Senado tem duas propostas negativas para indígenas, diz Apib
Por: Ana Cláudia Leocádio
15 de janeiro de 2025
Indígenas protestam contra o PL 490, do Marco Temporal (Joédson Alves/Agência Brasil)
BRASÍLIA (DF) – Com a retirada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36 pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), ainda restam duas proposições em trâmite no Senado Federal, que afetam de forma negativa as vidas das populações indígenas no País: as PECs 10 e 48. Na Câmara dos Deputados, tramitam dois Projetos de Lei considerados “amigáveis à causa indígena” pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Para a Apib, as três propostas são consideradas preocupantes para a causa dos povos originários. A PEC 36 previa a alteração do artigo 231 da Constituição Federal de 1988 para permitir o arrendamento de Terra Indígenas (TIs), autorizando que pessoas não indígenas ou empresas pudessem explorar economicamente os territórios indígenas. O autor do texto, senador Mecias de Jesus, pediu a retirada de tramitação, no dia 29 de novembro, após pressão do movimento em Roraima.
Indígenas ocuparam rodovia em Roraima contra PEC 36 (Reprodução/CIR)
Mecias também propunha que fosse substituído, na Constituição, o termo ‘índios’ por ‘indígenas’. Mais de mil indígenas realizaram protestos ao longo da BR-174, no município de Pacaraima (RR), por mais de um mês contra as PECs 36 e 48. Ao visitar o acampamento, Mecias justificou aos indígenas que apresentou a proposta pensando estar ajudando-os, mas não estava.
Em nota à época, o parlamentar explicou o motivo do recuo, por querer proporcionar mais autonomia para as comunidades indígenas sobre a sua própria terra. Defendeu que estava atendendo a um pedido para abrir novas oportunidades de discussão sobre o texto da proposta, até que pudessem chegar a um consenso com as comunidades indígenas que seriam as principais beneficiadas.
Marco Temporal
Considerada nociva aos indígenas pela Apib, a PEC 48/2023 está com tramitação parada no Senado desde julho de 2024, após a apresentação do relatório favorável do senador Espiridião Amin (PP-SC), ainda não votado.
Protocolada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR), no dia 21 de setembro de 2023, a PEC cria o Marco Temporal para a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, estabelecendo o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como a data limite para se reconhecer esse direito. Na avaliação da Apib, essa proposta ignora totalmente a presença ancestral dos antepassados.
Desde o dia 10 de julho de 2024, a PEC 48 teve tramitação paralisada, com vista aos senadores e também para aguardar o resultado das discussões encaminhadas pela Comissão Especial de Conciliação, criada pelo ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, em agosto do ano passado. Ele é o relator das ações que questionam a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que estabeleceu o Marco Temporal. A Apib apelidou de “Câmara da Morte” a comissão criada por Mendes.
Comissão de Conciliação no STF (Carlos Moura/STF)
A proposta de Hiran Gonçalves é trazer para a Constituição a mesma regra aprovada na “Lei do Marco Temporal”. O novo texto acrescenta a frase “sendo-lhes garantida a sua posse permanente, estabelecido o Marco Temporal em 5 de outubro de 1988”, ao o § 1º do art. 231 da Carta Magna.
Atualmente, esse dispositivo diz apenas o seguinte: “§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios [sic] as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”
Ao justificar a mudança constitucional, Gonçalves sustenta que a “emenda não visa negar o direito dos povos indígenas às suas terras, mas sim oferecer uma base sólida para a demarcação, evitando conflitos e incertezas que prejudicam tanto as comunidades indígenas quanto outros setores da sociedade”.
Em entrevista recente à CENARIUM, o senador Hiran Gonçalves declarou que pretende retomar as discussões de sua PEC, que já possui relatório favorável, sem esperar os resultados das discussões na comissão do Supremo. Em 2023, o STF julgou inconstitucional a tese do Marco Temporal para demarcação das terras indígenas.
Permissão para produzir e vender produtos
A PEC 10/2024 foi apresentada por 27 senadores, que correspondem a um terço da composição do Senado, no dia 27 de março de 2024, e, desde 4 de abril do mesmo ano, aguarda a designação de um relator.
A proposta prevê a alteração do artigo 231 da Constituição para permitir que os indígenas possam produzir e vender livremente o que produzem, além de prever que a União deve oferecer apoio técnico a essas atividades.
A nova redação propõe inserir um novo dispositivo, o Art. 231-A, permitindo “aos índios [sic] e às suas comunidades praticar quaisquer atividades florestais e agropecuárias, bem como comercializar sua produção e celebrar contratos, inclusive os de arrendamento e parceria, caso em que, autonomamente, decidirão sobre a partilha dos respectivos frutos.”
Na justificativa, os senadores dizem que “não se pode mais tratar os indígenas como se fossem menos cidadãos do que os demais brasileiros”.“Atualmente, a redação da Constituição adota uma visão ultrapassada e protecionista, que, na prática, condena os povos originários a viver eternamente sua pobreza ‘tradicional’, mesmo sentados em cima de riquezas inestimáveis”, afirmam.
Em uma retrospectiva publicada em dezembro de 2024, a Apib informa que se manterá vigilante, com o Alerta Congresso, quanto à tramitação dessas propostas mais preocupantes à causa indígena.
Propostas positivas aos indígenas
A Apib também destaca Projetos de Lei considerados “amigáveis à causa indígena”. Um deles é o PL nº 4347/2021, de autoria da ex-deputada Joenia Wapichana, atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A proposta institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
Segundo o texto, o objetivo é “garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural”.
O PL foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, em junho de 2024, e encontra-se, atualmente, aguardando parecer na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários.
Outra proposta que agrada aos indígenas é o PL nº PL 3514/19, que regulamenta a profissão de Agente Indígena de Saúde (AIS) e Agente Indígena de Saneamento (Aisan), no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).
Também de autoria de Wapichana, o projeto teve o parecer favorável já aprovado pela Comissão de Saúde e está em análise da Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados. Somente após serem aprovadas pelos colegiados e aprovadas em plenário, o PL será enviado para apreciação do Senado.
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