Sob trilhos: entenda como três projetos ferroviários podem impactar Mato Grosso
Por: Davi Vittorazzi
08 de agosto de 2024
CUIABÁ (MT) – Considerado o maior produtor e exportador de grãos do País, Mato Grosso usa a rota das rodovias como principal logística do transporte de suas commodities. Esse cenário poderá ser alterado nos próximos anos com a implementação de três projetos de ferrovias no Estado. A vantagem de redução de custos e eficiência de transporte cria um dilema com os impactos ambientais que podem ser gerados com a execução desses projetos.
Com investimentos que ultrapassam bilhões de reais, os projetos são: Ferrovia Vicente Vuolo, que será a primeira do segmento estadual no País, a Ferrogrão e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). Os projetos dos empreendimentos ferroviários visam facilitar o escoamento da produção, por ser mais eficiente no deslocamento a longas distâncias em comparação com transporte rodoviário.
Há, ainda, o potencial de desafogar as rodovias, em especial a BR-163 e, consequentemente, reduzir os números de acidente e de mortes. Por outro ponto, esses empreendimentos, na maior parte ainda em fase de projeto, também estimulam o desmatamento em regiões do traçado ferroviário. Além disso, com a implantação, eles podem alternar os ecossistemas naturais.
Impactos negativos
O biólogo e pesquisador doutor Lucas Ferrante explica que projetos de grande porte, como ferrovias, devem ser analisados de uma forma ampla, considerando os impactos ambientais, econômicos, sociais e de saúde pública. Ele destaca muitos projetos do país não apresentam um documento importante para se medir os impactos, o relatório de viabilidade econômica.
“Sem dúvida nenhuma, ferrovias causam menos impactos do que estradas. Entretanto, ferrovias também podem causar o aumento do desmatamento, aumento de grilagem de terras, atropelamento de animais, perda de serviços ecossistêmicos, em decorrência da perda do desmatamento, assoreamento de cursos da água”, cita.
O ambientalista analisa que quando um empreendimento desse porte tem o projeto lançado e/ou é executado, há um fomento de parte de setores produtivos para o desmatamento de áreas próximas ao traçado da ferrovia.

Mato Grosso, que é um estado que contempla três biomas, a Amazônia, Cerrado e Pantanal, terá traçados de ferrovias passando por pelos três ecossistemas. Na avaliação do ambientalista, esse traçado gera grande preocupação, principalmente na área pantaneira. “É fundamental que para essas ferrovias siga o processo legal de licenciamento ambiental e que os órgãos ambientais decidam pela viabilidade ou não do empreendimento”, diz Ferrante.
“Os danos que uma ferrovia podem causar são muitos, inclusive, de vetores de doenças. A gente pega as grandes rodovias [que foram abertas] na Amazônia, por exemplo, o aumento de malária foi expressivo”, argumenta. O ambientalista ainda destaca que as mudanças climáticas favorecem ainda mais os impactos nos ecossistemas onde podem ser instalados esses empreendimentos.

“Nós precisamos lembrar que em um estudo publicado no Scientific Reports [uma revista acadêmica de referência internacional] aponta que alguns estados amazônicos, como Mato Grosso, o Pantanal, são alguns dos estados que podem fomentar o surgimento de uma nova pandemia, através de saltos zoonóticos que surjam por conta da degradação ambiental”, acrescenta como possível efeito colateral desse tipo de empreendimento que pode impactar toda população mundial.

O contexto atual de Mato Grosso é de pouca experiência com ferrovias. O único modelo instalado no estado é a Ferrovia Norte Brasil (EF-364), também chamada de Ferronorte, que está sob concessão federal para a Rumo Logística, que liga ligando Santa Fé do Sul (SP), passando por Alto Taquari, Alto Araguaia e Itiquira, até Rondonópolis, cidade a 214 quilômetros de Cuiabá, no Sul do estado. O trecho é considerado pequeno ao comparativo com a extensão do estado.
Os projetos
Ferrovia Estadual Vicente Vuolo: a Rumo também conseguiu a concessão instalação dos trilhos da Ferrovia Vicente Vuolo, que será a primeira ferrovia estadual do Brasil. Ela ligará o terminal de Rondonópolis até Lucas do Rio Verde, passando, ao todo, por 16 municípios mato-grossenses. A ferrovia terá 743 km de extensão. O investimento previsto é de 12 bilhões. A precisão de início das operações é para 2030. O projeto está em execução.

Ferrogrão: o projeto da Ferrogrão (EF-170) será construído na região Norte do estado e prevê uma linha férrea que começa em Sinop, a 403 quilômetros de Cuiabá, até o porto de Miritituba, em Itaituba (PA), distante 888 quilômetros de Belém. A extensão total é de 933 quilômetros e o investimento previsto é da ordem de R$ 12 bilhões para implantação.
Projeto suspenso
O desenvolvimento do projeto da Ferrogrão está paralisado em razão de uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2020. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi movida pelo PSOL, que questiona o traçado do projeto, nos limites do Parque Nacional do Jamanxim. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA) o projeto ainda precisa ser reavaliado, já que indígenas podem ser impactados pela construção da ferrovia.
O projeto é polêmico e visto com complexo pelo engenheiro de transporte da UFMT. “Não é um projeto de fácil execução. Não apenas a questão da logística que é complicada, porque é uma região sem apoio de transporte pesado, temos apenas a BR-163. Ele explica que não há apoio ferroviário pelo Norte, apenas pela região Sul”, explica o professor Miguel Miranda.

Fico: outro projeto de transporte no estado é a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, de concessão federal, com projeto da Infra S.A e execução da Vale. As obras de implantação da Fico iniciaram em março de 2022 e tem previsão de conclusão em 5 anos.
O plano define extensão de 888 quilômetros, sendo 383 quilômetros de Mara Rosa (GO) a Água Boa (MT) e 505 quilômetros de Água Boa a Lucas do Rio Verde (MT). O objetivo da obra é escoar a produção de soja e milho do centro norte de Mato Grosso em direção aos portos de São Luís (MA), Santos (SP) ou Paranaguá (PR).

O professor da UFMT avalia que para transportes a longa distâncias, as ferrovias apresentam o melhor desempenho do ponto de vista econômico. “É o melhor transporte para o país, por redução de custos de poluição ambiental e de manutenção de rodovias”, diz o engenheiro.
“Internacionalmente, em todos os continentes, a gente sabe que a partir de 400 quilômetros, o transporte ferroviário não perde para nenhum outro, em termos de desempenho e economia”, frisa Miranda.
O professor também explica que as ferrovias têm o potencial de reduzir os acidentes nas ferrovias. Uma das principais BRs que mais registra acidentes é a BR-163, que faz a rota de escoação da produção agrícola do Norte do estado. Só em 2023, foram registrados 902 acidentes com vítimas. Por conta das fatalidades, via também é chamada de “Rodovia da Morte”.
Miranda ainda explica as infraestruturas de transportes impactam em diversos setores da economia. A exemplo de quando se é depende das rodovias, o preço dos combustíveis costumar ser fatores determinantes nos custos de produtos, como os alimentos.
Os números apontam que o transporte ferroviário gasta de 5 a 8 vezes menos que o transporte rodoviário, quando se transporta a mesma carga em alta distância, conforme o pesquisador. “Essa vantagem só se percebe no dia seguinte, o trem rodou, já se percebe essa vantagem”, diz. Essa mesma redução também é apontada pelo especialista para redução de gases do efeito estufa.
Desafio a ser superado
Mesmo com impactos imediatos durante e após a implantação das ferrovias, os projetos devem começar a gerar impactos em um prazo de 5 a 10 anos. O pesquisador da UFMT, Miguel Miranda também destaca que a implantação do transporte ferroviário é um avanço, já que a política de transporte do Brasil sempre teve resistência ao modelo ferroviário, principalmente, do setor do transporte rodoviário.
“Há um monopólio rodoviário reconhecido internacionalmente”, diz. “O transporte ferroviário do país nunca foi um ‘parto’ fácil, sempre foi muito difícil, para começar pelo desmonte ferroviário que foi feito de 1945 a 2000”, diz.