Representantes dos direitos das mulheres reprovam falas de deputado sobre ucranianas: ‘Machista, sexista e misógino’

Da esquerda à direita: Liliane Oliveira, Vanja Andréa Santos, Maria Gláucia Barbosa Soares e Socorro Papoula. (Arte: Thiago Alencar/ Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS — O conteúdo dos áudios gravados pelo deputado estadual de São Paulo Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, e vazados nessa sexta-feira, 4, ganharam grande repercussão negativa na mídia e nas redes sociais. Nas mensagens gravadas durante a viagem à Ucrânia, o deputado afirmou que as mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres”. Diante dessa repercussão, a CENARIUM conversou com representantes de movimentos feministas, sociólogas e juristas que reprovaram o comportamento do parlamentar.

Leia também: Saiba quem é Arthur do Val, deputado de SP que gravou áudios sobre mulheres ucranianas

Para a presidente nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Andréa Santos, o sentimento a respeito da “opinião” do deputado estadual é de indignação. À CENARIUM, ela reforçou que em condições normais já seria um absurdo esse tipo de pensamento e fica ainda mais grave quando é sobre mulheres em situação de vulnerabilidade, como é o caso das que estão vivendo a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

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“Um desprezo pela condição humana do ser mulher, do estar sofrendo situações de estado de guerra, por estarem vulnerabilizadas. A pobreza, sob a ótica desse deputado, parece ser uma condição permissiva para qualquer ação desprezível em relação às mulheres. Entendamos que essa afirmação machista e desumana é um ataque não apenas as ucranianas, mas a todas nós, mulheres. A melhor resposta para esse crime pode ser dada pela Alesp [Assembleia Legislativa de São Paulo], a cassação imediata do seu mandato”, enfatiza ela.

A coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Andréa Santos. (Arquivo TVE Bahia)

Já a ativista Socorro Papoula, da coordenação da Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA), pontua que vivemos uma sociedade conservadora e hipócrita, com não seguem o que defendem. Para ela, é grave que homens como Arthur do Val brinque com a vida de mulheres.

“A fala do deputado, que é o segundo mais votado da cidade de São Paulo, a maior cidade do Brasil, é uma vergonha. É uma fala machista e misógina, que coloca a mulher como objeto de consumo, como produto. É realmente indecente o que ele fala. Como a nossa sociedade está mal representada com esses sujeitos, da raça branca, machista, racista, e que ainda brincam com a pobreza de outro país, que está passando por essa situação…”, reforça Papoula.

A ativista Socorro Papoula, da coordenação da Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA). (Arquivo Pessoal)

Desumanização

A socióloga e doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia Liliane Oliveira também falou à CENARIUM que as frases de Arthur do Val são “sexistas”, além de revelar um “machismo estrutural”. “Suas declarações desumanizam as mulheres seja em qualquer situação que elas estejam, no caso das ucranianas, numa situação de refugiadas”, enfatiza a socióloga.

Questionada se esse tipo de comportamento sexualiza mulheres, Oliveira pontuou que a “questão é ampla, pois está perpassada por fatores históricos, sociais e religiosos.” “Porém, eu diria que a fala do deputado nos áudios aponta para um padrão de corpo, nesse caso o da mulher europeia: alta, branca, loura, olhos verdes/azuis, se comparado com as mulheres brasileiras, que em seu áudio as menospreza por não serem esse padrão”, complementa ela.

A doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia Liliane Oliveira (Arquivo Pessoal)

Repercussão

A advogada, conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e coordenadora da Região Norte da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ), Maria Gláucia Barbosa Soares, lembrou que não são poucos os episódios que atingem as mulheres em estado de vulnerabilidade e atentam contra seus direitos humanos.

Ela analisa ainda que há um movimento mundial forte para romper com a cultura secular do patriarcado, com ideias arraigadas nas sociedades que impiedosamente objetificam as mulheres e são frutos de uma mentalidade ultrapassada, que impacta de modo cruel na sua dignidade e direitos humanos. “A sociedade reage a esses fatos e repercute, isso é propositivo, um avanço coletivo nas pautas de defesa dos direitos femininos”, esclarece.

A advogada, conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e coordenadora da Região Norte da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ), Maria Gláucia Barbosa Soares. (Arquivo Pessoal)

Consequências

A advogada ainda assinalou que há mecanismos legais para apurar o comportamento do deputado estadual, se o mesmo vir a ser alvo de denúncias. Se o parlamentar for cassado por quebra de decoro, ele perde o direito de se eleger pelos próximos oito anos.

“Há mecanismos legais para apurar o comportamento do parlamentar por suposta quebra de decoro, quando inadequados com os padrões exigidos, por meio das denúncias analisadas preliminarmente pela Corregedoria Parlamentar, antes da Mesa Diretora, e se tornarem representações, pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar”, explica Maria Gláucia Barbosa Soares.

Mas, caso não haja nenhuma denúncia ou ação contra Arthur do Val, a advogada lembra que ficará o julgamento e, até mesmo, a perda de eleitores, o que poderá prejudicá-lo em uma possível candidatura a algum cargo eletivo.

“Se essa situação não for concretizada, o mais temido julgamento para as pessoas públicas, como os políticos, é o do eleitor que poderá não mais legitimá-lo nas urnas, não o elegendo nas próximas eleições, pelo avanço da consciência coletiva que não admite desrespeito aos direitos humanos, principalmente das mulheres”, conclui ela.

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