‘Savanização’ da Amazônia traz risco extremo para saúde e queda na economia, aponta estudo

Área degrada no Sul do Amazonas. (Greenpeace/ Divulgação)

Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS – Estudo realizado por especialistas para analisar os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas na saúde humana, até o ano de 2100, mostra que mais de 11 milhões de pessoas que habitam a Região Norte do Brasil estarão expostas ao risco “extremo de estresse térmico” por conta das altas temperaturas. A pesquisa foi publicada nessa sexta-feira, 1º, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Segundo o estudo, intitulado Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de estresse térmico na Amazônia Brasileira, a savanização da Amazônia pode trazer graves consequências ao ser humano, influenciando até mesmo na dificuldade de o homem manter a temperatura corporal em determinadas condições ambientais.

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Um dos coautores da pesquisa e especialista sobre o aquecimento global e em mudanças climáticas, Carlos Nobre, afirmou que a fragilização dos ecossistemas na Amazônia traz junto com o aquecimento global um risco muito maior à saúde humana.

“O corpo humano não consegue dissipar o calor gerado pelo metabolismo orgânico. Nunca, em milhões de anos, o clima ultrapassou esses limites. Mas, com o aquecimento global e com o risco de grande parte da floresta amazônica se tornar uma savana degradada, isso muda o clima e nós iremos chegar no final do século com 50% dos dias, em algum momento, mais quente e ultrapassaremos um limite em que o corpo não resiste”, ressalta Nobre.

Temperatura e lesões à saúde

O estudioso explica que o corpo humano apresenta um limite de temperatura e umidade. “O limite é 35ºC de temperatura do ar com o ar saturado e vapor d’água. Pode ser também a temperatura de 40º com umidade relativa do ar em 70% ou ainda temperatura de 45ºC com umidade relativa de 50%, não podendo ultrapassar esse limite”, explana.

Dentre os malefícios à saúde, por conta das más condições ambientais, Nobre cita a desidratação, o enfraquecimento do resfriamento do corpo ocasionando aumento corporal, exaustão, redução do condicionamento físico e psicológico, doenças respiratórias, cardíacas, renais e até mesmo a morte.

Registro fotográfico mostra queimada em área florestal (Ueslei Marcelino/Reuters)

Dados do estudo

Dos 5.565 municípios brasileiros, 16% deles, o que corresponde a 30 milhões de pessoas, vão sofrer as consequências térmicas com a savanização da Floresta Amazônica. Já os municípios da região Norte compreendem 42% da população impactada com baixa potencialidade de resiliência e alta vulnerabilidade social.

Com as alterações, danos à saúde por conta da dificuldade de adaptação e condições térmicas, os habitantes da Região Norte do mapa brasileiro podem desencadear uma migração em massa para outras regiões do Brasil. Os especialistas informam ainda que as condições precárias e o estresse térmico podem resultar de forma negativa na produtividade do trabalho; consequentemente, impactando na economia.

Até 2030, por exemplo, o estudo mostra que haverá o aumento de 1,5°C na temperatura média global. “Poderá representar 0,84% das perdas de jornada, o equivalente a 850 mil empregos de tempo integral, principalmente nos setores agrícola e de construção civil – na agricultura, o alto risco associado ao trabalho intenso e à sobrecarga térmica já foi observado entre os cortadores de cana-de-açúcar”, consta o texto.

Vale ressaltar que a pesquisa não levou em consideração o crescimento populacional, mudanças na estrutura demográfica e expectativa de vida. Os resultados dos estudos são reflexos isolados da mudança climática e da savanização e serve para representar os efeitos observados caso a população atual fosse exposta às distribuições projetadas de estresse térmico.

Modificações e estratégias de sustentabilidade

Segundo Nobre, é preciso, de forma urgente, modificar as políticas de uso de terra e desmatamento. Além disso, é necessário investir no processo de aceleração de reflorestamento, principalmente no Sul da Amazônia, região intensamente degradada. “Torna-se urgente modificar as políticas que dominam o cenário amazônico há muitas décadas. Devemos buscar zerar os desmatamentos, a degradação florestal e as queimadas em poucos anos. Ao mesmo tempo, há que ser acelerado os programas de grande escala de restauração florestal, principalmente no Sul da Amazônia, região de maior desmatamento e degradação florestal”, ressalta o pesquisador.

O especialista dá ênfase para a biodiversidade da Amazônia e atenta para a nova bioeconomia, classificando como superior às principais responsáveis  pela destruição da floresta e poluição dos ecossistemas. “O grande potencial da Amazônia em todos os sentidos está em sua riquíssima sociobiodiversidade e devemos buscar trajetórias sustentáveis, unindo os conhecimentos tradicionais com conhecimentos científicos e tecnológicos, para criar uma inovadora bioeconomia de floresta em pé e rios saudáveis. O potencial econômico desta nova bioeconomia é muito superior às práticas mais comuns da agricultura, pecuária e mineração, vetores principais da destruição da floresta e poluição dos ecossistemas aquáticos”, finaliza.

Além de Carlos Nobre, participaram do estudo a pesquisadora Beatriz Alves de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz, do Piauí (Fiocruz PI); Marcus Bottino e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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