Sonia Guajajara defende investigação sobre espionagem de indígenas no Pará


Por: Fabyo Cruz

01 de setembro de 2025
Sonia Guajajara defende investigação sobre espionagem de indígenas no Pará
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (Fotos: Fabyo Cruz e Marx Vasconcelos/Cenarium | Composição: Reinan Cativo/Cenarium)

BELÉM (PA) – A suspeita de monitoramento ilegal de lideranças indígenas e quilombolas pelo Governo do Pará, Estado-sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), e o descumprimento de decisão judicial pelo governador Helder Barbalho (MDB) foram temas levantados pela reportagem da CENARIUM em entrevista exclusiva com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, durante participação no 1º Encontro Nacional de Comunicação Indígena (Enci), realizado em Belém, entre os quinta-feira, 28, e domingo, 31. Questionada sobre o caso, a ministra defendeu que as denúncias “precisam ser investigadas”.

A manifestação da ministra ocorre em meio a duas medidas recentes do Ministério Público Federal (MPF) contra o Estado e o governador. No dia 27 de agosto, o órgão anunciou a abertura de investigação sobre a espionagem de lideranças e pediu à Justiça o endurecimento das punições aplicadas a Barbalho por descumprir ordem judicial. A decisão determinava que o governador publicasse, nas redes sociais, um vídeo de direito de resposta das comunidades indígenas e quilombolas, após a divulgação de conteúdos considerados falsos. Segundo os procuradores, o prazo já ultrapassa 90 dias.

Ministra Sonia Guajajara participou do 1º Encontro Nacional de Comunicação Indígena (Enci), em Belém (Fabyo Cruz/Cenarium)
Leia também: CPI poderá apurar denúncias de espionagem a indígenas pelo Governo do Pará

Questionada pela CENARIUM se o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) havia sido oficialmente notificado sobre as denúncias, a ministra Sonia Guajajara afirmou que tomou conhecimento apenas por meio da imprensa. “Olha, a gente tem conhecimento através das notícias, não temos nada oficial. Eu acho que qualquer que seja atitude, que seja considerada ilegal, precisa ser investigada. Nós não somos Justiça, e eu acho que isso tem que ser investigado, apurado, e aí a Justiça toma posição”, declarou.

Ao ser perguntada se o ministério havia sido procurado pelas lideranças indígenas, Guajajara respondeu: “Não, ainda não fomos procurados”.

Monitoramento durante protestos

O caso está relacionado à ocupação da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em janeiro deste ano, quando lideranças indígenas e trabalhadores da educação protestaram contra mudanças na política educacional. De acordo com depoimento colhido pelo MPF, o secretário-adjunto de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), Carlos André Viana, admitiu que “colaboradores” infiltrados repassavam informações em tempo real às autoridades estaduais, inclusive sobre lideranças inseridas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).

Relatório atribuído ao setor de Inteligência do Governo do Pará reúne lideranças indígenas envolvidas na ocupação da Seduc (Reprodução/Segup)

Para o MPF, essa prática é “claramente ilegal e absolutamente preocupante”, por violar a privacidade, a liberdade de associação e os objetivos do PPDDH, criado para proteger defensores ameaçados. O Governo do Pará nega que os colaboradores tenham vínculo com o programa e afirma que a atuação dos agentes segue a “doutrina de inteligência” aplicada em diferentes áreas da segurança pública.

Leia também: Indígenas ocupam Secretaria de Educação em protesto contra Governo do Pará
Punições pedidas pelo MPF

Entre as medidas solicitadas pelo MPF à Justiça estão o bloqueio das redes sociais de Helder Barbalho até a publicação do direito de resposta, o aumento das multas, de R$ 10 milhões para o Estado e R$ 10 milhões para o governador, com bloqueio de valores, e o reconhecimento da conduta como ato atentatório à dignidade da Justiça. Além disso, foi pedida multa pessoal de R$ 2 milhões ao governador.

O órgão também enviou ofícios a diferentes instituições, entre elas, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos e a coordenação do PPDDH no País, para ampliar a apuração sobre o suposto uso do programa em atividades de vigilância.

CPI na Alepa

Na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), a deputada estadual Lívia Duarte (Psol) protocolou um pedido de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a suspeita de uso do PPDDH em atividades de espionagem. O objetivo é apurar se agentes ligados ao programa monitoraram deslocamentos de indígenas e trabalhadores da educação durante a mobilização que resultou na ocupação da Seduc. Até o momento, no entanto, apenas a própria parlamentar assinou o requerimento. A baixa adesão evidencia a dificuldade de avançar com a proposta diante da ampla base de apoio que o governador Helder Barbalho mantém na Casa.

Contexto de tensão

O conflito entre lideranças indígenas e o governo estadual se intensificou no início de 2025, após a sanção da Lei 10.820/2024, que, segundo manifestantes, desestruturou o sistema de educação indígena ao revogar normas que garantiam o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua modalidade indígena (Somei). A CENARIUM foi o primeiro veículo de comunicação a noticiar, após receber uma denúncia anônima em novembro do ano passado, que o Some, implementado na década de 1980, vinha sendo gradualmente substituído por uma “central de mídia”, que transmite aulas via satélite.

Indígenas fazem cordão humano em frente à Alepa (Fabyo Cruz/CENARIUM)

A ocupação da Seduc levou à articulação de uma reunião entre as lideranças e o governador Helder Barbalho, intermediada pela ministra Sonia Guajajara. A ocupação de indígenas na Secretaria de Educação do Pará terminou em 12 de fevereiro. O movimento, que durou 30 dias, foi encerrado após o Governo do Pará revogar a Lei 10.820, que ameaçava o modelo de ensino presencial nas comunidades indígenas.

Leia mais: MPF mira governador do Pará por ações contra indígenas e cobra multa de R$ 10 milhões
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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