Sem dar trégua à paciência do brasileiro, Bolsonaro elege ‘vacina’ como polêmica para 2021

Com problemas, que não são poucos, na agenda governamental, o presidente do Brasil decidiu fazer de uma política pública de saúde, o palco para destilar sua aversão à ciência (Reprodução/Revista Cenarium-Samuelknf)

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Ao que parece, os quase 200 mil mortos por Covid-19 no Brasil ainda não foram suficientes para convencer o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a reconhecer que a ciência, em caso de pandemia, é a última fronteira entre a vida e a morte. O presidente resolveu agora atacar as campanhas de vacinação em massa.

Militar de carreira, General Eduardo Pazuello é quem irá coordenar uma futura campanha de vacinação, em caso de cura para a Covid-19 (Reprodução/O Globo)

No Amazonas, onde o novo Coronavírus ceifou centenas de vidas e ainda continua ativo, as falas do presidente foram recebidas com certo descrédito. O infectologista Marcus Lacerda opinou: “Tecnicamente não há como nos dias de hoje obrigar ninguém a tomar uma vacina, como vai fiscalizar isso?”, questionou o pesquisador.

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Marcus Lacerda, como todo bom cientista, recorreu ao bom senso como fator de conscientização coletiva. “Em 2020 só existe um caminho para tudo: educar as pessoas, informar. Ninguém obriga ninguém a nada, nem a usar máscara. Acredito que as pessoas vão se vacinar”, previu o infectologista.

Ficar calado

Quanto à posição do presidente Bolsonaro, Marcus foi taxativo. “Tudo virou muita politicagem, acho que o presidente devia ficar calado e a imprensa dar menos importância ao que ele fala”, disparou. Para concluir, ele analisou as declarações do político chamando atenção para um detalhe: “Ele só quer brigar com o Doria. Causar impacto”, minimizou.

Charge satirizava Oswaldo Cruz e suas brigadas sanitaristas em 1900 no Rio de Janeiro (Reprodução/Internet)

A antropóloga e historiadora, Lilia Schwarcz, em sua conta no Twitter disparou severas críticas à postura do mandatário. Ela inclusive fez uma incursão na história do Brasil, onde relembrou a ‘Revolta da Vacina’, movimento que ao que parece, Bolsonaro quer reeditar junto à população, apelando para variar à falta de informação.

Cabe a um presidente dar um “ponto final” sobre a vacinação obrigatória? Se tivéssemos um Ministro da Saúde (não temos), ele sim devia opinar com base na ciência. Em 1904 um presidente quase caiu por conta da revolta da vacina. Faltava informação no passado e no presente também.

A revolta da vacina

Apesar do tom atual, negar vacinação pública não é necessariamente uma novidade na história do Brasil. No Rio de Janeiro dos anos 1904, o médico sanitarista Oswaldo Cruz iniciava uma cruzada contra diversas doenças que proliferavam na antiga capital da República. Naquela época, o Rio de Janeiro era uma desordem urbana, apinhado de lixo, ratos e urubus.

Com ruas estreitas e lixo acumulado em todas as vias, o governo da época iniciou uma grande reforma urbana, tendo à frente Pereira Passos. As alterações foram impostas de forma violenta à população, que apelidou os despejos e demolições autoritárias de ‘bota abaixo’. Em meio ao clima pesado, Oswaldo Cruz propôs a vacinação obrigatória.

Imagem mostra o bondinho tombado no centro do Rio de Janeiro no ano de 1904. Era a população se negando a ser vacinada pela campanha de Oswaldo Cruz (Reprodução/Internet)

Com povo cansado das incursões violentas do governo, indisposto a exibir partes do corpo aos agentes sanitários para levar a agulhada, o clima ‘negacionista’ sobre a eficácia dos medicamentos, tudo culminou em uma semana de caos onde a população enfrentou as forças governistas com paus e pedras. O levante ficou conhecido como ‘A Revolta da Vacina’.

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