Senador questiona MPI sobre interdição de áreas com indígenas isolados


Por: Ana Cláudia Leocádio

13 de dezembro de 2024
Senador questiona MPI sobre interdição de áreas com indígenas isolados
O senador de Roraima Hiran Gonçalves (Reprodução/Redes Sociais)

BRASÍLIA (DF) – O senador Hiran Gonçalves (PP-RR) enviou um pedido de informações à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, solicitando informações sobre o processo de interdição das áreas com a presença de povos indígenas isolados nas regiões de Mamoriá Grande, no município de Lábrea, e Igarapé do Caribi, nos municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas. Segundo o parlamentar, o ato administrativo pode prejudicar o Estado de Roraima no abastecimento de energia elétrica, por causa do gás que é transportado do Campo Azulão, explorado pela empresa Eneva.

No requerimento 869/2024, o senador elenca seis pedidos específicos a serem respondidos pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e, principalmente, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), uma vez que esse tema foi alvo de recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para emissão de portarias de restrição de uso da área, como forma de proteção aos indígenas.

Na última quarta-feira, 11, a Funai publicou no Diário Oficial da União (DOU) a Portaria N° 1.256, assinada pela presidente da fundação, Joenia Wapichana, determinando a interdição de 343 quilômetros de uma área florestal nos municípios de Tapauá e Lábrea, no Sul do Amazonas, onde há indícios da presença de indígenas isolados.

Amazônia tem 44 terras indigenas ocupadas por isolados (G.Miranda/Funai/Survival)

Denominada como Terra Indígena (TI) Mamoriá Grande, a área abrange uma superfície de 259 mil hectares. A interdição restringe o direito de ingresso, locomoção e permanência de “pessoas estranhas aos quadros da Funai” na área descrita, até a publicação da homologação da demarcação. Conforme o MPF, a edição de uma portaria de restrição de uso da área está prevista o art. 7° do Decreto n° 1.775/96.

No dia 22 de novembro deste ano, o MPF já havia recomendado à Funai a edição de uma portaria de restrição de uso para o Mamoriá Grande. No documento, também foi incluída a região do Igarapé do Caribi, onde membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) informaram ter avistado e mantido rápido contato com indígenas isolados, em agosto de 2023, conforme notificou, com exclusividade, a edição de outubro deste ano da REVISTA CENARIUM impressa/digital.

O senador disse que seu pedido de informações se justifica porque na região do município de Silves está instalada a empresa Eneva, que extrai o gás do Campo Azulão e o transporta até a Usina Jaguatirica II, em Boa Vista (RR), para a geração de energia na cidade, que corresponderia a 67% da energia elétrica consumida no Estado.

“Agora há um questionamento se ali seria uma área indígena, não tem nenhum índio lá, há mais de 30 anos. A Funai quer requisitar aquilo como uma área indígena. Isso pode causar uma solução de continuidade no fornecimento do nosso gás e pode causar muito sofrimento às comunidades indígenas do nosso Estado e às populações não-indígenas porque a gente fica sem energia. Sem energia para hospitais, supermercado, enfim, para as coisas mais básicas que são necessárias para a gente desenvolver a nossa vida normal”, justificou o parlamentar.

Dos pedidos feitos pelo senador

Em seu requerimento, Hiran questiona se existe “algum estudo etnográfico realizado pela Funai que recomenda a demarcação da área em questão” e que forneça a documentação pertinente.

Pede também cópia da recomendação de interdição feita pelo MPF e a respectiva resposta da Funai aos procuradores. Pergunta, ainda, se os povos indígenas da área foram consultados sobre a possível interdição, assim como quer saber sobre “quais os impactos socioeconômicos esperados com a interdição das áreas, em especial para as comunidades tradicionais e para as atividades econômicas da região”.

O senador por Roraima questiona qual o posicionamento da Funai sobre a possível suspensão das atividades da Eneva, consideradas estratégicas para seu Estado, e quais as alternativas estão sendo avaliadas para “garantir a proteção dos povos indígenas e, ao mesmo tempo, viabilizar o desenvolvimento sustentável da região”.

Por fim, Hiran Gonçalves que saber qual o cronograma previsto para a conclusão dos estudos da autarquia e a tomada de decisão final sobre a interdição das áreas e a suspensão das atividades da Eneva, produtora de gás que abastece a usina termelétrica Jaguatirica II, situada em área que poderá ficar isolada.

A Usina Jaguatirica II em operação (Reprodução/Eneva)

O senador por Roraima é autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, que visa tornar constitucional o Marco Temporal de 5 de outubro de 1998, data da promulgação da Carta Magna, a data limite para pedir processos de demarcação das Terras Indígenas no País.

Agora, ele disse que pretende fazer andar a tramitação da PEC 48 no Senado Federal, para essas questões sobre regularização fundiária dos indígenas. A proposta já recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e aguarda entrar em pauta para discussão e votação do texto.

Avistamento em Mamoriá ocorreu em 2021

Segundo a portaria de restrição de uso para a TI Mamoriá Grande, somente poderão ingressar, locomover-se e permanecer na área pessoas autorizadas pela Coordenação-Geral de Índios* Isolados e de Recente Contato da Funai (CGiirc/Funai). A restrição não se aplica às Forças Armadas e policiais que estejam cumprindo funções institucionais, mas a presença na área deverá ser sempre acompanhada por funcionários da fundação.

A portaria também veda a exploração de qualquer recurso natural existente na TI, durante vigência do documento, e determinar que as proibições devem ser fiscalizada pelas equipes da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, da Funai.

Segundo reportagem do portal “O Joio e o Trigo”, o grupo de indígenas isolados do Mamoriá foi confirmado em agosto de 2021, pela coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira Purus, nas proximidades do rio Purus, no interior da Reserva Extrativista do Médio Purus, em Lábrea.

Somente um ano depois a Funai, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), publicou uma portaria com “medidas cautelares para a proteção de indígenas isolados” da região da Lábrea, em dezembro de 2022. A portaria desta semana, é um instrumento mais robusto de proteção aos isolados.

Situação do Igarapé do Caribi

Conforme reportagem da CENARIUM de outubro deste ano, o avistamento de indígenas isolados, numa região entre os municípios de Silves e Itapiranga, levou a Funai a recomendar “fortemente a suspensão imediata das atividades de exploração de gás realizada pela empresa Eneva S.A. e do plano de manejo florestal por parte da Mil Madeiras Preciosas”.

A medida é uma forma de garantir proteção a esses povos que foram visualizados, em agosto de 2023, por uma equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que fazia diligências na área de abrangência das duas empresas. De acordo com parecer da Funai, elaborado após expedição ao local, a exploração de gás e madeira coloca “duplamente a vida destes povos isolados em extremo risco”.

A área onde esses indígenas foram avistados, segundo a Funai em ofício ao MPF-AM, fica a apenas 31 quilômetros, em linha reta, dos campos de prospecção de gás da Eneva S.A., empresa que explora o “Campo Azulão”, em Silves, e dentro dos lotes destinados ao manejo florestal para retirada madeireira da Mil Madeiras Preciosas.

Na recomendação pela interdição da área à Funai, o MPF sustenta que “a presença de qualquer pessoa nas áreas onde vivem os povos isolados ocasiona graves ameaças à vida e à própria existência desses grupos, dadas suas vulnerabilidades frente a nossa sociedade, principalmente sob o aspecto epidemiológico (doenças), devendo incidir o princípio da precaução com a adoção da medida administrativa cautelar da restrição de uso”.

A CENARIUM pediu informações ao Ministério dos Povos Indígenas sobre o requerimento do senador Hiran Gonçalves, mas até o fechamento desta matéria ainda não havia recebido retorno.

(*) O termo “índio” foi utilizado na matéria porque, neste caso, é a designação oficial para se referir ao departamento que cuida dos indígenas isolados na Funai.
Leia mais: Justiça manda Funai concluir demarcação de terra indígena no AM
Editado por Adrisa De Góes

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