Rondônia pode ter 50 mil búfalos até 2030 por avanço descontrolado, diz MPF


Por: Bianca Diniz

24 de fevereiro de 2025
Rondônia pode ter 50 mil búfalos até 2030 por avanço descontrolado, diz MPF
Número de búfalos na Reserva Biológica do Guaporé pode chegar a 50 mil em 2030 (Reprodução/Associação Brasileira de Criadores de Búfalo)

MANAUS (AM) – O número de búfalos na Reserva Biológica do Guaporé, em Rondônia, pode chegar a 50 mil em 2030 por conta do avanço descontrolado dos animais. É o que aponta a Ação Civil Pública (ACP nº 1000556-59.2025.4.01.4101) do Ministério Público Federal (MPF), ingressada no último dia 31 de janeiro contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Estado de Rondônia.

A ação denuncia a omissão na contenção dos animais que atualmente somam 5 mil , além dos impactos ambientais da espécie exótica, e dos riscos sanitários e econômicos. O documento, assinado pelo procurador da República Gabriel de Amorim Silva Ferreira, tem o valor estimado em R$ 20 milhões.

Rebanho de búfalos na Reserva Biológica do Guaporé (Reprodução/Governo de Rondônia)

De acordo com o MPF, o problema começou em 1953, quando 36 búfalos foram levados para a Fazenda Pau D’Óleo, localizada, na época, no Território Federal do Guaporé, por meio de um projeto de uma fazenda experimental de búfalos do governo, que tinha como objetivo fomentar a pecuária na região. Logo em seguida, a propriedade foi abandonada e os animais se reproduziram livremente e sem controle no local. Atualmente, a área está sob a responsabilidade do Estado de Rondônia.

A ação destaca que os búfalos ocupam 12% da Reserva Biológica do Guaporé e que a presença deles tem acelerado processos de degradação ambiental, como danos ao solo, processos de desertificação e desvio de cursos hídricos, com redução drástica de 48% da superfície da água nos últimos 34 anos por conta da ocupação dos búfalos na área de transição ecológica, além da pressão causada pela disputa por água com o cervo-do-pantanal espécie ameaçada de extinção.

A situação também impacta a economia do Estado, segundo o órgão. “Dessa forma, sua existência descontrolada pode até manchar a credibilidade da cadeia da pecuária de Rondônia, prejudicando gravemente a economia local”, justifica.

A proliferação descontrolada dos búfalos pode afetar a economia de Rondônia. Como os animais não são vacinados nem monitorados, existe o risco de as doenças se espalharem para o rebanho comercial. O MPF ressalta que o Estado tem papel importante na exportação de carne bovina, e qualquer suspeita de contaminação pode gerar restrições comerciais. “São animais não vacinados e sem qualquer controle por autoridade sanitária”, alerta.

Falhas

O MPF argumenta que as autoridades tiveram tempo suficiente para agir, com base em inquéritos civis, relatórios técnicos e reuniões que foram realizadas desde 2008, mas sem qualquer aplicação de solução. A ação menciona o Procedimento de Acompanhamento (1.31.001.000199.2018-71) e o Inquérito Civil (1.31.000.000325/2009-15), que registram a preocupação com a degradação ambiental causada pelos búfalos. “O problema foi identificado há mais de uma década, mas o poder público falhou em implementar medidas concretas”, destaca.

Diante da falta de respostas concretas, o MPF exige que a Justiça Federal determine a implementação de um “Plano de Erradicação e Controle dos Búfalos e um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas”. Para o órgão, a omissão do ICMBio e do Estado de Rondônia fere o artigo 225 da Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de garantir a proteção do meio ambiente e evitar a extinção de espécies nativas.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, diz o documento.

A ação detalha que a gerência regional do ICMBio Norte-GR1 chegou a discutir um plano de erradicação da espécie, na sede da autarquia em Brasília (DF), entre os dias 25 e 29 de setembro de 2023, incluindo o aproveitamento de carcaças de búfalos após abate controlado dos animais. Foi acordado que a equipe da ‘REBio Guaporé’ deveria encaminhar um projeto, via sistema próprio (Sisbio), com o objetivo de testar métodos de abate com o uso de armamentos e análises do tempo de decomposição da carne e interação com demais espécies durante este processo.

No dia 7 de agosto de 2024, o MPF realizou uma visita à região da Reserva Biológica Guaporé, acompanhado de um servidor do ICMBio, o que gerou a constatação de que o Plano de Erradicação e Controle de Espécies Exóticas Invasoras, previsto para ser submetido à autorização no primeiro semestre de 2024, não havia sido elaborado.

Anexo da área delimitada para estudo (Reprodução/MPF)

No documento, o órgão aponta que uma dissertação de mestrado acadêmico embasa o processo com dados e evidências. A obra de Ciências Ambientais, intitulada “Búfalos ferais na Rebio Guaporé e adjacências: área ocupada, levantamento populacional e impactos ambientais”, foi produzida por uma analista ambiental do ICMBio e coordenadora do Núcleo de Gestão Integrada Cautário-Guaporé, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMAMC).

O estudo, publicado pela Universidade Federal de Rondônia em 2021, mostra as consequências da introdução dos búfalos, que são espécies exóticas invasoras na área de reserva biológica. A autora delimitou a área de estudo em cerca de 300.000 hectares, por conta das extensas planícies e florestas alagadas durante toda a estação chuvosa, o que favorece a sobrevivência e reprodução de búfalos que dependem de pastagem.

Conclusão

O estudo descrito pelo MPF foi também publicado como artigo “Invasive Bubalus bubalis may reduce by half the flooded area in a western Amazonian Ramsar site”, de autoria de Lidiane Silva e outros especialistas. A conclusão destaca: “percebe-se que é absolutamente inadiável a adoção de medidas para o controle e erradicação de búfalos no entorno e na área da Reserva Biológica do Guaporé”.

“A fazenda não obteve os resultados esperados, e com o passar dos anos acabou por ser abandonada pelo Estado. Sem a devida supervisão, os búfalos reproduziram-se sem controle, e com o passar dos anos foram ocupando áreas adjacentes à fazenda, bem como a área hoje pertencente a Reserva Biológica do Guaporé (RONDÔNIA, 1997; NPC, 2001; SOARES et al., 2001, apud BISAGGIO, 2011). Segundo administradores da Reserva, desde então os búfalos se tornaram ferais e a presença deles se tornou uma ameaça às populações, comunidades e ecossistemas naturais” (SILVA et al, 2024) – trecho do artigo.

A ação agora aguarda análise da Justiça Federal da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Ji-Paraná. O processo tem valor de R$ 20 milhões, quantia que reflete a dimensão dos danos ambientais já causados. Enquanto isso, a população de búfalos continua a crescer, ampliando os desafios para a preservação da Amazônia e para a estabilidade econômica de Rondônia.

O MPF considera que a atuação do ICMBio tem sido insuficiente para conter os impactos ambientais causados pela proliferação descontrolada dos animais. “Nesse contexto, a atuação do ICMBio, apesar de estar caminhando no sentido correto, é deveras morosa considerando a gravidade do problema, o qual precisa ser solucionado o mais rápido possível”.

Responsabilidade do Estado

A ação civil pública ressalta que o Estado de Rondônia em razão de sua condição de causador do dano é o principal réu. “Notadamente porque é o dono, gestor e administrador da Fazenda Pau D’Óleo, local de introdução dos búfalos e de onde fugiram para ocupar as áreas da unidade de conservação federal vizinhas”, conclui.

Além das medidas de recuperação ambiental, o MPF requer que a Justiça condene os réus ao pagamento de R$ 20 milhões por dano moral coletivo. O montante, segundo o órgão, deve ser destinado a ações de conservação e recuperação da área afetada.

A ação também ressalta que a degradação ambiental na Reserva Biológica do Guaporé não se restringe aos impactos sobre a fauna e flora locais, mas pode comprometer a imagem do Brasil em relação a compromissos internacionais de preservação ambiental. O MPF argumenta ainda que a ausência de controle sobre os búfalos representa um risco à economia do estado, especialmente devido à possibilidade de restrições comerciais ligadas à sanidade do rebanho bovino de Rondônia. O processo tramita na 2ª Vara Federal Cível e Criminal da Justiça Federal em Ji-Paraná, aguardando análise.

Leia mais: MP pede dissolução de associações por crimes ambientais em Rondônia
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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