Representatividade não é enfeite de festa, é ato de Justiça
Por: Tito Menezes
18 de novembro de 2025Apesar dos discursos sobre diversidade, a escola segue sendo um dos espaços onde o racismo estrutural se manifesta, de forma sutil, porém constante. Ele aparece em decisões aparentemente neutras, como a escolha de um aluno não indígena para representar o pajé em uma apresentação junina, mesmo havendo um estudante Sateré-Mawé presente. A escolha, feita por uma professora branca e loira, revela como atitudes cotidianas carregam marcas profundas de exclusão.
Quando a escola nega o protagonismo indígena em papéis que representam a sua própria cultura, ela reforça uma lógica histórica de apagamento. O racismo se esconde atrás de justificativas como “melhor desempenho” ou “melhor aparência”. Mas essas escolhas silenciam identidades e perpetuam desigualdades.
A escola é um espaço de formação e também de disputa simbólica. Paulo Freire nos lembra que não existe educação neutra: toda prática pedagógica ou colabora com a manutenção da ordem injusta ou se compromete com a transformação social. Ensinar, portanto, é sempre um ato político.
Felizmente, há também exemplos que apontam para o caminho da mudança. A Escola Municipal Mércia Coimbra, em Parintins, demonstrou sensibilidade e compromisso com a representatividade ao valorizar a presença indígena em sua festa junina. Um aluno Sateré-Mawé foi escolhido para representar o pajé na apresentação, reafirmando o lugar de protagonismo que lhe é de direito. Essa é a escola que queremos: uma escola que reconhece, respeita e celebra as identidades indígenas como parte viva do processo educativo.
Esse racismo estrutural não se limita à educação infantil ou básica. Ele segue até o ensino superior. Lembro de um professor do curso de História da UEA que, ao invés de incentivar, disse friamente: “No exame da OAB não há cotas”. Passei de primeira. Depois que publiquei minha aprovação, nunca mais ouvi uma palavra dele. Esse silêncio também fala – e muito. Ele revela o incômodo diante da presença e do sucesso indígena em espaços antes negados a nós.
A naturalização desse tipo de exclusão mostra que falar de diversidade nos murais da escola não basta. É preciso coerência entre discurso e prática. O aluno Sateré-Mawé é o pajé, é o saber, é a ancestralidade viva. Quando esse lugar lhe é negado, nega-se também a história e o direito à representação cultural verdadeira.
Educação antirracista exige escuta, reparação e coragem. Significa rever critérios de escolha, incluir autores e saberes indígenas no currículo, garantir espaços de fala e visibilidade. Não basta falar em inclusão, é preciso praticá-la todos os dias, nas pequenas e grandes decisões.
Escolher não enfrentar o racismo é já tomar uma posição a favor da sua continuidade. A escola que silencia ou omite identidades contribui para a exclusão histórica. Representatividade não é enfeite de festa: é ato de justiça.
Como disse Paulo Freire:
❝A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.❞
E é por meio de pessoas conscientes e corajosas que transformaremos também a escola.