‘Seduzem casados’: bar nega atendimento a mulheres em Manaus


Por: Ana Pastana

17 de janeiro de 2025
A influenciadora Sandy Brasil foi impedida de ficar em um bar de Manaus sob a
A influenciadora Sandy Brasil foi impedida de ficar em um bar de Manaus sob a "acusação" de seduzir homens casados (Reprodução/Redes Sociais)

MANAUS (AM) – Especialistas apontaram “prática abusiva e discriminação” contra duas mulheres que tiveram o atendimento negado em um bar, a “Cachaçaria do Dedé”, no Manauara Shopping, localizado na Zona Centro-Sul de Manaus, na noite desta quinta-feira, 15. O caso viralizou no Amazonas após surgirem informações de que as mulheres foram impedidas de ficar no estabelecimento por “seduzirem” homens casados.

Entre as duas mulheres está a influenciadora Sandy Brasil, que foi às redes sociais relatar o caso, informando que o episódio nunca tinha ocorrido com ela. “Eu estou em choque com isso que aconteceu comigo, eu estou tremendo, isso nunca aconteceu comigo. Do nada, a gente chama uma pessoa para atender a gente aqui e uma pessoa fala: ‘Não, nós não vamos atender vocês duas’. Por quê? ‘Ordens do meu superior'”, disse Sandy, referindo-se à gerente da cachaçaria, que não teve o nome informado.

Uma das clientes que estava no local e presenciou o questionamento da influenciadora à gerente do estabelecimento, a jornalista Paula Litaiff comentou o caso no “X”, antigo Twitter, e marcou o bar. “Eu e um amigo presenciamos duas mulheres tendo o atendimento recusado num bar. Fui perguntar do garçom por que ele se recusou a atendê-las, e ele: ‘Estou cumprindo ordem. Elas ficam seduzindo os casados'”, relatou a jornalista.

Paula refletiu sobre o episódio, mencionando teorias históricas que apontam que as mulheres sempre são responsabilizadas por decisões masculinas. “A sociedade sempre culpando as mulheres para proteger homens inseguros”, concluiu, citando a possibilidade de as mulheres processarem o estabelecimento. “Moças, processe-os!”.

(Reprodução/X)

À reportagem, Paula Litaiff disse que tentou buscar mais informações sobre a recusa do atendimento à influenciadora e se havia algum histórico negativo dela no bar. “Ouvi dos garçons que ‘mulheres como elas não são bem-vindas no estabelecimento, porque representam risco às famílias’. Insisti e perguntei como eles identificam mulheres que representam ‘risco’, e um dos garçons respondeu: ‘A gente bate o olho e sabe'”, afirmou a jornalista.

Discriminação evidenciada

Segundo a professora e doutora Iraildes Caldas, as mulheres são discriminadas e rotuladas historicamente, de acordo com a conceitualização de uma sociedade, cuja essência é baseada na dominação masculina. No caso específico do bar em questão, a Cachaçaria do Dedé, não há informações noticiadas de que o bar tenha negado atendimento a homens por “seduzirem” mulheres.

Especialista em pesquisas de gênero na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a professora Iraildes destaca a importância de as mulheres entenderem e estudarem sobre o autorrespeito, para não permitir que a sociedade as defina. “Simone de Beauvoir (escritora e teórica) é enfática ao dizer: ‘Que ninguém nos defina. A liberdade é a nossa própria substância, já que ser livre é ter liberdade'”, pontuou.

Especialista em pesquisas de gênero na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a professora Iraildes frisa a importância de as mulheres entenderem e estudarem sobre o autorrespeito, para não permitir que a sociedade as defina. “Simone de Beauvoir (escritora e teórica) é enfática ao dizer: ‘Que ninguém nos defina. A liberdade é a nossa própria substância, já que ser livre é ter liberdade‘”, pontuou.

A professora doutora Iraildes Caldas (Foto Ricardo Oliveira/CENARIUM)

A advogada Liliane Araújo também apontou para indícios de discriminação no tratamento da Cachaçaria do Dedé à influenciadora Sandy Brasil e sua amiga após terem o atendimento recusado no estabelecimento, com base na Lei de Crime Racial (7.716/1989). “Essa lei prevê sanções para quem pratica crime de discriminação e preconceito, e, nesse caso, em concreto, foi um preconceito pela condição de ser mulher”, observou a advogada.

Liliane Araújo é advogada (Reprodução/Redes Sociais)
Prática abusiva

A advogada Denise Coêlho explica que a recusa do atendimento pode ser considerada prática abusiva. “A recusa de atendimento em um estabelecimento privado, sem justificativa plausível, pode configurar prática abusiva, conforme previsto no artigo 39, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe ‘recusar atendimento às demandas dos consumidores na exata medida de suas disponibilidades de estoque e dos serviços ofertados‘”, disse.

A advogada Denise Coêlho (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Além disso, a recusa motivada por discriminação também fere a Constituição Federal e é passível de penalidade. “Se a recusa for motivada por razões discriminatórias, como gênero, cor, religião, orientação sexual ou qualquer outro fator protegido, essa conduta viola princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, em especial o artigo 5º, inciso XLI, que prevê a punição de discriminações atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1º, inciso III”, disse.

Coêlho continua: “Essas práticas discriminatórias podem ser entendidas como uma afronta à igualdade de tratamento, conforme disposto no artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação”, destacou.

Procon se pronuncia

Estabelecimentos comerciais, como a Cachaçaria do Dedé, ou de qualquer natureza, não podem se recusar ou negar atendimento ao cliente, é o que aponta o diretor-presidente do Instituto de Defesa do Consumidor do Amazonas (Procon-AM), Jalil Fraxe. O estabelecimento não pode se recusar a atender um cliente, independente de motivo, segundo art. 39, IX. Por se tratar de uma prática abusiva, as penalidades aplicadas seguem a regra do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do decreto estadual que disciplina o processo administrativo sancionatório“, explicou.

Jalil Fraxe é presidente do Procon no Amazonas (Secom)
Boletim de Ocorrência

Ainda na cachaçaria, a influenciadora Sandy Brasil acionou a Polícia Militar do Amazonas (PM-AM), que esteve presente no local para auxiliar a influenciadora. Nesta sexta-feira, 17, ela informou aos seguidores que estava a caminho de uma delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência (BO) sobre o caso.

A CENARIUM entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cachaçaria do Dedé, unidade Manauara Shopping, para solicitar o posicionamento do empreendimento e esclarecer o motivo da orientação aos funcionários para recusar atendimento à influenciadora Sandy Brasil e sua amiga. A reportagem aguardou o posicionamento por sete horas, no dia de hoje, 17, e até fechamento deste conteúdo, 19h30, não recebeu retorno. O espaço segue aberto para o estabelecimento se pronunciar.

Assista ao relato da influenciadora:

Relato publicado nas redes sociais (Reprodução/Redes Sociais)
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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