Servidor da Embrapa repete Musk e faz gesto similar a ato nazista


Por: Jadson Lima

29 de janeiro de 2025
Servidor da Embrapa (AM) faz gesto similar à saudação nazista (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
Servidor da Embrapa (AM) faz gesto similar à saudação nazista (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

MANAUS (AM) – O servidor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Marcelo Costa Mota, 46 anos, repetiu o comportamento do empresário Elon Musk e fez um gesto similar à saudação “Sieg Heil“, usada por Adolf Hitler no regime totalitário alemão, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), de acordo com imagens obtidas pela CENARIUM.

A fotografia de Marcelo foi publicada no dia 25 de janeiro, cinco dias depois de Musk fazer ato semelhante na posse do presidente Donald Trump em Washington (EUA). Após a imagem repercutir em grupos de mensagens por aplicativo, o servidor pronunciou-se em uma rede social e disse que o gesto foi uma “brincadeira”; em seguida, ele apagou. O empresário Elon Musk também negou a referência nazista após ser criticado e justificou que o ato simbolizava “o coração alcançando a multidão”.

De acordo com a legislação brasileira, é proibido “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. Conhecida como a “Lei do Racismo” (nº 7.716/89) estabelece que a pena para condenado por esses crimes varia de dois a cinco anos de prisão. O Código Penal Brasileiro, no artigo 287, tipifica o crime de apologia e estabelece pena de três a seis meses de detenção ou multa. Quando há associação a símbolos ou ideologias que promovam discriminação ou intolerância, a conduta pode ser analisada.

Na imagem, a qual a reportagem da CENARIUM teve acesso, o servidor da Embrapa veste uma bermuda clara e uma camisa preta, enquanto ergue o braço direito inclinado para cima e os dedos da mão levemente para baixo. Ele também segura uma bandeira vermelha, branca e preta, com uma águia e uma cruz. Os símbolos e o gesto são similares aos usados pela Alemanha nazista. Procurado para se manifestar sobre o caso, o servidor afirmou que passaria os questionamentos para a sua assessoria jurídica. Veja o registro do gesto:

Servidor de empresa vinculada ao Ministério da Agricultura faz gesto nazista em foto (Imagem obtida pela CENARIUM)

Marcelo Costa Mota é servidor da Embrapa em Manaus (AM), no núcleo de Tecnologia da Informação. De acordo com as informações consultadas pela CENARIUM, ele ocupa o cargo de técnico, no setor de chefia geral. As informações também apontam que ele ingressou no órgão em 29 de setembro de 2008.

À CENARIUM, a instituição vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou, na terça-feira, 28, que “está apurando os fatos para adotar as medidas cabíveis com base em suas normas internas e na legislação”.

Site da Embrapa mostra que Marcelo Costa atua como técnico na instituição (Reprodução/Embrapa)
Segundo Reich

À CENARIUM, o doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e professor na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) César Augusto Queirós afirmou que o registro mostra o homem claramente reproduzindo uma saudação nazista que, segundo ele, é reforçada pela presença bandeira do Segundo Reich. O especialista explica que o nazismo se apropriava e reconvertia muitos símbolos nacionais. 

“Claramente, ele está reproduzindo uma saudação nazista, o que se reforça pela utilização da bandeira do Segundo Reich. A águia, que é um símbolo da Alemanha, foi reapropriada e a suástica foi introduzida. Na cruz de ferro, que está na bandeira, também foi introduzida uma suástica no meio da cruz de ferro”, disse o doutor.

César Augusto aponta que os símbolos são usados por neonazistas e pela extrema direita, como forma de reafirmação de ideais supremacistas. O especialista destacou que os extremistas carregam uma parte significativa dessa visão, anti-imigratória e xenofóbica. “Em princípio, temos que entender essas manifestações como manifestações caracterizadas pela sanção da extrema direita, que traz consigo esses ideais perigosamente próximos do nazismo e do fascismo”, concluiu.

Ligação musical

Além de servidor da Embrapa, Marcelo também é o proprietário de um selo de música independente chamado Kingdom of Darkness Productions e foi integrante da Black Metal Manaus. Após a foto com referências ao nazismo se espalhar em grupos de aplicativos de mensagens, ele se pronunciou na página do selo, nas redes sociais, e afirmou que o registro foi “uma brincadeira”. A publicação foi apagada, mas a reportagem teve acesso à íntegra do conteúdo.

Para confirmar a ligação de Marcelo com o selo de música independente e, consequentemente, com a publicação em que ele se retratava dos gestos nazistas, foi consultado o site da banda “Black Goat”, da qual ele também fez parte. De acordo com as informações disponíveis no sistema, Marcelo ingressou no grupo em 13 de setembro de 2014. Além disso, os dados, atualizados em outubro de 2023, confirmam que ele é o proprietário da Kingdom of Darkness Productions. Veja:

Registro feito no site da banda Black Goat, no qual aponta que Marcelo é o proprietário do selo Kingdom of Darkness Productions (Reprodução)
Nota apagada

Na nota de retratação divulgada nas redes sociais, Marcelo Mota afirmou que a imagem, na qual ele aparece fazendo o gesto associado ao nazismo, “foi postada por terceiros”. Ele declarou que sempre foi “taxado como playboy, roqueiro de condomínio e ‘nazi’ [expressão para nazista]”, e disse ser vítima de “difamação”, além de ter feito referência a uma reportagem exibida no Fantástico, da TV Globo, no último domingo, 26, que tratou de bandas brasileiras de Black Metal ligadas à ideologia nazista.

O servidor da Embrapa detalhou, ainda, que a foto foi tirada durante um encontro com dois amigos, no último sábado, no momento em que eles consumiam bebidas e escutavam música. Segundo ele, o registro foi uma “brincadeira” em meio à “gritaria” que tem marcado os debates políticos e o atual cenário da cena metal. “Foi quando fizemos uma foto, brincando sobre tudo isto e acabou vazando e ganhando proporção”, disse Marcelo, por meio do perfil Kingdom of Darkness Productions.

O homem não esclareceu a presença de uma bandeira com símbolos nazistas no local, nem deu explicações sobre o contexto em que ela apareceu na imagem. O registro também não mostra os dois amigos que ele menciona no texto publicado. Veja o texto na íntegra, publicado e apagado depois:

A CENARIUM teve acesso ao conteúdo publicado por Marcelo após a repercussão do caso (Reprodução)

Após a repercussão do caso, Marcelo teria encaminhado uma outra mensagem em um aplicativo de mensagens, na qual afirma que está “pensando” em encerrar as atividades do selo, porque algumas bandas criadas por ele se posicionaram contra o Kingdom of Darkness Productions. “Só devo respeitar a vontade dos mesmos. Não forçarei ninguém a estar ao meu lado […] Não preciso e nunca precisarei mandar mensagem para ninguém”, disse. Veja mensagem enviado por um membro do grupo à CENARIUM:

Mensagem que foi enviada por Marcelo Costa em um grupo de WhatsApp (Conteúdo obtido pela CENARIUM)
Grupo de servidor

O servidor da Embrapa também administra um grupo, segundo informações obtidas pela CENARIUM, cujo nome é o mesmo do selo: Kingdom of Darkness Productions. Em uma das mensagens encaminhadas nesse grupo, um integrante, cuja identidade não foi possível confirmar, afirma que “se o comunista p** no c* ainda tiver aqui, a gente vai para a cadeia”.

Na mesma mensagem, enviada às 15h51, o homem descreve uma tatuagem em formato de círculo no dorso da mão dele, que tem semelhanças com uma suástica. Ele afirma que foi a uma delegacia denunciar o furto de uma motocicleta e a autoridade policial o interrogou sobre a tatuagem.

Falei para ele [delegado] que se trata de um sol negro e, para mim, na minha visão, tem o significado importante. Eu tive que depor a respeito da tatuagem para depois registrar o Boletim de Ocorrência [sobre o furto do veículo]”, disse. Veja mensagem:

Integrante de grupo menciona cadeia, caso haja possível vazamento de troca de mensagens (Conteúdo obtido pela CENARIUM)

O Sol Negro (Schwarze Sonne, em alemão) é um símbolo esotérico associado ao ocultismo nazista e, posteriormente, a movimentos neonazistas e de extrema direita. O símbolo se desenha como um círculo com 12 raios, que irradiam a partir do centro e criam um formato similar ao de uma roda solar.

O símbolo não foi amplamente utilizado pelo governo nazista na época, mas foi redescoberto no pós-guerra e passou a ser adotado por grupos neonazistas, supremacistas brancos e movimentos esotéricos de extrema direita. Em muitos casos, foi adotado como alternativa à suástica, que é proibida em diversos países. Em 2022, a foto de um militar ucraniano que carregava o Sol Negro viralizou nas redes sociais e o tema foi abordado na imprensa internacional.

Imprensa abordou Sol Negro em foto de militar ucraniano em 2022 (Reprodução/Redes Sociais)

No grupo de mensagens atribuído a Marcelo Mota, após enviar a foto do Sol Negro, o mesmo contato envia uma outra mensagem, que é seguida por mais três nos próximos minutos. Ele menciona que teria questionado a autoridade policial se ela passaria duas horas lhe ouvindo sobre explicações do “significado [da tatuagem]”. “Ele [delegado] me disse que pensou que fosse o símbolo do nazismo”, destacou.

O autor da mensagem também diz que, mais uma vez, teria questionado a autoridade policial se ela tinha estudado história. “Já ouviu falar sobre a república de Weimar?”, em alusão ao período de transição entre a Primeira Guerra Mundial e o nazismo. “Sobre isso que ocorreria, sobre a opressão judaica sobre os alemães ninguém nunca falou”. Ele também faz críticas ao parlamento brasileiro e afirma que os deputados e senadores são os “responsáveis por essas leis fajutas sem fundamento”. Veja mensagens:

Mensagens em grupo administrado por servidor da Embrapa mostram difusão de ideias extremistas (Conteúdo obtido pela CENARIUM)

Quase cinco horas depois, outro integrante do grupo administrado por Marcelo Costa, identificado nas mensagens como Rafael Teles, responde a uma mensagem do servidor da Embrapa, a qual mostra a foto dele fazendo o gesto em apologia ao nazismo e oferece apoio. A reportagem apurou que o nome dele completo é Rafael Junqueira Lima Teles e o DDD é do Estado de Mato Grosso do Sul.

“Esquenta não […] Se quiser que eu ajude, posto uma foto do meu Mein Kampfa autografado”, diz Teles em referência ao livro de dois volumes de autoria de Adolf Hitler, no qual ele expressou todas as ideias antissemitas, anticomunistas e nacionalistas de extrema direita.

Às 20h41, outra mensagem é encaminhada por Rafael Teles, na qual ele afirma que “muita gente vai aproveitar para lacrar como dono de alguma verdade”. O integrante do grupo cita que “o lance é levar para o litígio e tocar o terror. Estamos juntos…666”, finaliza. Veja mensagens:

Rafael Teles tem DDD de Mato Grosso do Sul (Registro obtido pela CENARIUM)

O grupo que difunde ideias neonazistas também tem integrantes de quatro Estados brasileiros, entre eles São Paulo, Mato Grosso do Sul e Amazonas. As informações constam nos conteúdos, aos quais a CENARIUM teve acesso. A reportagem também apurou que o nome completo integrante de Sergipe é Warwick Gomes Alves. Ele também manda uma imagem no grupo, mas não é possível identificar do que se tratava.

Brasil criminaliza apologia

A Lei do Racismo no Brasil prevê como crime “a fabricação, comercialização, distribuição e veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo”. A infração está prevista no artigo 20, §1º, da Lei nº 7.716/1989 e a pena prevista é de dois a cinco anos de reclusão e multa.

Trecho da Lei do Racismo em vigor no Brasil (Reprodução/Planalto)

O artigo 287 do Código Penal brasileiro tipifica a infração de apologia ao crime e estabelece pena de três a seis meses de detenção ou multa “para a exaltação pública de fato criminoso ou de seu autor”. “Quando há associação a símbolos ou ideologias que promovam discriminação ou intolerância, a conduta pode ser analisada sob a perspectiva da legislação vigente”, pontuam especialistas consultados pela reportagem.

O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial, que orienta os países signatários a adotarem as medidas para coibir e punir manifestações de ódio racial e apologia a regimes totalitários responsáveis por crimes contra a humanidade.

É atribuição da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) investigar denúncias da utilização de símbolos nazistas e gestos associados a esse contexto.

Embrapa procurada

A CENARIUM procurou a Embrapa, por meio da assessoria de imprensa, para comentar o caso envolvendo o servidor Marcelo Costa, que ocupa o cargo de técnico no núcleo de Tecnologia da Informação. A instituição informou que “não tem conhecimento” do caso, repudiou “de forma veemente manifestações como a retratada na imagem” e destacou que “está apurando os fatos para adotar as medidas cabíveis”.

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Editado por Adrisa de Góes

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