Senador de Roraima quer derrubar decreto que dá poder de polícia à Funai


Por: Jadson Lima

06 de fevereiro de 2025
Senador de Roraima quer derrubar decreto que dá poder de polícia à Funai
Indígenas ao lado de sede da Funai e o senador Mecias de Jesus (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

MANAUS (AM) – O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) apresentou, na última segunda-feira, 3, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) no Senado Federal para suspender a regulamentação do poder de polícia da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A medida que estabelece que a Fundação tenha poder de polícia foi regulamentada por meio do decreto Nº 12.373, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicado no Diário Oficial da União também na segunda-feira.

Na justificativa do PDL 50/2025, o parlamentar de Roraima afirma que a regulamentação do poder de polícia da Funai apresenta “uma série de inconstitucionalidades e ilegalidades que comprometem a segurança jurídica“, e que a medida “foi publicada sem a consulta das comunidades indígenas”. Veja trecho da justificativa do senador:

PDL do senador Mecias foi apresentado na segunda-feira, em reação ao decreto de Lula (Reprodução)

O projeto de Mecias de Jesus, no entanto, ignora uma decisão do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o caso.

Em 20 de dezembro do ano passado, o magistrado determinou que a regulamentação do poder de polícia da Funai fosse publicada pela União até o dia 31 de janeiro de 2025, data em que Lula assinou a medida. A decisão judicial atendeu a um pedido feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, que tramita no STF desde 2020. Veja:

Decisão do STF atende a um pedido da Apib (Reprodução/STF)

Mesmo com o apelo da entidade que representa os povos originários para que haja mais rigor na fiscalização das áreas demarcadas, por meio do PDL 50/2025, o senador Mecias justificativa o desejo de derrubar o poder de polícia da Funai alegando que o decreto assinado por Lula “cria insegurança jurídica, ao permitir que a Funai possa interpretar, de forma extensiva, a possibilidade de atuar isoladamente em matérias sensíveis, como segurança pública, sem respaldo constitucional ou legal”. De acordo com a decisão do STF, porém, a regulamentação do poder de polícia indigenista não esvazia a competência dos demais órgãos ambientais.

Barroso afirmou que já há colaboração entre a União e órgãos estaduais para atuação em TIs, e defendeu que que o mesmo ocorra entre os órgãos da esfera federal. “Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) podem exercer o poder de polícia em terras indígenas, de forma coordenada e colaborativa. Esse nível de coordenação é comumente exercido entre a União e os órgãos estaduais do Meio Ambiente, e não há razões para que isso não ocorra entre dois órgãos do mesmo nível federativo”, declarou. Veja trecho da decisão:

Na decisão, o STF deu um prazo para a regulamentação do poder de polícia da Funai (Reprodução/STF)

A CENARIUM tentou uma entrevista com o senador Mecias de Jesus, nesta quinta-feira, 6, para saber o posicionamento dele sobre a determinação do STF, sem sucesso. A reportagem enviou, na sequência, questionamentos para entender se o senador tinha conhecimento da decisão judicial assinada pelo ministro Luis Roberto Barroso.

Em resposta, por meio de sua assessoria de imprensa, o parlamentar afirmou que o PDL 50/2025 não ignorou a decisão do STF, apesar da proposta não mencionar uma única vez a determinação do magistrado. “O decreto contestado não apenas padece de inconstitucionalidade, por inovar em matéria reservada à lei, mas também não cumpre integralmente a decisão do STF, ao editar uma regulamentação sem a devida participação dos povos indígenas”, diz trecho da nota.

Outros parlamentares também querem suspender medida

Além do senador Mecias de Jesus, o senador Dr. Hiran (Progressistas/RR) também apresentou PDL no Senado Federal para suspender a regulamentação do poder de polícia da Funai. O projeto do parlamentar também ignora a decisão do STF, ao afirmar que a medida da União “permite que a
Funai atue em áreas que já são de competência de outros órgãos ambientais, como o Ibama”.

“O Poder Executivo exorbita flagrantemente seu poder regulamentar no caso em tela, uma vez que a regulamentação do poder de polícia da Funai não pode ser feita de forma unilateral”, declarou o Dr. Hiran, em contradição com a determinação da Corte Suprema, a pedido da Apib, na ação que apontou omissões do poder público relativas à proteção dos direitos dos povos indígenas, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

Na Câmara dos Deputados, o deputado federal Antônio Carlos Nicoletti (União) apresentou outra proposta com o mesmo teor. A medida, cadastrada no sistema da casa Legislativa na terça-feira, 4, foi subscrita por 24 parlamentares de 17 estados brasileiros.

Para justificar o PDL 65/2025, o parlamentar de Roraima defendeu que o poder de polícia da Funai poderia ser exercido em propriedades privadas, após a medida entrar em vigor. O decreto Nº 12.373, no entanto, não menciona e nem autoriza qualquer ação em locais que estejam fora do espaço de Terras Indígenas (TIs).

“O decreto vai mais longe ainda, ao autorizar a “apreensão de bens, lacrar instalações, realizar a destruição e inutilização de bens particulares”, tudo isso sob o mesmo argumento de ameaça ao conhecimento ou cultura dos povos indígenas”, diz trecho da proposta de Nicoletti.

Regulamentação

Previsto no inciso VII, da alínea ‘d’ do Artigo 1º da Lei 5.371/1967, que instituiu a Funai, esse poder de polícia nunca havia sido regulamentado. O Decreto Nº 12.373, assinado por Lula, também toma como base dispositivos do “Estatuto do Índio” (Lei 6.001/1973) e da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023).

A partir de agora, os agentes da Funai poderão, entre outras atribuições, apreender bens ou lacrar instalações de particulares, empregadas na prática de infração, além de realizar, excepcionalmente, a destruição, a inutilização ou a destinação de bens utilizados na prática de infração.

Agente da Funai participa de operação de fiscalização em terra indígena (Divulgação/Acervo Funai)

O documento também define as finalidades do poder de polícia a ser executado pelos agentes da Funai, como a prevenção e a dissuasão da violação ou da ameaça de violação a direitos dos povos indígenas; a prevenção e a dissuasão da ocupação ilegal de terceiros em terras indígenas; e a execução do consentimento de polícia, nos casos previstos em lei.

A CENARIUM tenta contato com o senador Dr. Hiran e com o deputado federal Nicoletti para posicionamento sobre o assunto. Até o fechamento desta matéria não houve retorno.

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Editado por Izaías Godinho

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