Saudade e esperança marcam sentimentos do segundo ano sem Festival de Parintins no Amazonas

O "Bumbódromo", palco do Festival Folclórico de Parintins (Reprodução/Fapeam)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Nesta sexta-feira, 25, seria o início da celebração de uma das maiores manifestações culturais do Brasil e do mundo. O Festival Folclórico de Parintins (distante cerca de 369 quilômetros da capital amazonense), que ocorre tradicionalmente no último final de semana de junho, não vai receber, pelo segundo ano consecutivo, o calor e a paixão da galera vermelha e branca e nem mesmo a energia da nação azulada. No entanto, mesmo com o adiamento do evento, a cidade está movimenta de turistas.

Neste ano, não vai ter novamente a vibração nas arquibancadas do bumbódromo durante as apresentações disputadas de Garantido e Caprichoso na arena. Mas o prefeito da cidade, Bi Garcia, afirmou que a procura por hotéis e pousadas no município teve um saldo positivo. Os hotéis estão com quase 100% de ocupação e as pousadas, 70%. “Mesmo sem festa, as pessoas estão vindo para passear e passar férias”, disse Garcia.

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Mesmo com a tímida retomada de visitantes, é certo de que as ruas de Parintins não terão uma multidão de turistas empolgados matando a saudade da ilha, com a clássica garrafinha de água mineral, um enfeite bonito na cabeça e, no corpo, uma camisa ostentando com orgulho as cores do boi-bumbá preferido. Também não terão filas quilométricas ao redor do bumbódromo para garantir o melhor lugar durante o espetáculo.

A movimentação no Mercado Municipal, para um café da manhã com tapioca e tucumã, será um pouco mais tímida e a pausa para almoçar um peixe assado em frente ao imponente rio Amazonas será mais tranquila, sem a disputa pelas melhores mesas nos bares mais conhecidos da cidade, o Coroas e o Comunas – aqueles que ficam nas calçadas onde você ver o povo passar conversando coisas aleatórias e ouvindo toadas, enquanto pega um vento bom no rosto na sombra das velhas árvores.

Esperança

Apesar de toda a saudade e mudança brusca imposta pela pandemia que vitimou, inclusive, nomes consagrados do Festival como o artista Júnior de Souza, Paulinho Faria e tantos outros que contribuíram para o festejo, o parintinense carrega, além da saudade dos que se foram, uma característica que nem mesmo a pandemia conseguiu levar e não é a famosa “pavulagem”, mas a esperança.

“O parintinense acompanha tudo com olhos de esperança. Não é um clima de tristeza e nem de euforia, mas de esperança”, comenta o parintinense, compositor e jornalista Mencius Melo, que está na Ilha Tupinabarana e observa de perto a tentativa dos moradores de retomar aos poucos a rotina, seguindo as normas restritivas estabelecidas em função da pandemia.

O povo sonhador, aguerrido e que dá formas e cores às lendas e rituais admirados pelo mundo todo não sucumbe e mantém de pé a esperança de “bons ventos”. Neste ano, a crença por dias melhores abre espaço no sentimento de tristeza que assolou os brincantes e artistas.

“Aqui o povo tem por costume obedecer os códigos sociais como, por exemplo, o toque de recolher onde os moradores já estão em casa e não têm mais movimentação nas ruas a partir das 22 horas. Obviamente os que arriscaram vir à ilha nesta época do ano estranharam em não ver a Parintins que se vê como no anos anteriores, mas sabemos que é temporário e para nosso bem”, comenta Mencius.

Saudade

Se a saudade bate forte para aqueles que vão à ilha todos os anos, para Daniele Monteverde, nascida e criada na Baixa do São José, reduto tradicionalmente vermelho e branco, berço do Boi Garantido, a saudade triplica. A neta de Lindolfo Monteverde, criador do boi de coração na testa, hoje já não mora mais em Parintins e se une aos amigos, familiares e torcedores que moram em Manaus, quando o assunto é despertar boas lembranças de tempos sem crise.

“Sempre tive liberdade de ir e vir para minha ilha, minha casa, e nos últimos dois anos não têm sido assim. Neste momento em que vivemos cabe a nós respeitarmos a fase que estamos passando. Mas quando paro para pensar que em outra circunstância estaria chegando na ilha e, já de longe vendo a cidade enfeitada, dá um aperto no peito, sei que a cidade aos poucos está retomando a rotina, mas que bom era ver a galera ensaiando de perto, nos palcos, nos currais, isso é insubstituível”, relembra Monteverde.

Daniele Monteverde ao lado do boi Garantido, em Parintins (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Ferramenta de fuga

Atualmente, para enganar a saudade e manter a conexão com os amigos e familiares da ilha, Daniele Monterverde, que já foi da Companhia de Dança Folclórica Garantido Show, grava vídeos relembrando coreografias de toadas do boi.

“Por hora, para amenizar a saudade e me sentir mais perto, gravo vídeos e postos nas redes sociais relembrando meus tempos na dança, isso deixa meu coração mais alegre e me relembra momentos felizes. Também recorro às lives. Aqui em casa vestimos nossas camisas encarnadas e torcemos esperando por dias melhores e um bumbódromo novamente lotado, gente feliz, alegre, cantando e com saúde”, ressalta.

Lives

Em tempos de pandemia, as lives foram uma das principais ferramentas para “encurtar” a distância e o longo período sem a realização dos eventos oficiais bovinos. Na noite deste sábado, 26, não será diferente. Uma live será realizada para transmitir o Festival Folclórico de Parintins 2021.

Além de uma forma de matar a saudade, as lives também servem como auxílio-financeiro para artistas locais, uns dos que mais sentiram e sentem as consequências em relação ao trabalho durante a pandemia.

A não presença do público no local de evento por conta da pandemia da Covid-19 não impediu que trabalhadores de ambos os bois se empenhassem na confecção dos módulos alegóricos, fantasias, adereços e coreografias para uma grande apresentação no Bumbódromo. Assim está sendo para a torcedora e jornalista Geisiane Nunes. Torcedora assídua do Boi Caprichoso, ela acompanha de perto o movimentação na ilha e as alegorias alojadas quase em frente à casa onde mora em Parintins.

A torcedora assídua do Boi Caprichoso, a jornalista Geisiane Nunes (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Mesmo que seja só uma live, esses eventos reforçam esperança de que aos poucos vamos retomando o controle da situação. É bom ver os artistas na ativa ganhando um dinheiro extra, mais motivados. É óbvio que a cidade não tem ainda o mesmo fluxo de pessoas e de amigos queridos que sempre vem à ilha. Todos ficamos profundamente tristes com o período que vivemos, mas somos conscientes de que é necessário neste momento sermos mais comedidos. E creio que ano que vem será um lindo festival, com todos brincando, cantando e matando a saudade dessa linda tradição que é nosso festival”, finaliza a torcedora.

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