Risco de ocupação no Dsei Vale do Javari mobiliza indígenas no Amazonas
Por: Bianca Diniz
02 de julho de 2025
MANAUS (AM) – O Distrito Sanitário Especial Indígena do Vale do Javari (Dsei-VAJ) informou à CENARIUM, nesta quarta-feira, 2, sobre a possibilidade de ocupação da sede do órgão, localizada no município de Atalaia do Norte (AM), distante 1.138 quilômetros de Manaus, prevista para ocorrer na madrugada desta quinta-feira, 3. O Distrito emitiu um despacho oficial, nessa segunda-feira, 30, assinado pelo coordenador distrital Adelson da Silva Saldanha, ao Ministério da Saúde (MS), que ressalta preocupação com os efeitos da ação nas atividades de saúde para sete etnias atendidas na região.
De acordo com o documento, a coordenação do (Dsei ressalta a possível ocupação por indígenas do povo Mayuruna, oriundos da região do Jaquirana, nas proximidades da nascente do Rio Javari, com movimentação prevista para “a qualquer momento”. “Destacamos que o (Dsei VAJ abrange mais que 8 milhões de hectares, sendo responsável por atender sete etnias distintas distribuídas em 74 aldeias”, alerta o despacho.
Conforme o documento, a missão do (Dsei-VAJ é “garantir o acesso à atenção básica em saúde em todo o território indígena”, com ações executadas de forma contínua, seguindo o cronograma planejado, que contempla:
- Retorno dos conselheiros distritais após a XXIV Reunião Ordinária do Conselho Distrital de Saúde Indígena, realizada de 24 a 27 de junho em Atalaia do Norte (AM);
- Troca das equipes multiprofissionais nas microáreas de Maronal, São Sebastião, Nova Esperança, Nuntewa, São Luís, Lago Grande, Acampamento Coari, Tawaya, Massapê e Remansinho;
- Continuidade da construção da UBSI Korubo na aldeia Mãe Xeni;
- Entrada das equipes do SESANI para implantação de Sistemas de Abastecimento de Água (SAB) nas comunidades Lago Grande, Terrinha, Nuntewa, Pedro Lopes, São Salvador, Volta Grande, Soles e São Meireles;
- Construção de UBSIs nas comunidades Soles e Txeche Wassa;
- Envio de pacientes de alta médica da CASAI Atalaia do Norte e Casa de Apoio de Tabatinga;
- Ações de controle vetorial contra a malária nas regiões do Médio Javari e Médio Curuçá;
- Remoções de pacientes em situação de urgência e emergência.
Segundo o despacho encaminhado à pasta da administração federal, as ações estão sendo articuladas pelo prefeito do município, Denis Paiva (União Brasil), e incluem denúncias consideradas “infundadas”, além da mobilização para ocupação da sede.

Para a coordenação do distrito, a situação configura tentativa de fragilização da atuação do coordenador do Dsei-VAJ, Kora Kanamari, o que segundo eles, afetaria as operações de saúde no território indígena, devido ao fato que, os indígenas ligados à administração municipal estão “colocados na linha de frente para pressionar pela destituição do coordenador”.
O documento também reforça que a região, que abrange etnias como Mayuruna, Marubo, Matis e Kanamari, já enfrenta desafios, e que tais medidas podem “agravar a vulnerabilidade das comunidades indígenas, comprometendo o acesso a serviços essenciais”.

Entre os riscos decorrentes de uma eventual ocupação, o documento cita:
- Interrupção das atividades administrativas e operacionais do Dsei;
- Desabastecimento de medicamentos, insumos e combustível;
- Paralisação de atendimentos médicos, tratamentos e ações preventivas;
- Riscos agravados à saúde das populações indígenas, especialmente entre os grupos mais vulneráveis, como crianças, gestantes e idosos.
Em áudio atribuído a Jorge Marubo, divulgado em grupos indígenas e enviado à CENARIUM, o ex-coordenador do (Dsei-VAJ, detalha a experiência em ocupações anteriores contra órgãos federais e orienta que a destituição de um coordenador como Kora Kanamari exige “consenso” entre todas as etnias do Vale do Javari. Ele cita o caso do povo Matis, que afastou um gestor após comprovação de irregularidades, e critica a atuação do Conselho Distrital de Saúde Indígena, classificando-o como “parado” e omisso diante de denúncias.
Veja transcrição da versão traduzida do áudio:
“O Jorge está falando para os parentes Marubos: ‘Vocês parecem crianças. Aí eu tô rindo de vocês. Todos vocês não sabem de nada.’ E o que ele está dizendo é que ele tem experiência… Porque só uma etnia não consegue tirar o coordenador, porque para tirar o coordenador, tanto na Funai, na gestão, no Dsei, tem que ter acordo com todas as etnias do Vale do Javari. Ele cita que um exemplo é o povo Matis, que tirou um gestor após comprovação, porque tinham provas de irregularidades. Agora, os parentes querem tirar o Kora, mas há muitos problemas e provas também, que o Kora teria cometido irregularidades.
Ele critica o conselho, dizendo que está parado e, quando ativo, houve fraudes e licitação, e o conselho defendeu a gestão mesmo sabendo das irregularidades. Segundo ele, há muitas denúncias e provas das falhas da gestão do Kora.”
Kora Kanamari, coordenador do Dsei Vale do Javari desde abril de 2023, nega qualquer irregularidade na condução da gestão e afirma ser alvo de perseguição política. De acordo com documento enviado à CENARIUM pela comunicação do distrito, “a atual coordenação tem se empenhado em garantir e ampliar os serviços de saúde nas aldeias, mesmo diante das dificuldades impostas por disputas políticas locais”.
O MS, por meio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), informou que deve acompanhar o caso “em conjunto com o Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral da União, adotando as medidas institucionais cabíveis”. Ainda segundo o material, a pasta reforçou que, desde o início de 2025, “ampliou a presença de profissionais de saúde no território, com o suporte da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS)”.
Segundo o Dsei, o episódio “expõe a fragilidade da infraestrutura e da gestão dos serviços de saúde em uma das regiões mais sensíveis e remotas do País”, ressaltando que “conflitos de natureza política não devem comprometer o direito dos povos indígenas ao atendimento digno e contínuo”.