Até que ponto o Governo Lula é realmente democrático e técnico? A promessa de um governo alinhado com questões científicas e ambientais foram pautas centrais da campanha de Lula em 2022. A expectativa da comunidade científica e ambientalista era alta, como demonstrado em um comentário publicado na Nature Human Behaviour durante seu primeiro ano de mandato. Em outra publicação na Environmental Conservation, do mesmo período, as primeiras ações do presidente foram vistas como pró-meio ambiente, mas esse direcionamento durou pouco. Lula tem dado continuidade às liberações de agrotóxicos iniciadas no governo Bolsonaro, além de defender grandes projetos de infraestrutura considerados economicamente e socioambientalmente inviáveis, como a rodovia BR-319, que liga Porto Velho, no “arco do desmatamento amazônico”, a Manaus, na Amazônia central ainda intocada.
No entanto, seu governo tem demonstrado uma postura cada vez mais arbitrária ao desconsiderar decisões técnicas e científicas. Um exemplo recente foi a pressão direta sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para autorizar a Petrobras a explorar petróleo na Margem Equatorial, na bacia da Foz do Amazonas. A decisão técnica do órgão, baseada em critérios ambientais, tem sido questionada pelo próprio presidente, que criticou publicamente a demora na liberação da licença. Essa postura gerou insatisfação entre os servidores do Ibama, que veem na atitude do governo uma tentativa de interferência política nas decisões do instituto.
Além disso, o afastamento do coordenador de Licenciamento Ambiental de Exploração de Petróleo e Gás Offshore do Ibama, Ivan Werneck Sanchez Bassères, poucos dias após as críticas de Lula ao órgão, levanta suspeitas sobre ingerência política nas decisões ambientais. Embora o Ibama tenha justificado a mudança com a aprovação do servidor em um programa das Nações Unidas sobre assuntos oceânicos e direito do mar, a coincidência temporal gerou questionamentos. O afastamento ocorre em um momento em que o governo busca acelerar a liberação da exploração petrolífera, contrariando recomendações científicas e ambientais. As declarações de Lula, que sugeriu que o Ibama estaria atuando contra o próprio governo, são vistas como incompatíveis com a postura de um país que sediará a COP30, em novembro, e reforçam a preocupação de que o discurso ambiental da campanha presidencial não esteja se refletindo na prática.
Entretanto, se os técnicos têm atuado contra o governo, Lula tem atuado contra o país e o planeta. Como demonstrado em uma publicação de minha autoria em coautoria com o pesquisador e Prêmio Nobel Philip Fearnside no periódico Nature, um dos mais prestigiados periódicos científicos do mundo, a insistência do governo em explorar petróleo na Foz do Amazonas representa uma grave ameaça às comunidades tradicionais da região e compromete os esforços globais no combate à crise climática.
É essencial compreender que as consequências da crise climática para o Brasil não são um problema distante: ondas de calor letais afetarão algumas regiões, as estações secas serão mais prolongadas e os eventos de precipitação se tornarão mais intensos e concentrados. Esse cenário resultará em desastres cada vez mais frequentes, como deslizamentos, cheias e alagamentos. Diante disso, cabe perguntar: quão democrático e técnico é, de fato, este governo? Nos últimos dois anos, assistimos à Amazônia, seu povo e a biodiversidade brasileira agonizarem diante de secas extremas na região Norte, enquanto o Rio Grande do Sul enfrentou uma das enchentes mais severas da sua história, causando perdas humanas e destruição em larga escala.
Além de tudo, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas sequer será viável a longo prazo. Os primeiros poços só devem entrar em operação dentro de cinco anos, um período em que o mundo inevitavelmente precisará acelerar a transição para energias renováveis e abandonar os combustíveis fósseis para evitar o colapso climático. Enquanto isso, espécies comuns da Amazônia já estão em declínio devido à crise climática, como demonstrado em um estudo publicado no periódico científico Environmental Monitoring and Assessment. Essas espécies não terão futuro, pois estão previstas para desaparecer em menos de 20 anos, mas o clima do nosso futuro ainda está em nossas mãos. Os planos do governo Lula para a exploração petrolífera nesta região apenas aprofundam a perda de biodiversidade e a degradação dos serviços ecossistêmicos, com impactos diretos para o Brasil, incluindo o aumento de pragas agrícolas e o surgimento de novas doenças como aponta o estudo.
Se essa decisão não for revertida, esse poderá ser o verdadeiro legado do governo Lula. A Petrobras corre o risco de ser vista no futuro como uma empresa que contribuiu para a degradação ambiental em um momento crucial para a mudança de paradigma energético. Seu papel no desenvolvimento do Brasil poderá ser ofuscado pela falta de compromisso com a transição para um modelo sustentável. O futuro do país – e das próximas gerações – depende de escolhas responsáveis no presente. O próximo ciclo eleitoral será uma oportunidade para repensarmos nossas lideranças e exigirmos um governo verdadeiramente comprometido com a preservação ambiental e o enfrentamento da crise climática. Como sugere o duplo sentido do título deste texto, não há mais clima ambiental ou político para que pesquisadores e ambientalistas continuem apoiando Lula. Persistir nesse caminho ignora a crise climática e compromete o futuro do país.
(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas, Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia). É o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nos dois maiores periódicos científicos do mundo, Science e Nature. Atualmente, é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).