Servidora da Funai é suspeita de beneficiar marido em contratos de R$ 500 mil
Por: Jadson Lima
11 de março de 2025
Rutileia atua na Coordenação Regional Vale do Javari e o esposo dela teria sido beneficiado em esquema (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
MANAUS (AM) – A servidora da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Rutileia de Almeida Bernardo foi denunciada por lideranças indígenas à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) sob suspeita de favorecer a empresa do marido dela, Robert Miguel Vargas Ramos, em contratos que totalizam mais de R$ 500 mil. A CENARIUM teve acesso ao ofício, nesta terça-feira, 11, que detalha como a servidora realizou o favorecimento.
Rutileia atuava na Coordenação Regional Vale do Javari, na região Oeste do Amazonas, e realizou atos de dispensa de licitação que teria favorecido a empresa do marido dela com sede em Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre. A coordenadora regional da Funai, Nelly Duarte, e o Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, Iltercley Chagas Rodrigues também são mencionados.
Servidora da Funai e o marido dela, que ganhou contratos com a instituição que somam mais de meio milhão (Reprodução/Redes Sociais)
Os contratos eram para aquisição de bens e serviços contratados pela Funai no Estado do Amazonas, na Terra Indígena do Vale do Javari (AM). De acordo com a denúncia, Rutileia de Almeida, responsável por conduzir processos licitatórios e dispensas de licitação dentro da Coordenação Regional do Vale do Javari, “tem sistematicamente favorecido a empresa R. M. V RAMOS LTDA, inscrita no CNPJ: 27.493.671/0001-98″, que pertence a Robert Ramos, e tem como como atividade principal “serviços de tatuagem e colocação de piercing”. O endereço da empresa fica na cidade de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, distante 455quilômetros de Atalaia do Norte (AM).
Empresa de tatuagem forneceu serviços de hospedagem e alimentação para a Funai (Reprodução)
Documentos enviados à reportagem apontam que, entre as aquisições feitas pela Funai estão: a contratação de serviços de hospedagem, fornecimento de alimentação, serviços de manutenção de impressora, instalação e manutenção de câmeras de vigilância e transporte de carga fluvial, além de material de limpeza e higiênico. A assinatura da servidora da instituição vinculada ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) consta em todos os atos para contratar os fornecimentos dos serviços.
Além da servidora, as lideranças indígenas denunciaram a atual coordenadora regional da Funai, antropóloga Nelly Duarte, da etnia Marubo, por ter assinado pagamentos e convalidado as dispensas de licitação favorecendo a empresa de Robert Ramos, marido da servidora da Funai. A denúncia também menciona o Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, Iltercley Chagas Rodrigues, porque, segundo eles, “a mesma empresa tem prestado ou tende aprestar serviços para a Frente de Proteção”.
Coordenadora da Funai no Vale do Javari, Nelly Duarte, assinou documentos após pedido formal de Rutileia de Almeida (Documento obtido pela CENARIUM)
“Essa empresa tem sido reiteradamente contemplada com contratos e pagamentos pela Funai, totalizando mais de R$ 500.000,00, em flagrante afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade na administração pública […] Diversos serviços já foram pagos, enquanto outros ainda serão liquidados, mas a dispensa de licitação já foi realizada garantindo a continuidade do favorecimento ilícito”, diz trecho da denúncia enviada à Unijava.
Contratos
Os contratos entre a empresa e a Funai no Amazonas que somam mais de R$ 500 mil foram firmados por meio de atos que autorizam a contratação direta para a aquisição de produtos e prestação de serviços em um período de 110 dias, entre 11 de setembro de 2024 e 30 de dezembro do mesmo ano. Todos os procedimentos foram assinados por Rutileia de Almeida, por meio de dispensa de licitação.
No primeiro ato de autorização de contratação direta, ou seja, dispensando o processo de licitação para fornecer o produto, a empresa de Robert Miguel Vargas Ramos garantiu R$ 93,9 mil para o fornecimento de alimentos e material de limpeza “para apoiar na realização de quatro Oficinas de Escuta sobre Territórios Etnoeducacionais (TEEs) com povos indígenas do Vale do Javari”. Entre os produtos, constam no documento carne bovina, açúcar e café. Veja documento:
Cinco dias depois, a mesma empresa, cuja razão principal é serviços de tatuagem e colocação de piercing, foi mencionada em outro ato que autorizou compras “para atender a solicitação de poio para as Oficinas de escuta sobre Território Etnoeducacionais com Povos do vale do Javari e Juruá”. Dessa vez, o valor estimado foi de R$ 59 mil, o mesmo homologado para compra. Dois dias depois, um outro procedimento foi aberto para comprar materiais de limpeza que, juntos, somaram mais de R$ 36 mil. Veja documento:
Em 6 de dezembro do ano passado, mais um ato que autoriza a contratação direta foi gerado. Dessa vez, o documento previa a contratação de empresa prestadora de serviços de instalação e manutenção de câmeras de vigilância. Mais uma vez, a empresa contratada foi o marido da servidora Rutileia de Almeida. A previsão era que a instalação de sistema eletrônico integrado de segurança garantisse a ele mais R$ 58,5 mil. Veja documento:
Ao todo, foram assinados nove atos de autorização de contratação direta que, somados, ultrapassam R$ 531 mil. A denúncia das lideranças indígenas à Unijava classifica a suspeita de favorecimento como “flagrante afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade na administração pública”.
Falta de transparência
As lideranças indígenas também afirmam no ofício que Nelly Duarte e Iltercley Chagas Rodrigues promoveram uma série de atos que dificultaram a transparência em serviços disponibilizados aos indígenas da região. “A prestação de serviços ao usuário indígena tem sido marcada pela opacidade e ausência de informações claras sobre a aplicação dos recursos públicos”, pontuam em outro trecho.
Para eles, a conduta dos denunciados viola princípios basilares da administração pública, conforme previsto na Constituição Federal, como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além da proibição do favorecimento e da concessão de vantagens indevidas a terceiros, dentre outros.
Em documento, as lideranças pedem investigação imediata do Ministério Público Federal (MPF) para apurar a suspeita de corrupção em contratos firmados entre a Coordenação Regional Vale do Javari, a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari e a empresa R. M. V RAMOS LTDA. Eles também querem o afastamento imediato da Coordenadora Regional, Nelly Duarte, do Coordenador da Frente de Proteção, Iltercley Chagas Rodrigues, e da servidora Rutileia de Almeida.
Ao todo, são seis pedidos, entre os quais se incluem, ainda, auditoria dos processos licitatórios e pagamentos realizados nos últimos anos para apuração da extensão dos desvios; adoção de medidas para garantir transparência e lisura nos processos administrativos da Funai no Vale do Javari, além da “exposição pública da denúncia junto à mídia para que a presidência da Funai tome providências imediatas na exoneração dos citados servidores”.
A CENARIUM procurou a Funai para solicitar esclarecimentos sobre o caso. À instituição, a reportagem questionou quais protocolos o órgão adota para coibir esse tipo de prática denunciada pelas lideranças indígenas do Vale do Javari. O órgão confirmou que a a servidora Rutileia de Almeida Bernardo foi exonerada do cargo comissionado de Chefe de Serviço de Apoio Administrativo (SAA) da Coordenação Regional Vale do Javari, em 25 de fevereiro de 2025.
“A Funai aguarda a conclusão das investigações em andamento na Corregedoria. Cabe ainda informar que tal medida está em consonância com os princípios da Administração Pública, especialmente os previstos no artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece a observância aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, diz trecho da nota.
A reportagem entrou em contato com a servidora Rutileia e com o empresário e marido dela, Robert Ramos, por meio das redes sociais do casal, solicitando esclarecimentos sobre os contratos, e aguarda retorno. A CENARIUM tenta contato com os demais citados.
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