Segurança alimentar na Amazônia depende de adaptação climática, diz estudo


Por: Fred Santana

05 de setembro de 2025
Segurança alimentar na Amazônia depende de adaptação climática, diz estudo
Levantamento aponta para a necessidade de medidas que vão da restauração florestal em larga escala à proteção dos rios (Reprodução/Secom | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

MANAUS (AM) – As mudanças climáticas provocam transformações profundas na Amazônia, afetando a biodiversidade, alterando o regime de chuvas e impactando diretamente a vida das populações que dependem da floresta para sobreviver. Um novo estudo aponta que enfrentar essa realidade exige não apenas mitigação, mas também adaptação – com medidas que vão da restauração florestal em larga escala à proteção dos rios, fundamentais tanto para a produção agrícola quanto para o transporte na região.

Essas recomendações estão reunidas no policy brief “Estratégias de Adaptação Climática Visando o Bem-Estar das Populações Amazônidas”, lançado em agosto de 2025. O documento foi elaborado por pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV) em parceria com instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Policy briefs são documentos enxutos, pautados por questões enfrentadas no cotidiano de tomadores de decisão e com informações baseadas em pesquisas científicas atuais e sugestões de opções e ações que podem contribuir e enriquecer o debate sobre políticas públicas.

O material sistematiza um conjunto de ações prioritárias para políticas públicas voltadas à segurança alimentar e hídrica de povos indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas e moradores de áreas rurais e urbanas da Amazônia. Entre as propostas, estão a valorização dos conhecimentos tradicionais, a criação de bancos de sementes, redes de coletores e a identificação de espécies alimentares mais resilientes às mudanças climáticas.

Residência de povos tradicionais na Amazônia (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Coordenadora da publicação, a pesquisadora Tereza Cristina Giannini, do ITV, destaca que a iniciativa reúne especialistas de diferentes áreas da bioeconomia e da sustentabilidade de cadeias alimentares na Amazônia. O ponto de partida do trabalho foi a constatação, em estudos anteriores, de cenários preocupantes para cerca de 200 espécies de plantas consumidas por povos nativos, incluindo alimentos estratégicos como a castanha-do-pará.

“Por enquanto, esse conhecimento foi incorporado de forma indireta, uma vez que consultamos publicações prévias que compilaram o conhecimento tradicional sobre as plantas utilizadas como alimento pelos amazônidas. Foi a partir dessa lista com 228 espécies que geramos os modelos computacionais para avaliar quais plantas potencialmente seriam mais resistentes às mudanças climáticas”, explica Tereza.

O policy brief também responde à recomendação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de priorizar estratégias de adaptação, já que parte dos impactos ambientais é irreversível. Isso significa ir além de ações de mitigação, que buscam apenas reduzir os efeitos das mudanças climáticas.

Seria bom se as políticas públicas pudessem fomentar negócios sustentáveis, contribuindo com geração de renda, inovação tecnológica e capacitação para as comunidades locais. Ações de educação robustas incluindo capacitação técnica/tecnológica também são importantes”, avalia a pesquisadora. “Valorizar a floresta implica em valorizar os povos que vivem dentro ou próximo das florestas, construindo uma parceria onde as pessoas se sentem como parte desses biomas e são capazes de viver em harmonia com eles, possibilitando um manejo ambiental sustentável que traga ciclos de prosperidade para a região”, afirma Tereza.

A publicação aponta caminhos futuros que já estão sendo explorados pela equipe de pesquisa, como a elaboração de uma cartilha sobre “plantas do futuro” – espécies pouco conhecidas e potencialmente mais resistentes ao novo clima da região. Outro foco será a análise dos efeitos da crise climática sobre polinizadores agrícolas, vitais para a produção de alimentos como cacau, açaí e castanha-do-pará.

Também estão em andamento estudos sobre a vulnerabilidade alimentar de povos indígenas, que buscam mapear as áreas mais suscetíveis à insegurança alimentar, e um trabalho de mapeamento genético do cacau, visando identificar características adaptativas que possam contribuir tanto para melhorias genéticas quanto para a definição de áreas prioritárias de conservação.

“Muitas das plantas consumidas como alimento regionalmente são oriundas da floresta. Sabe-se que os povos originários que habitam a Amazônia já há alguns milhares de anos vêm manejando a floresta e priorizando as plantas úteis, seja para alimentação, usos medicinais, ou como fonte de madeira e fibra”, lembra a cientista.

Para Giannini, a principal contribuição do documento foi sintetizar, em uma só publicação, o conhecimento acumulado por diferentes linhas de pesquisa sobre o impacto da mudança climática na alimentação das populações amazônicas.

Cenário de vulnerabilidade

Nos Estados da Amazônia, os dados sobre insegurança alimentar revelam um quadro alarmante. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, em 2023 quase metade da população do Amazonas vivia sem acesso pleno a alimentos, sendo que 17,3% das famílias estavam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, e 9,1% já enfrentavam a forma mais extrema, caracterizada pela fome no domicílio.

Insegurança alimentar atinge milhares de famílias na Amazônia (Reprodução/MDS)

O Pará apresentou o pior cenário da região, com 20,3% dos lares em insegurança alimentar moderada ou grave, seguido do Amapá, com 18,6%. Em contraste, Rondônia registrou um dos melhores índices do país, com 80% dos domicílios em situação de segurança alimentar e apenas 2,9% enfrentando insegurança grave.

Dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (VIGISAN), coordenado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em parceria com a Fiocruz, mostram que os efeitos da pandemia intensificaram a vulnerabilidade nos estados amazônicos.

Entre os domicílios com crianças de até 10 anos, a insegurança alimentar moderada ou grave atingiu 54,4% no Amazonas, 53,4% no Pará e 60,1% no Amapá – índices muito mais elevados do que os registrados pelo IBGE em 2023. Esses resultados evidenciam como a crise sanitária e econômica agravou a fome em famílias já historicamente expostas à exclusão social e à dificuldade de acesso a políticas públicas na região.

Editado por Jadson Lima

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