‘Residencial Manauara’: gestão trocou lista e parentes fraudaram dados

O prefeito de Manaus e familiares da filha dele, Fernanda Aryel: suspeitas na entrega de casas populares (Arte: Catarine Hak/Cenarium)
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Alvo de novo escândalo da administração do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), a relação de candidatos aptos a receber casas populares na segunda etapa do Residencial Manauara, na zona Norte da cidade, foi trocada na gestão de Almeida, às vésperas do sorteio da Caixa Econômica, segundo documentos obtidos pela REVISTA CENARIUM. O residencial foi inaugurado no último dia 18, pelo presidente Jair Bolsonaro, e os beneficiados passaram por sorteio da Caixa após triagem da prefeitura.

Registros mostram ainda que, dois meses antes de integrar a seleção da Caixa, a tia e a prima da filha do prefeito, Fernanda Aryel, fizeram cadastro no Número de Identificação Social (NIS) – registro nacional interligado ao banco – computando renda diferente do que elas recebiam, à época. A informação de dados falsos caracteriza crime de fraude, previsto no artigo 171, do Código Penal, e é agravado quando envolve órgãos públicos.

As ilegalidades na seleção de beneficiados do Residencial Manauara vieram à tona após publicação da matéria da CENARIUM, no último dia 18. Além de parentes de David Almeida, receberam casas também servidores do gabinete dele e empresários. O caso ganhou repercussão nacional no mesmo dia, no Jornal da Cultura, da TV Cultura Brasil, e depois no Jornal Nacional, da Rede Globo, no dia 19. Hoje, o Ministério Público Federal (MPF) apura o caso.

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Do ‘fake’ à culpa

Quando recebeu a notícia sobre as revelações de beneficiados do Residencial Manauara, seis meses após o escândalo dos “Fura-Filas da vacinação da Covid”, o prefeito David Almeida passou por três momentos, informaram políticos aliados dele à CENARIUM.

Inicialmente, ele atacou o material jornalístico e o classificou de “fake news”; depois, o prefeito atribuiu a denúncia a adversários políticos; e, no terceiro momento, ele associou a lista de beneficiados do Residencial Manauara à gestão anterior, na Prefeitura de Manaus.

Sobre a última tentativa de isenção da responsabilidade, o prefeito enviou nota à imprensa, explicando, entre outras justificativas, que “O processo de seleção dos candidatos à moradia de interesse social da Prefeitura de Manaus foi iniciado no final de 2020, seguindo os critérios da portaria federal n° 163/2016, que instituiu o Sistema Nacional de Cadastro Habitacional (SNCH) no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), substituído atualmente pelo Casa Verde Amarela”.

Nota da Prefeitura de Manaus

Duas relações

A reportagem teve acesso à primeira relação de cadastrados aptos para o programa Residencial Manauara, segunda etapa, e constatou que o processo foi iniciado e, também, finalizado em 2020, com levantamentos sociais realizados por agentes públicos junto às famílias de baixa renda.

Na primeira semana de julho deste ano, a Prefeitura de Manaus alterou a lista de famílias que atendiam aos critérios da Caixa Econômica no levantamento do ano passado e mandou nova relação para o banco fazer o sorteio, via Secretaria Municipal de Assistência Social (Semasc).

Na nova lista de 2021, estavam servidores comissionados de David Almeida, familiares da filha dele e beneficiados com empresas de capitais sociais de R$ 100 mil. Os apartamentos eram destinados a famílias com renda de até R$ 2 mil, Pessoas com Deficiência (PcDs) e que vivem em áreas de risco.

Cadastro e fraude

Dois meses antes de a Caixa Econômica receber a nova relação da Prefeitura de Manaus de aptos a receberem imóveis no Residencial Manauara, na gestão de David Almeida, Suellen Fernandes Rodrigues, e a filha dela, Dayane Sabrina Rodrigues de Oliveira, tia e prima da filha do prefeito, Fernanda Aryel Almeida, se cadastraram no programa Casa Verde e Amarela.

Nomeada no dia 31 de março de 2021, pelo próprio prefeito e pai de sua sobrinha, para a função de DAS-1, que equivale a um salário de R$ 4 mil, Suellen Fernandes informou, no dia 12 de maio do mesmo ano de sua contratação, ao órgão federal, que sua renda familiar per capta era de até R$ 178. Para justificar essa informação, Suellen precisaria sustentar pelo menos 22 pessoas, sozinha.

Da esquerda para direita: Suellen Rodrigues (preto) em foto nas redes sociais (Instagram)

NIS de Suellen Rodrigues

Nomeação de Suellen Rodrigues

A filha dela, Dayane Rodrigues, foi nomeada, também, por David Almeida, na Prefeitura de Manaus, no dia 9 de março de 2021, na função de CAD-1, que representa uma remuneração mensal de R$ 2,5 mil.  Ao Ministério da Cidadania, Dayane registrou, na mesma data do cadastro da mãe, a faixa de renda familiar de R$ 178 a R$ 1.100.

Dayane Rodrigues (da direita para esquerda) foi correligionária do partido do prefeito de Manaus, o Avante (Instagram)

NIS de Dayane Rodrigues

Nomeação de Dayane Rodrigues

Segundo o Código Penal, pode ser classificado como crime a prática de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento (artigo 171)”.

A pena pode ser aumentada em até um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. O crime pode dar de um a cinco anos de prisão, além de multa.

Caixa se exime

Em nota à imprensa, a Caixa Econômica informou que o cadastro, indicação e seleção dos beneficiários é atribuição do Ente Público, que deve observar os critérios estabelecidos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), hoje Programa Casa Verde Amarela, e, neste caso, regulamentado pelas Portarias do Ministério das Cidades nº 163/2016 de 06/05/2016 e do Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR 2.081/2020 de 30/07/2020.

“Cabe destacar que o beneficiário assina declaração na qual informa a renda e se responsabiliza por posterior verificação inadequada. Também está previsto, em contrato, declaração de veracidade das informações prestadas, inclusive com relação à renda”, destaca o trecho da nota.

A reportagem tentou, mas não conseguiu contato com Suellen Fernandes Rodrigues e a filha dela, Dayane Sabrina Rodrigues de Oliveira, tia e prima da filha do prefeito, Fernanda Aryel.

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