Silvia Waiãpi: a mulher que envergonha o povo que diz representar


Por: Inory Kanamari

23 de novembro de 2025

Quem é Silvia Waiãpi? Essa pergunta deveria ser simples. Mas no Brasil de hoje, onde até a identidade indígena virou moeda política, a resposta se torna um campo de disputa. Silvia se declara indígena do povo Waiãpi. Mas os Waiãpi dizem que ela não é. E quando um povo nega alguém, isso precisa ser levado a sério.

Sou mulher indígena, advogada, com anos de atuação. E afirmo com toda a responsabilidade que carrego: a autodeclaração, sozinha, não faz de ninguém uma pessoa indígena. Ser indígena é viver uma história, é ser reconhecida pelo seu povo, é carregar nas palavras, na pele e na alma os ensinamentos dos ancestrais. É pertencer — e ser aceito. Fora disso, o que existe é fantasia ou, pior, oportunismo.

Silvia diz ser Waiãpi, mas sua trajetória pessoal e política mostra justamente o contrário. Não há convivência com seu povo. Não há reconhecimento coletivo. Não há história compartilhada. Pior: há o total repúdio por parte dos próprios Waiãpi. E isso muda tudo.

Deputada federal Silvia Waiãpi (Reprodução)

Essa situação não é um caso isolado. Há um fenômeno crescente e preocupante de falsas autodeclarações indígenas, muitas vezes feitas por pessoas que se apropriam de identidades que não lhes pertencem. E não é apenas uma questão moral — é uma questão legal. Essas falsas identidades são usadas para acessar vagas em universidades, ocupar cargos públicos, disputar eleições, em nome de povos que sequer as reconhecem.

No caso de Silvia, a incoerência é gritante. Suas falas e posicionamentos públicos caminham na contramão dos direitos dos povos indígenas. Como pode alguém que se diz indígena agir de forma abertamente anti-indígena? Como pode alguém que afirma representar um povo, defender com entusiasmo justamente os inimigos dos povos originários?

Silvia pode até tentar se justificar, dizendo que está sendo rejeitada por pensar diferente. Mas não é sobre opinião. É sobre vínculo, vivência, verdade. Quando uma pessoa é de fato indígena, seu povo jamais negaria sua identidade apenas por divergência política. O que os Waiãpi denunciam não é uma discordância — é a total ausência de pertencimento.

Ela não consegue comprovar seus laços com o povo que diz representar. E, ao invés disso, tudo que sua história deixa evidente é a instrumentalização de uma identidade para fins de poder. Usou o nome dos Waiãpi como trampolim, e agora que está no topo, vira as costas para os mesmos que diz representar.

Se for comprovado que Silvia não é indígena — e tudo indica que não é — será um alívio coletivo para os povos originários. E o povo Waiãpi, vítima dessa apropriação, deveria ser reparado pelo uso indevido de seu nome e identidade.

Mas se, em um cenário remoto, for reconhecida como indígena por vias formais, restará um gosto amargo: a dor de ver entre nós alguém que representa exatamente o que nos ameaça. Alguém que carrega o nome de um povo que a repudia. Alguém que, mesmo se for indígena, se tornou a maior vergonha de seu povo.

Este artigo não tem como objetivo atacar uma pessoa. Ele é um alerta. Um chamado urgente para que o Brasil encare de frente uma pergunta incômoda: quem tem o direito de falar em nome dos povos indígenas?

Não basta dizer. É preciso viver, ser reconhecida, e principalmente não trair aquilo que seu povo luta para proteger: a dignidade, a memória e o direito de existir.

(*)Inory Kanamari é a primeira advogada indígena do povo Kanamari e uma das vozes mais relevantes na defesa dos direitos dos povos originários. Palestrante com mais de 50 apresentações no Brasil e no exterior, já integrou comissões da OAB-AM e do Conselho Federal da OAB, e atualmente é membra consultora da OAB-RJ (2025-2027). Atuou como consultora no projeto do CNJ que traduziu a Constituição Federal para a língua Nheengatu e foi professora convidada da Escola de Verão da Universidade Metropolitana de Toronto, no Canadá, em parceria com a Participedia.

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