Rodovia da COP-30 coloca macaco-de-cheiro em risco, dizem ativistas
27 de setembro de 2024

BELÉM (PA) – Belém enfrenta um dilema ambiental com a construção de uma nova rodovia, parte dos preparativos para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que será realizada na capital do Pará em novembro de 2025. Ambientalistas alertam que o projeto, que envolve a duplicação da rua da Marinha, no bairro da Marambaia, colocará em risco o habitat do macaco-de-cheiro (Saimiri collinsi), uma espécie em declínio populacional e endêmica da região. Iniciada em 17 de setembro, a obra foi autorizada pelo governador Helder Barbalho (MDB), mas enfrenta forte oposição de Organizações Não Governamentais (ONGs) e moradores locais.

A ONG Guardiões e Amigos de Parques Ecológicos (Gape) aponta que a rodovia atravessará áreas verdes vitais para o equilíbrio ambiental de Belém. Flávio Trindade, coordenador do Gape, critica a falta de transparência e os danos ambientais que a obra pode causar. “Estamos falando de um ecossistema que atua como uma esponja natural, ajudando a controlar o microclima da cidade. A construção da rodovia representa uma tragédia ambiental em nome da COP-30”, afirma.
O governo já alterou o traçado original da rodovia, que inicialmente passaria pelo Parque Gunnar Vingren, após pressões dos ambientalistas. No entanto, a nova rota ainda impacta outra área ecológica importante, conhecida como Área da Marinha.
Além dos ambientalistas, a Associação de Moradores do Conjunto Médice (Amme) expressou preocupação com os impactos da obra, que eles alegam incluir a destruição de áreas verdes, poluição sonora e aumento da temperatura. O grupo pede o apoio da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) para proteger o Parque Ambiental da Marambaia.
A falta de acesso aos planos detalhados da obra também é criticada. Segundo Trindade, até o momento, as entidades não tiveram informações claras sobre os licenciamentos necessários para a duplicação da rua da Marinha. Ele questiona a legalidade da obra, que atravessa áreas protegidas pela Constituição Federal.
Impacto no habitat dos macacos-de-cheiro
À CENARIUM, o primatólogo Paulo Castro, chefe de ecologia do Centro Nacional de Primatas (Cenp), órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), destacou os impactos diretos no habitat dos macacos-de-cheiro.
“Sem dúvida o impacto direto é a redução da área de uso dos grupos que frequentam as bordas afetadas, talvez a diminuição dos recursos frutíferos, por conta da necessidade de supressão de alguns vegetais que ofereçam recursos aos primatas e a outros animais”, disse.

O médico veterinário complementa ao dizer que “haverá também a fragmentação da área total, com a via ao longo do canal, o que pode inviabilizar a circulação dos animais e risco de isolamento permanente de indivíduos e grupos, o que afetaria a população local da espécie pela impossibilidade do fluxo genético. Espera-se que sejam contempladas algumas passagens de fauna aérea no projeto, para minimizar esses riscos de isolamento e impedir acidentes de atropelamentos, que também podem impactar as populações”.

Paulo explica que a espécie Saimiri collinsi está basicamente restrita ao Estado do Pará e observa que as populações nativas estão em declínio devido a várias ameaças, especialmente por habitarem em área conhecida como arco do desmatamento. Ele ressalta que, na Região Metropolitana de Belém (RMB), existem diversos locais onde a espécie se reproduz, frequentemente interagindo com as comunidades locais, que costumam alimentá-los, acreditando que estão ajudando ou protegendo os animais. No entanto, essa prática é bastante prejudicial, pois expõe os macacos a riscos de captura ilegal e de doenças zoonóticas, além de interferir em seu comportamento natural e criar uma dependência em relação aos recursos fornecidos pelos seres humanos.
Acordo
No dia 4 de setembro deste ano, a Marinha do Brasil e o Governo do Pará estabeleceram um compromisso para realizar as obras de duplicação da rua da Marinha, além de implementar uma nova via que conectará essa rua ao Estádio Mangueirão. O acordo inclui a transferência, pela União, de uma área de 255.259,29 m² ao Estado do Pará, com um valor estimado em R$ 74.421.581,77. As parcelas de terreno da União, mencionadas no acordo, estão sob a responsabilidade patrimonial do Comando do 4° Distrito Naval, onde está localizado o 2° Batalhão de Operações Ribeirinhas.

Em contrapartida às áreas da União cedidas pela Marinha, o Estado do Pará comprometeu-se a realizar obras de ampliação e fortalecimento estrutural nas instalações da Marinha do Brasil localizadas em Belém. Durante o período em que a posse das áreas da União estiver com o Estado do Pará, este será responsável por implementar as obras das contrapartidas especificadas no acordo, incluindo a obtenção das licenças e alvarás ambientais, entre outros documentos necessários.
A União, por sua vez, deverá formalizar a transferência definitiva e conceder a escritura das propriedades listadas no contrato apenas após o recebimento integral de todas as contrapartidas estabelecidas no acordo pelo Comando do 4º Distrito Naval.
A CENARIUM solicitou um posicionamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) sobre os possíveis impactos ambientais que a construção da rodovia pode causar no habitat dos macacos-de-cheiro. Até o momento não houve retorno.