‘Saúde na Amazônia é urgente’, diz médica de região da Amazônia Legal; pandemia de Covid-19 é o maior desafio

A médica sanitarista, Valdonora Andrade, afirma que a pandemia de Covid-19 é a pior doença que já enfrentou ao longo de 40 anos de medicina (Tarso Sarraf / Especial para a Revista Cenarium)

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – A história da médica sanitarista Valdenora Figueiredo de Andrade, de 65 anos, é inspiradora. Há 32 anos ela percorre os rios do Arquipélago da Ilha de Marajó, no Pará, para atender comunidades ribeirinhas isoladas e, em muitas vezes, sem assistência de saúde pública. Durante a sua trajetória profissional, Valdenora, cuidou de pacientes com diferentes enfermidades como, H1N1, cólera, sarampo, diarreia, entre outras. Mas, segundo ela, o problema de saúde mais grave enfrentado, ao longo de sua carreira, até o momento, é a pandemia do novo Coronavírus.

De acordo com a médica sanitarista, todos os 16 municípios da Ilha de Marajó registraram casos da doença. Outro desafio apontado por Valdenora, além da Covid-19, é superar as dificuldades logísticas e geográficas, problemas sociais crônicos e históricos e a falta de acesso a um atendimento de saúde de qualidade para essas comunidades, muitas inclusive, em vulnerabilidades e esquecidas pelo poder público. 

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“De toda a minha experiência percorrendo as comunidades ribeirinhas do Marajó, já enfrentei doenças difíceis como, a cólera, por exemplo. Em 1990, passei oito dias no município de Bagre, sozinha e praticamente sem dormir, atendendo a população no combate à doença. Foi um momento difícil, na época, pois só tinha eu de médica, não tinha enfermeiro, nada”, aponta Valdenora. 

Questionada sobre os maiores desafios de saúde pública enfrentados na região Amazônica, Valdenora é enfática sobre a pandemia de Covid-19.

“A pandemia de Covid-19, sem dúvida, é o maior problema de saúde pública que o Brasil já enfrentou. Pelo menos, na região Amazônica, é. Aliás, implantar saúde na Amazônia é urgente. Nossa maior dificuldade é fazer a transferência de pacientes para a capital, porque, muitas vezes, não tem leito. E, quando tem, o perfil do paciente é outro. A Covid-19 é uma doença que está deixando sequelas, principalmente o distúrbio de ansiedade coletiva”, explicou a médica. 

Quando indagada se não tinha medo de ser infectada pelo Coronavírus, a médica afirma. “Medo todos nós temos. Essa doença é traiçoeira. Mas, escolhi ser médica e esse é meu papel, ajudar os que precisam, para juntos derrotarmos essa pandemia. Eu poderia está brincando com meus netos. Mas estou salvando vidas”, salientou.

Segundo Valdenora, outro desafio da Amazônia é a distância entre os municípios. “São 12 horas de viagem de barco de Anajás para Breves. De voadeira, de 4 a 6 horas. Ou, então, pedem avião para ir para Belém. É igual Gurupá, que também é distante. Com as voadeiras, diminui o tempo. Mas as dificuldades são muitas e dependendo do caso, não é possível transportar o paciente na voadeira”, afirmou.

A médica lembrou ainda sobre as dificuldades para realizar seu trabalho nas comunidades no arquipélago de Marajó. “Sobre as condições de embarcação naquela época: não tinha voadeiras (embarcações mais velozes). Era barco grande que levava de 12 a 18 horas de viagem, atravessando baía e tudo. Muita dificuldade de locomoção. Mas, mesmo assim, quando chegava no período de campanha, de vacina, a gente viajava para o interior nos barquinhos. Muitas vezes, tinha que descer do barco e ir por terra, pelo meio do mato, para fazer a vacinação nas comunidades mais distantes. As dificuldades sempre são as mesmas: transporte”, lamentou.

Valdenora revelou também que o município de Melgaço, até hoje, não tem UTI. “É um hospital de pequeno porte que ainda não foi ampliado, mesmo passado 10 anos, não tem UTI. Isso tem que ser revisto nas políticas públicas: essa situação dos municípios que têm hospitais de pequeno porte”, pontuou.

As dificuldades logísticas e geográficas estão entre os principais desafios de se levar saúde às comunidades ribeirinhas da Amazônia (Tarso Sarraf / Especial para a Revista Cenarium)

Começo de tudo

Formada em 1980, em clínica médica, pela Universidade Federal do Pará. Desde criança Valdenora sabia a profissão que exerceria na vida adulta. O gosto pela medicina surgiu através do seu avô, sua maior inspiração. 

“Desde criança eu queria ser médica. Meu avô era atendente de enfermagem do Ministério da Saúde, no interior do Estado e, naquela época, não existia médico, dentista, ou nada. Como sempre passava as férias na casa dele, via ele auxiliando as pessoas que buscavam atendimento para fazer curativos, consultas, extrair dente ou qualquer assistência em geral. Meu pai era técnico de laboratório da extinta Sucam, atual Funasa. E, isso chamou minha atenção e percebi uma veia ligada a saúde na família e acabei seguindo o exemplo do meu avô”, ressalta a médica.   

Seu primeiro emprego na área foi no município de Bagre (a 191 quilômetros de Belém), onde ficou na cidade até 1982. Depois, foi para Melgaço, que apresenta um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do Brasil. Em 1988, ela fez o curso de especialização em saúde pública em Belém, cidade onde nasceu e foi criada. Inclusive, já realizou atendimentos em várias cidades do Marajó. Atualmente ela divide o tempo entre os municípios de Breves e Melgaço

A agenda da médica é concorrida, do dia 1 a 20 do mês, Valdenora atende no município de Breves (a 223 quilômetros de Belém). De 21 a 31, ela consulta no município de Melgaço (a 249 quilômetros de Belém).

Apesar de todas as dificuldades que a profissão lhe apresentou ao longo da carreira, Valdenora afirmou, que nunca pensou em desistir. Segundo ela, o que a faz trabalhar com pessoas carentes é a necessidade dessa população, que não tem recurso de nada.

“Quando me formei, fiz um juramento que atenderia qualquer paciente e, me identifico muito com os humildes. Desistir é para os fracos. Enquanto tiver forças de exercer a medicina e levá-la aos mais carentes, irei. Seja de barco, de canoa, de bote, a pé ou do que for”, conclui.

Balanço da Covid-19 em Breves

A cidade de Breves é a mais populosa do arquipélago do Marajó. Com mais de 100 mil habitantes, o município concentra grande parte do fluxo social e econômico da região. No entanto, a cidade também é líder no número de casos da Covid-19 no Marajó. Com o avanço da doença, os hospitais da cidade entraram em colapso e o sistema funerário também registrou aumento na procura.

Segundo dados do Mapa do Coronavírus, feito pelo G1 com base em números divulgados pelas Secretarias Estaduais de Saúde de todo o país, a cidade de Breves teve a maior alta de mortes por coronavírus em duas semanas, no período de 27 de abril a 11 de maio. O aumento foi o mais acentuado entre todas as cidades brasileiras afetadas pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), que causa a doença Covid-19. O número de óbitos saltou de 1, em 27 de abril; para 34, na segunda (11), mesma data em que o hospital de campanha foi inaugurado na cidade — com 18 dias de atraso.

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