Lucas Ferrante – Especial para Cenarium**
Em novembro de 2022, participei de uma reunião com o governo de transição, o presidente Lula e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, referente às estratégias e demandas necessárias para a retomada da saúde no Brasil após o desmonte do sistema durante o governo do presidente Bolsonaro. Na ocasião, apontei a necessidade de ao menos uma dose de reforço contra a Covid-19 para toda a população uma vez ao ano, sendo o mais adequado para a diminuição de formas graves e sequelas da doença uma dose a cada quatro a seis meses, conforme apontavam nossos estudos publicados e revisados pelos pares. Na reunião, minha fala foi a única questionada pela atual ministra, que apontou não ser viável do ponto de vista econômico tal estratégia e que o Governo Lula estaria estudando uma estratégia de manter doses de reforço para parte da população, como grupos de risco e profissionais da saúde. Apontei que os estudos indicavam que tal medida era ineficiente e que poderia causar um recrudescimento silencioso da pandemia, uma vez que doses da vacina diminuem o risco de morte por Covid-19, mas novas reinfecções tendem a debilitar o organismo, causando a Síndrome Longa Covid, uma continuidade de sintomas mesmo após o final da infecção.

Reunião com o governo de transição e o presidente Lula ocorrida em 24 de novembro de 2022.
Poucos meses depois da reunião, o editor do renomado periódico científico Nature Human Behaviour solicitou um comentário sobre como os pesquisadores brasileiros viam a mudança de governo e o que seria esperado do Governo Lula pelos pesquisadores do País. O parecer, intitulado “O futuro da ciência brasileira”, publicado no primeiro semestre de 2023, trouxe a avaliação de vários pesquisadores prestigiados em suas áreas e com reconhecimento internacional, incluindo a bióloga e pesquisadora Mercedes Bustamante, a primeira presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Governo Lula, substituída pelo Ministério da Educação (MEC) em fevereiro deste ano pela professora e pesquisadora Denise Pires de Carvalho.
No meu segundo alerta ao governo federal, em meu parecer dentro da publicação da Nature, apontei: “Em 24 de novembro de 2022, participei de uma reunião com Lula e sua equipe de transição, que estavam se preparando para o novo governo que começaria em 1º de janeiro de 2023. Alertei sobre uma nova onda de Covid-19 que estava se formando no mundo e seus efeitos no Brasil, e ressaltei que estudos descobriram que a vacinação de pelo menos 90% de toda a população seria necessária para erradicar as formas graves de Covid-19, além da necessidade de uma dose de reforço a cada quatro meses. No entanto, preocupantemente, autoridades do Ministério da Saúde estão adotando a mesma estratégia de vacina usada para a gripe comum — uma dose de reforço anual — e seu plano de imunização cobre apenas pessoas dos grupos de risco e profissionais de saúde. Isso é insuficiente e resultaria em níveis totais de imunização abaixo daqueles obtidos no Governo Bolsonaro devido à perda de imunidade. O declínio da resposta imunológica ao longo do tempo, juntamente com a capacidade das sub-variantes de escapar da neutralização, significa que uma nova catástrofe está sendo potencializada.
Hoje, vemos uma nova catástrofe silenciosa se formando no Brasil devido à falta de doses de reforço e o combate ao coronavírus como se fosse uma gripe comum, resultando em um aumento expressivo de pessoas com sequelas graves da Covid-19. Entre as sequelas da Covid-19, destacam-se sintomas neuropsiquiátricos e respiratórios. Alguns dos danos são, fadiga, falta de ar, dor de cabeça, tontura e dificuldade para se concentrar, podendo ser permanentes. Diversos estudos já apontam que pacientes que tiveram Covid-19 apresentam perda de capacidade cognitiva e respiratória, não havendo perspectivas de recuperação total desses quadros, apesar dos tratamentos. Problemas cardíacos também têm aumentado em pacientes que tiveram a doença, e sua gravidade é inversamente proporcional ao número de doses de vacinas que o indivíduo tomou. Ou seja, quanto mais doses de vacina, mais protegidas as pessoas estão.
Atualmente, nossos modelos epidemiológicos, que foram capazes de prever a segunda onda de Covid-19 em Manaus e embasar o lockdown de Curitiba, evitando o colapso do sistema de saúde do Paraná durante a segunda onda de Covid-19, têm apontado que ainda vivemos em uma pandemia, embora silenciosa, onde a ausência de picos de óbitos esconde o número crescente de pessoas com sequelas.
Como recomendação, ainda é muito válido o uso de máscaras em ambientes com muita circulação de pessoas, como aeroportos e dentro de aviões, além de hospitais e unidades de saúde. Ao sentir sintomas como febre, indisposição, coriza e dor no corpo, é importante que se realize o teste de Covid-19 e, ao identificar a doença, é crucial manter o isolamento, principalmente de pessoas com comorbidades e grupos de risco, como idosos. É importante destacar que a vacinação diminui o risco de morte e sequelas da Covid-19, mas indivíduos vacinados ainda podem contrair e transmitir o vírus. O grau de proteção também é proporcional ao grau de vacinação, ou seja, pessoas com ciclo vacinal completo estão mais protegidas do que aquelas que tomaram duas, uma ou nenhuma dose, respectivamente.
Ao governo do presidente Lula e à ministra Nísia Trindade, ainda não é tarde para ampliar a vacinação contra a Covid-19 e realizar uma campanha de saúde mais eficaz para conscientizar a população sobre a importância da vacinação e como a Covid-19 ainda pode afetar a todos.
(*) Lucas Ferrante é biólogo, mestre e doutor em Biologia. Publicou sobre a Covid-19 nos dois maiores periódicos científicos do mundo, as revistas Science e Nature. Coordenou o estudo sobre o primeiro caso de reinfecção por coronavírus na região Amazônica e o estudo que deu o alerta de segunda onda de Covid-19 para a Amazônia com cinco meses de antecedência. Suas pesquisas embasaram a lei de acesso à internet gratuita para professores durante a pandemia, recomendações de deputados ao Ministério da Saúde para ampliar a vacinação em Manaus para conter uma terceira onda de Covid-19, e o lockdown em Curitiba, que evitou o colapso do sistema de saúde e mais de 1.500 mortes. Em 2024, ganhou o prêmio de melhor publicação científica no Journal of Public Health Policy pelo estudo que apontou como o Brasil se tornou um dos epicentros globais da Covid-19.
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