Relatório alerta para cortes na saúde indígena e estagnação no MMA
Por: Ana Cláudia Leocádio
09 de maio de 2025
BRASÍLIA (DF) – A sexta edição do relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, publicado no último dia 29, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), aponta para uma estagnação do orçamento do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA) e uma redução acentuada nas verbas direcionadas às ações da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), o que pode travar as ações de saúde dos povos originários. O Ministério da Saúde informou que já conseguiu recompor os valores.
O instituto explica que o relatório anual faz uma análise de alguns aspectos do orçamento federal, com ênfase às áreas que o Inesc acompanha de forma cotidiana, além de uma visão panorâmica da política econômica praticada pelo governo federal.

Conforme o levantamento, que compara os orçamentos de 2024 em relação ao de 2023, com a projeção para 2025, o MMA teve uma dotação de R$ 3,5 bilhões no ano passado e, para este ano, ainda terá uma redução de 1%, o que preocupa os especialistas porque pode representar entraves para o avanço das políticas ambientais do País.
“Com relação ao meio ambiente, os recursos executados seguem nos mesmos patamares de anos anteriores, mesmo com todas as questões urgentes que devem ser resolvidas e com os desafios impostos pelas consequências das mudanças climáticas, o que foi o que percebemos também nas políticas urbanas, especialmente naquelas voltadas para a adaptação climática”, afirma o relatório.
A preocupação é ainda maior por causa da expectativa em torno da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Belém, no mês de novembro deste ano, evento considerado pela ministra do MMA, Marina Silva, como a COP da implementação, na qual os membros que fazem parte da Convenção do Clima pretendem conseguir US$ 1,3 trilhão para financiamentos climáticos dos países em desenvolvimento.
Os R$ 3,5 bilhões do orçamento do MMA, segundo o Inesc, abrangem o ministério e suas principais autarquias: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Incluem, ainda, o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC).

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Situação de fundos é preocupante
Em relação ao FNMA, o relatório destaca que a sua única fonte de recursos provém de 50% das multas ambientais aplicadas pelo Ibama, que apresentaram crescimento em 2023 e 2024, por causa da retomada da fiscalização ambiental. O problema, aponta o Inesc, é que o fundo continua “praticamente inoperante”.
“Dos R$ 67,3 milhões previstos no orçamento de 2024, R$ 62,6 milhões (equivalentes a 93% do total) foram bloqueados na Reserva de Contingência”, informa o instituto. Isso significa, na prática, alerta o Inesc, que o fundo “não existe”, e isso compromete a capacidade do País de investir em ações ambientais estratégicas.
A situação piora com o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), que, segundo o Inesc, continua com forte desequilíbrio, porque os recursos não reembolsáveis, sob a responsabilidade do MMA, permanecem restritos a R$ 4,5 milhões. Em contraste, valores reembolsáveis, geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), chegam a R$ 21,2 bilhões.
Os valores reembolsáveis são destinados a projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, que podem ser financiados por meio de crédito junto ao BNDES e devem ser devolvidos, com juros, após o término do projeto. Já os recursos não reembolsáveis, usados para o mesmo objetivo, são concedidos sem a expectativa de retorno ou reembolso.
A assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso, avalia que a falta de crescimento no orçamento ambiental sinaliza que o tema ainda não ocupa lugar central na estratégia do atual governo. “Não podemos enfrentar as mudanças climáticas sem uma política ambiental ampla e pautada entre os três níveis da federação, na ciência, na capacidade de coordenação e cooperação, na divisão de responsabilidades e na disponibilidade de recursos adequados”, disse, segundo a assessoria do Inesc.
Ao final do relatório, o Inesc faz uma série de recomendações para melhorar a forma de execução do orçamento no atendimento às políticas ambientais. A Cenarium solicitou uma resposta do MMA e aguarda retorno.
Corte na verba da saúde indígena
O estudo também analisou a dotação orçamentária para as políticas indigenistas do País e constatou duas situações: se, de um lado, houve melhoria, ainda que lenta, nos recursos alocados para a demarcação das terras indígenas, de outro, o orçamento da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) para 2025 caiu para R$ 1,3 bilhão, ante os R$ 3 bilhões de 2024.
Vinculada ao Ministério da Saúde, o Inesc indica que o corte impacta a principal ação da Sesai, a de “Promoção, proteção e recuperação da saúde indígena”. “Embora haja previsão de aumento nos investimentos em saneamento para populações indígenas, a redução de recursos na saúde acende um alerta. A crise sanitária enfrentada pelos Yanomami em 2022, que teve repercussão internacional, evidencia a gravidade dessa redução”, ressalta o instituto.
Em nota enviada à CENARIUM, o Ministério da Saúde informou que, após articulações junto aos órgãos competentes, foi aprovada a recomposição integral do orçamento da saúde indígena para 2025, restabelecendo os valores originalmente propostos na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA).
Segundo vídeo publicado pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no dia 19 deste mês em suas redes sociais, a proposta enviada ao Congresso na PLOA foi de R$ 3,79 bilhões, mas o relatório parlamentar cortou R$ 1,6 bilhão. Com a recomposição, o valor deste ano para a Sesai será de R$ 3,157 bilhões, superior ao executado em 2024.
“O Ministério da Saúde, por meio da Sesai e dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei), segue implementando ações para fortalecer a atenção à saúde indígena em todo o País, respeitando a diversidade cultural e os modos de vida dos povos originários. Entre as medidas estão o fortalecimento das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, investimentos em infraestrutura e saneamento, formação intercultural de profissionais e ações voltadas à saúde da mulher, da criança e de populações vulneráveis”, informa o ministério.

Demarcação de terras
O Inesc também constatou que o orçamento para a política indigenista aumentou de R$ 232 milhões, em 2023, para R$ 377 milhões, em 2024, dos quais cerca de R$ 190 milhões (50,33%) foram viabilizados por crédito extraordinário para cumprir a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamenta (ADPF 709), movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no Supremo Tribunal Federal (STF), para garantir medidas de proteção emergenciais durante a pandemia.
Mesmo com o incremento de 62%, o relatório alerta para a urgência em acelerar as demarcações para proteger os povos indígenas contra ameaças como grilagem, mineração ilegal, desmatamento e contaminação. Entre 2023 e 2024, ressalta o estudo, foram demarcadas 13 Terras Indígenas e publicadas 11 portarias declaratórias. Mas entraves políticos e burocráticos travam mais de 200 processos de demarcação em curso, aponta o relatório.
“Os órgãos de política indigenista precisam continuar sendo fortalecidos para que consigam executar uma parcela maior dos recursos disponíveis. Da mesma forma, o governo precisa se dedicar a resolver os entraves políticos e burocráticos que ainda travam a demarcação de mais de 200 terras indígenas”, afirma Elisa Rosas, assessora política do Inesc.
Quem é o Inesc
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, não partidária e com sede em Brasília (DF). Atua, há mais de 40 anos, politicamente junto a organizações parceiras da sociedade civil e movimentos sociais para ter voz nos espaços nacionais e internacionais de discussão de políticas públicas e direitos humanos, sempre de olho no orçamento público.