‘Sociedade vai pagar conta’, diz porta-voz do Observatório do Clima sobre licenciamento


Por: Marcela Leiros

27 de maio de 2025
‘Sociedade vai pagar conta’, diz porta-voz do Observatório do Clima sobre licenciamento
Diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) da instituição, Marcos Woortmann (Fotos de: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados; Antonio Cruz/ Agência Brasil; Ralf Vetterle/Pixabay | Lucas Oliveira/CENARIUM)

MANAUS (AM) – A aprovação do novo Projeto de Lei (PL) do Licenciamento Ambiental pelo Senado foi duramente criticada por ambientalistas, especialistas em políticas públicas e organizações da sociedade civil, como é o caso do Observatório do Clima. À CENARIUM, o diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) da instituição, Marcos Woortmann, foi categórico ao afirmar que a sociedade pagará a conta do desequilíbrio ecológico causado pela flexibilização.

Para Woortmann, a flexibilização de normas ambientais favorece um ambiente propício à corrupção e legalização do desmatamento, além de transferir, à população, os custos sociais e ambientais de um modelo de desenvolvimento insustentável. O PL é tratado como “PL da Devastação” e a “mãe de todas as boiadas”.

Você está convidando um processo de corrupção imenso a acontecer, onde os empreendedores estão achando que vão se favorecer, mas são eles que vão pagar essa conta. Só que eles não vão pagar essa conta sozinhos, eles vão pagar a conta da corrupção e a sociedade vai pagar a conta do desequilíbrio ecológico que já está acontecendo“, afirmou o porta-voz do Observatório do Clima à reportagem, nessa segunda-feira, 26.

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Aprovação

Na quarta-feira, 21, o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.159/2021, também conhecido como “PL da Devastação“, criticado por fragilizar as regras de licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que reduz a responsabilidade de empresas por impactos socioambientais decorrentes das suas atividades.

Congresso Nacional em Brasília (Composição de Lucas Oliveira/Cenarium)

Antes da aprovação no Senado, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota pública em que expressou preocupação com a proposta, alertando que fragiliza o procedimento de licenciamento ambiental e torna ineficaz o controle do estado sobre empreendimentos que impactam o meio ambiente, assim como os direitos de povos e comunidades tradicionais.

Um dos pontos diz respeito à previsão que atividades como agricultura e pecuária sejam dispensadas de licenciamento ambiental caso estejam inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou aderidas ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) alertou que esses instrumentos não avaliam impactos como uso excessivo de água, poluição do solo e pressão sobre áreas de preservação, podendo legitimar danos significativos sem análise técnica.

A simples validação do CAR, o Cadastro Ambiental Rural, pode ter validade enquanto uma licença ambiental. É um completo absurdo. Se nós olharmos, por exemplo, a Amazônia e o processo todo de desmatamento que está em curso lá, e não só na Amazônia, mas principalmente ali, 98% do desmatamento é ilegal. Nós estamos falando de artifícios para começar a legalizar o desmatamento. Daqui a pouco a gente vai entrar naquelas falsas narrativas de que o desmatamento ilegal está sendo combatido. Só que não está sendo combatido, ele está sendo legalizado. Por esses instrumentos“, pontuou Marcos Woortmann.

O especialista lembrou, ainda, o caso de Cubatão (SP), cidade que já foi considerada a mais poluída do mundo e ficou conhecida como “Vale da Morte”. Na década de 1980, indústrias da cidade descarregavam aproximadamente mil toneladas de poluentes atmosféricos por dia.

A poluição da água, do solo e do ar, junto à falta de legislação ambiental da época, causou inúmeros casos de mortes por doenças respiratórias e anencefalia, condição em que o cérebro e o crânio não se desenvolvem.

A gente está falando de bebês que nascem sem cérebro, índices de câncer de quase 90% espalhados em toda a sociedade, envenenamento de populações inteiras pela indústria petroquímica, pela indústria pesada, por metais pesados, por arsênio, por chumbo, por mercúrio. Estamos falando de tudo isso que na época, do grande salto dos anos 70, era visto como desenvolvimento. As pessoas naquela época não tinham o conhecimento que tem hoje. Hoje nós já temos. Hoje nós vimos o que é o resultado de ter e não ter licenciamento“, completou ele sobre a cidade que virou símbolo de recuperação ambiental.

Nota técnica

A aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, por 54 votos a favor e 13 contra, foi considerada, pelo Observatório do Clima, “o maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas, desde a Constituição Federal de 1988“. Em nota técnica, a organização analisou que os principais retrocessos presentes no texto aprovado em 2021, na Câmara dos Deputados, estão mantidos.

De acordo com a avaliação, o projeto ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, assim como as desigualdades sociais. O texto, para o observatório, cria insegurança jurídica.

Está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações. Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental”, consta na nota técnica.

A nota destaca a dispensa de licenciamento ambiental para várias atividades agropecuárias. Passa a ser regra para a grande maioria dos casos o preenchimento de um formulário autodeclaratório. “É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores”, diz o texto.

Outro ponto considerado crítico é a desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água e do uso do solo. “É justamente a outorga que integra o licenciamento ambiental à gestão de recursos hídricos. A fragmentação do licenciamento, de forma isolada das outorgas e do uso do solo, potencializará conflitos e tende a agravar impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere à água“, pontua o Observatório do Clima.

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