Réquiem para Márcio Souza, por Tenório Telles
12 de agosto de 2024

A manhã cinzenta
e silenciosa emudeceu
os pássaros não cantaram
o sol fechou os olhos
em deferência ao senhor
da memória da terra:
dos refolhos do tempo
ouvem-se os cantos dos silenciados
dos mortos sem sepultura
dos heróis anônimos dos beiradões:
dos que lutaram pela terra
dos que lutaram pela fé
dos que lutaram pelos seus deuses
dos que lutaram por suas histórias
milenares – por seus amores martirizados
onde o canto guerreiro de Ajuricaba:
quem celebrará seu amor por Inhambu
quem cantará o canto de sua gente
quem lembrará sua causa
e seu amor pela liberdade
quem tecerá a poranduba
perdida dos povos esquecidos:
tarumãs, passés, Manaus
todas as gentes desterradas –
órfãs da grande utopia ameríndia
do sonho de Buopé
do sonho de Conory
do sonho de Maruaga
do sonho da grande rainha
Amurians e suas mulheres guerreiras
de dentro da noite da memória
Yeba Buró entoa um canto triste
lamentoso pela partida
daquele que deu voz aos mortos
e proscritos da pátria das águas
dos martirizados da floresta
a grande senhora do céu
a grande avó do tempo
a grande criadora do mundo
Yeba Buró celebra este filho
da terra – senhor da palavra
e da memória – que feito pássaro
partiu para a terra sem males.