Remédio medieval feito à base de cebola e alho se mostra eficaz como antibiótico

Mistura criada há 1.200 anos faz parte do milenar livro de medicina medieval Bald's Leechbook (Divulgação/Internet)

Da Revista Cenarium*

MANAUS – Um remédio produzido no século 19 à base de cebola, alho, vinho e sais biliares foi recuperado por cientistas da Universidade de Warwick, na Inglaterra. O medicamento se mostrou eficaz no combate à proliferação de bactérias no corpo humano, segundo informações do experimento que foram publicadas na semana passada pelo jornal Scientific Reports, da conceituada Revista Nature.

Inicialmente utilizada como poção para os olhos, a mistura criada há 1.200 anos faz parte do milenar livro de medicina medieval “Bald’s Leechbook” -livro de prescrições médicas de Bald” escrito durante as reformas educacionais do rei dos anglo-saxões Alfredo, o Grande.

PUBLICIDADE

Como funciona o remédio

Bálsamo demonstrou eficácia contra cinco diferentes bactérias (Divulgação/Internet)

De acordo com o grupo de microbiologistas do Ancientbiotics, o remédio reagiu de modo seguro às células humanas e tem sido funcional na destruição de biofilmes multicelulares, colônias de microrganismos que funcionam como uma proteção para as bactérias e reduzem a ação dos antibióticos atuais.

De modo geral, o bálsamo demonstrou eficácia contra cinco diferentes bactérias: Acinetobacter baumani, Stenotrophomonas maltophilia, Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Streptococcus pyogenes, todas encontradas em biofilmes que infectam principalmente em pessoas com diabetes.

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a doença atinge cerca de 13 milhões de brasileiros. Por causa da resistência dos biofilmes aos antibióticos, a infecção pode levar à amputação dos pés, por impedir que os patógenos invadam a corrente sanguínea.

A pesquisa mostrou ainda que o efeito antibacteriano depende de que todos os ingredientes estejam combinados, nas especificações exatas da receita anglo-saxônica, incluindo um período de ativação de nove dias.

A alicina (presente no alho), por exemplo, tem ação antibacteriana, mas o bulbo sozinho não tem atividade contra biofilmes, informou a professora de Warwick Freya Harrison, coautora do artigo.

Warwick pontuou ainda que muitos antibióticos usados hoje derivam de compostos naturais, mas o trabalho recém-publicado abre uma outra vereda para a exploração não só de substâncias isoladas mas da composição entre elas.

O grupo

De acordo com o grupo, decifrar os manuscritos não é um trabalho simples, já que o texto usa palavras e grafias diferentes para os mesmos ingredientes (Divulgação/Internet)

Segundo Warwick, o foco principal do Ancientbiotics, formado em 2015, é em fórmulas medievais, mas o grupo colabora com pesquisadores que analisam remédios anteriores e posteriores: “Algo em que os especialistas em humanidades da equipe estão especialmente interessados é comparar remédios e ingredientes em textos médicos de diferentes épocas e lugares, para ver qual conhecimento foi transmitido”, complementou.

Para ela, não há dúvidas de que algumas das receitas do “Bald’s Leechbook” foram copiadas da medicina antiga ou têm paralelos em livros de outros tempos e povos. A biblioteca de Londres descreve fórmulas extraídas de autores gregos e romanos antigos, como Alexandre de Tralles (morto em 605).

Além do volume anglo-saxônico, que passa por sua segunda tradução, “Lilium Medicinae”, uma compilação feita em 1305 em latim por um médico francês, também é fonte para o grupo. A partir de uma versão para o inglês antigo, a especialista em manuscritos medievais Erin Connelly criou uma base de dados com as combinações de substâncias sugeridas pelo livro, que descreve cerca de 6.000 ingredientes e 359 receitas para 110 doenças.

Manuscrito

De acordo com o grupo, decifrar os manuscritos não é um trabalho simples, já que o texto usa palavras e grafias diferentes para os mesmos ingredientes. Funcho, por exemplo, aparece como “fenel”, “feniculi”, “feniculum”, “marathri”, “maratri” e “maratrum”, como descreve um artigo da MIT Technology Review. Além disso, como pode haver ingredientes ativos diferentes dependendo da parte da planta usada, é preciso distinguir raiz, folha, seiva ou semente.

As bases de dados criadas a partir das obras medievais serão fundamentais para ajudar o grupo a identificar quais remédios históricos são os mais promissores, já que os experimentos em laboratório consomem tempo e dinheiro, diz Christina Lee, da Universidade de Nottingham, especialista no aspecto histórico do trabalho.

Warwick lembra também que há um longo caminho entre as descobertas do Ancientbiotics e a produção de um remédio para uso médico: é necessário identificar as moléculas responsáveis pelo efeito antimicrobiano, descobrir qual dose delas é necessária para tratar infecções e mostrar que essa dose não causa efeitos colaterais adversos, em uma série de testes em fases no laboratório e nas pessoas.

Além disso, é preciso que mostrar que a preparação traz benefícios médicos suficientes para compensar o custo de fabricá-lo e fornecê-lo. Mas existem alguns produtos naturais empregados para tratar infecções ao longo da história que são usados como antimicrobianos seguros e eficazes, segundo a cientistas.

(*) Jarleson Lima, sob a supervisão de Carol Givoni, com informações da Folhapress

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.