Sociedade precisa adotar nova postura ‘não colonialista’ sobre a Amazônia para salvar a floresta
05 de junho de 2022

Com informações de O Globo
MANAUS — Em seu livro “A queda do céu” (Companhia das Letras), escrito em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert, o xamã Davi Kopenawa Yanomami se refere à sociedade ocidental com expressões como “povo da mercadoria” e “comedores de terra”. O contato do líder indígena com “os brancos” se deu por meio de gente que levou doenças ao território de sua etnia no Norte do Brasil, “rasgou o chão” da floresta para construir estradas, “cortou árvores para plantar capim” e revirou a terra e envenenou os rios em busca de algo que os Yanomami não conheciam: “oru”.
“É essa a lógica que precisa mudar, se quisermos salvar a floresta. Nossa sociedade levou à Amazônia uma postura predatória, destruindo a cobertura vegetal e massacrando povos originários. O desequilíbrio climático nacional que vemos hoje é o resultado disso”, afirma o ativista Márcio Santilli, fundador do Instituto SocioAmbiental (ISA) e ex-presidente da Funai.
“O mais urgente agora é frear o desmatamento. Mas, a longo prazo, precisamos investir em um modelo econômico na região que atenda à população local sem agredir o bioma e respeitando o modo de vida indígena. É uma mudança de paradigma”, defende.
Floresta é alvo
Chamada de “inferno verde” até o começo do século passado, a Amazônia era vista pelo Sul do País como uma área inóspita a ser desbravada em busca de riquezas como borracha, minério e madeira nobre. Segundo o jornalista e escritor manauara Márcio Souza, autor de “História da Amazônia” (Record), desde a adesão forçada da Província do Grão-Pará ao Brasil, nas Guerras da Independência, em 1823, o Norte se tornou “colônia de exploração” dos Estados ao Sul.
“Foi como se o Sul atrasado e escravagista tivesse vencido o Norte industrializado na Guerra de Secessão, nos Estados Unidos. A Amazônia se tornou alvo desse tipo de política burra de derrubar floresta para produzir carne e soja. Essa mentalidade colonialista precisa mudar”, critica o pesquisador, que foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) nos anos 1990 e do Conselho Municipal de Política Cultural de Manaus, a partir de 2013.
Para Souza, falta investimento em pesquisa voltada para a indústria médica e farmacêutica, por exemplo.
“A Amazônia tem uma infinidade de plantas com propriedades médicas, como o curare, que revolucionou a medicina ao ser usado na anestesia. Os indígenas têm muito a ensinar sobre isso. Mas, em vez de aprender com os povos que vivem aqui há milênios, nós os massacramos”, observa o escritor. “O investimento na ciência proporcionaria uma grande receita que se autorreproduz. Mas os centros de excelência em pesquisa da região estão definhando sem verba”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/l/3/4UoEASTUeE13gemJuRIQ/83943311-especial-a-corrida-pelo-ouro-dentro-da-reserva-yanomami-brasil-boa-vista-rr-30-07-2019.jpg)
Para ambientalistas, a visão “colonizadora” da Amazônia como reservatório de terra para pasto e monocultura é um tiro no pé. Cresce, no próprio agronegócio, a certeza embasada pela ciência de que a produção alimentícia precisa da floresta viva. Um dos principais serviços sistêmicos prestados pelo bioma no Norte são os “rios voadores”, que levam chuvas para as lavouras no Centro-Sul do País.
“O agronegócio depende do equilíbrio promovido pela Amazônia”, afirma o biólogo Roberto Waack, membro do conselho da Marfrig, uma das maiores fabricantes de carne bovina do Brasil. “É preciso acionar os mecanismos de comando e controle para frear o desmatamento criminoso e defender as reservas indígenas, que são as áreas mais preservadas. O País não precisa desmatar para aumentar a produção. Basta usar a tecnologia que já dominamos”, afirma.
Invasões intensificadas
Em 1993, quando chegou a Rondônia, como padre, para atender migrantes vindos de todas as partes do Brasil, mas, principalmente, do Paraná, atrás de terras, o catalão Josep Iborra ficou impressionado com a sequência de conflitos agrários motivados por invasões de áreas de comunidades tradicionais. Muitas tensões envolvem grandes empreendimentos em terras ocupadas por ribeirinhos e indígenas.
`”Essas invasões se intensificaram muito no atual governo federal, pela falta de fiscalização e de combate ao desmatamento”, conta Iborra, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “É como matar a galinha dos ovos de ouro”, compara.
Para defender os territórios e seu modo de vida, elementos indissociáveis, os indígenas se organizam em torno de denúncias e campanhas nas redes sociais e na rua. Mas pedem engajamento de toda a sociedade.
“É uma pauta global. Somos os povos detentores do conhecimento sobre a preservação e o amor pela Amazônia, porque a temos como mãe, mas essa preocupação precisa partir dos não indígenas também”, pondera Txai Suruí, a ativista do povo Suruí, de Rondônia, que discursou na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (COP26), na Escócia. “Temos que trabalhar a educação nas escolas, ensinar a verdadeira História do Brasil a partir do nosso olhar também. Apresentar a problemática ambiental para as crianças. Consigo ver uma nova perspectiva ambiental se mudarmos o governo e passarmos a seguir os acordos ambientais”, disse.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/K/B/du0UGtSk6wAegwfyvFPA/96062313.jpg)