Ruth Venceremos: drag queen negra pré-candidata a deputada federal na capital do Brasil

Ruth Venceremos, umas das líderes do coletivo Distrito Drag, fala sobre a sua origem no MST até chegar à pré-candidatura ao parlamento federal (Hugo Barreto/Metrópoles)
Com informações do Portal Alma Preta

BRASÍLIA – A figura negra, bem maquiada, colorida e elegante que atravessa os corredores da Câmara dos Deputados é Ruth Venceremos, a drag queen que está “ousando ser” pré-candidata a deputada federal na capital do País. Além de ser uma militante pelas causas da comunidade LGBTQIA+, Ruth faz parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desde os 13 anos. De acordo com ela, o fato de ser candidata é apenas mais uma etapa de uma vida inteira de lutas. 

Enquanto participava do ato da Coalizão Negra por Direitos, quando protocolaram, no STF, a petição contra o genocídio da população negra, na véspera do 13 de maio, ela conversou com a Alma Preta Jornalismo. Ruth compartilhou que tem como principal referência, no parlamento, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) que, segundo ela, é uma das “maiores figuras políticas que luta pelo povo negro, pela democracia e pelos mais pobres”. Caso ela venha a ser eleita, afirma que o enfrentamento ao racismo será uma das principais pautas, além de fazer o debate sobre respeito à diversidade, reforma agrária, alimentação saudável e à defesa da cultura.

“A drag já é um papel político, pois se montar e sair pela rua, sobretudo, quando se é uma ‘bicha preta’, que transita em Brasília, é desafiador e afrontoso. Brasília, ao mesmo tempo que tenta nos abraçar, nos acolher, nos expulsa. A cidade expulsa esses corpos que são periféricos, dissidentes e negros”, reitera a artista.

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ERIVANRUTH
Erivan Hilário, que dá vida à Ruth Venceremos, é precursor do movimento LGBTQIA+ dentro do MST (André Gagliardo)

Luta pela terra e pela orientação sexual

O rapaz nordestino, que dá voz à Ruth, é Erivan Hilário, de 38 anos. Nascido em Pernambuco, ele enfrentou tanto o racismo quanto o preconceito de ser LGBTQIA+ desde muito cedo. Segundo Ruth, aos 10 anos, o menino precisou começar a trabalhar para poder colocar comida na mesa e ajudar em casa. 

“Eu ganhei consciência de classe e de raça quando, infelizmente, precisei fazer trabalhos domésticos para poder sobreviver. Então, percebi que a maioria das pessoas ao meu redor não tinham quase nada”, lembrou a pré-candidata.

Com uma família grande, os 11 irmãos e a mãe foram “mais uma vítima da fome, dentre tantas outras famílias negras desse País”. Quando ele tinha 13 anos, mudaram-se para um dos acampamentos do MST, na região de Santa Maria da Boa Vista (PE). Lá também iniciou a militância LGBTQIA+ junto aos colegas que vivenciavam o preconceito por sua orientação sexual dentro do movimento. 

Foi em uma das escolas do assentamento que Ruth concluiu o ensino fundamental. Ela afirma que, à época, as pessoas, para tratá-la de uma forma pejorativa, a chamavam de Vera Verão, uma personagem de televisão vivida pelo ator Jorge Lafond .

“Mesmo que os meus detratores me chamassem assim, para me diminuir, eu me reconhecia na Vera Verão, com essa potência de ser quem se é, de ser uma ‘bicha preta’ que afronta os padrões e as normas que tentam nos impor”, reconhece. 

No final da década de 1990 e início dos anos 2000, surgiram as primeiras ações da comunidade LGBTQIA+, dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mas apenas em 2018 fundou-se o coletivo LGBT Sem-Terra, do qual ela é uma das fundadoras.

A arte e a política

A personagem Ruth Venceremos surgiu com um bloco de carnaval chamado Bloco das Montadas, que em 2020 contou com mais de 60 mil pessoas. Com o sucesso, também foi criado o coletivo Distrito Drag, que forma artistas e dá suporte profissional e político. “Fui atuar, realmente, na arte drag, como um processo de reencontro com a criança preta, LGBT que eu fui”.

“Eu alinhei a minha luta de combate às opressões com a dimensão da arte. Vi na arte drag uma oportunidade de debater temas como o racismo, a LGBTfobia e as questões dos direitos humanos. Isso são coisas que o Erivan desmontado talvez não tenha a mesma potência, embora possa ter o mesmo conhecimento e os mesmos ideais”, afirma.

Ruth é pedagoga e formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A luta por representatividade, enquanto pré-candidata, vem do anseio de uma população marginalizada e desumanizada.

“Pensar que a gente pode ter, no parlamento, pela primeira vez na história, uma drag queen deputada federal, só me faz ter a certeza que o nosso mandato precisa refletir os anseios de quem vem comigo: o povo negro, LGBTQIA+, os Sem Terra; todas as pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade”, ressalta.

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