento mostra que a Amazônia se tornou uma fronteira do tráfico e da violência armada, com disputas abertas entre facções brasileiras, como o PCC e o Comando Vermelho, e grupos estrangeiros oriundos da Colômbia, Bolívia e Venezuela. A competição pelo controle das rotas fluviais e aéreas alimenta um ciclo de destruição ambiental e social, onde o tráfico, o garimpo e o desmatamento se retroalimentam.

Nos últimos 40 anos, o Brasil perdeu 111,7 milhões de hectares de cobertura vegetal – 13% do território nacional – e grande parte dessa devastação está vinculada a atividades financiadas pelo dinheiro do narcotráfico.

A socióloga Nathália Oliveira, diretora da Iniciativa Negra e correalizadora do Intersecção, destacou que a guerra às drogas se converteu numa guerra contra os territórios. “O que temos visto é o aumento da violência e das mortes entre povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses. São as comunidades mais vulneráveis que pagam o preço de uma política de proibição que fracassou. A floresta virou o campo de batalha de uma guerra que não tem fim”, avalia.

Ela acrescentou que o estudo busca revelar o que está escondido por trás da narrativa oficial. “A publicação retira o véu do estigma. Precisamos discutir a política de drogas de forma realista, com base em dados e na escuta dos territórios. Só assim será possível reduzir os danos sociais, ambientais e humanos dessa engrenagem”, sugere Nathália.

Sem nova política, não haverá desmatamento zero

Com o lançamento do relatório às vésperas da COP30, marcada para novembro em Belém (PA), o estudo faz um alerta global: não será possível conter a crise climática sem enfrentar as causas estruturais da proibição das drogas.

As autoras Jenna Rose Atwood e Clemmie James, da Coalizão Internacional pela Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental, ressaltaram que a redução das emissões e o combate ao desmatamento dependem de uma abordagem que integre justiça ambiental e social.

“Enquanto a guerra às drogas continuar tratando plantas como inimigas, continuaremos alimentando a destruição. É preciso reclassificar essas plantas como parte de sistemas sustentáveis que gerem prosperidade, justiça racial e equilíbrio ecológico”, alertam.

O relatório introduz o conceito de Redução de Danos Ecológicos (RDE), que propõe incorporar direitos ecológicos e políticas sobre drogas nas estratégias de mitigação climática. Segundo os pesquisadores, a Amazônia é o termômetro dessa urgência: a cada rota aberta e a cada pista clandestina instalada, a floresta perde território, vidas e futuro.

Leia mais: Legalizar cocaína evitaria destruição da Amazônia, diz presidente da Colômbia
Editado por Jadson Lima

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