‘Só conhece a Amazônia quem vive’, diz professor da Ufam sobre mudanças em Conselho

Segundo o governo federal, Política Conselho da Amazônia vai unificar ações do governo. Foto: Divulgação

Stephane Simões – Da Revista Cenarium

MANAUS – A falta de membros da Fundação Nacional do Índio (Funai) e estudiosos da área ambiental no Conselho Nacional da Amazônia, que passa a funcionar na vice-presidência da República apenas com militares e policiais federais, pode causar imensos prejuízos para a região, segundo o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Rogério Fonseca.

O documento, com os nomes que irão compor o Conselho, foi publicado no Diário Oficial, no último dia 17.

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Entres os membros nomeados estão 15 coronéis, sendo 12 do Exército e três da Aeronáutica, além de dois majores-brigadeiros e um brigadeiro. Outros quatro delegados da Polícia Federal também compõem a lista. Eles foram indicados pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O Conselho é presidido pelo vice-presidente da República, general Hamilton Mourão.

Professor da Ufam comentou sobre o assunto à REVISTA CENARIUM. Foto: Arquivo pessoal

“O Conselho da Amazônia, ao contrário do que muitos pensam, ele não pode ser político. Para nós, seria um passivo muito grande não ter membros da comunidade científica e de algumas organizações não-governamentais representadas no Conselho”, disse Fonseca, mestre em ciências florestais e ambientais.

Um dos pontos destacados pelo professor é justamente a falta de pessoas que já possuem experiência e vivência na região amazônica, ao qual órgãos e pesquisadores estão inseridos e já contribuem há anos.

“Região Amazônica a gente só consegue aprender vivendo como Amazônida, não como aquele indivíduo que chega aqui e fica dentro de uma vila militar. Eles não têm mais experiência que um professor universitário que sempre está em terras indígenas, unidades de conservação e conhece a Amazônia como a palma das mãos. Eu mesmo me senti ofendido com a composição do Conselho”, disse.

Para ele, o mais indicado seria que o Conselho fosse composto por órgãos que envolvem pesquisas, educação, saúde e segurança pública estaduais, com pelo menos um representante de cada área.

Em relação a esta nova composição, Fonseca acredita que uma das grandes perdas é a falta de representantes da Funai entre os membros do Conselho.

“Eu vejo isso com muito maus olhos. Para mim, é o grande gargalo. Isso pode ser um elemento propiciador para aumentar as diferenças e deixar mais distantes as instituições, com essa formatação só com militares”, afirmou.

Para o engenheiro ambiental e mestre em saneamento, José Antônio Bezerra, a não participação de órgãos competentes e profissionais que conhecem e atuam diretamente na proteção do ambiente é preocupante.

“Tudo o que foi conquistado até hoje poderá sofrer danos inseparáveis, já que não temos representação popular nas decisões. Mesmo havendo oportunidade de autoridades, especialistas e representantes nacionais e internacionais participarem da reunião a convite do chefe do Executivo, isso não tem garantia de representação popular de interesse coletivo”, comentou Bezerra.

O especialista acrescentou, ainda, que é bem provável que a região sofra prejuízos ambientais, do ponto de vista da preservação, visto que o Ministério do Meio Ambiente perdeu a autonomia no Conselho.

“O Ministério do Meio Ambiente fica sem função, e quem sabe será mais um órgão instinto no futuro. Não precisamos criar outras instituições independentes, precisamos de ações e condições que fortaleçam os que já existem para atuarem no desenvolvimento sustentável do Brasil”, concluiu.

Mudanças no Conselho

O Conselho Nacional da Amazônia, que era do Ministério do Meio Ambiente desde 1995, foi realocado para a vice-presidência, quando o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, no dia 11 de fevereiro deste ano. Com isso, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, foi nomeado para presidir o Conselho.

O vice-presidente Hamilton Mourão durante entrevista coletiva à imprensa no Palácio do Planalto para falar sobre as mudanças no Conselho. Foto: Agência Brasil.

No dia 25 de março deste ano, Mourão participou da primeira reunião, já como presidente do Conselho. Em uma rede social, ele defendeu a união dos estados com o governo federal e o compromisso de garantir a proteção da Amazônia.

Desde a transferência do Conselho, Mourão visitou oito governadores de estados que formam a Amazônia Legal. O conselho é formado por representantes de 14 ministérios e tem 13 competências descritas em decreto.

Uma delas é “propor políticas e iniciativas relacionadas à preservação, à proteção e ao desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal, de forma a contribuir para o fortalecimento das políticas de Estado e assegurar a ação transversal e coordenada da União, dos estados, dos municípios, da sociedade civil e do setor privado”.

De imediato, informou General Mourão, a ideia é que o conselho se antecipe a eventuais problemas relacionados a queimadas e desmatamento na região. No ano passado, de acordo com dados consolidados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi registrado um aumento de 30% de queimadas na Amazônia, na comparação com 2018. O vice-presidente não descartou solicitar novamente o apoio das Forças Armadas para coibir ações ilegais na região.

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