‘Sou negra, lésbica, imigrante, a primeira a ocupar essa posição’, diz a nova porta-voz da Casa Branca

Jean-Pierre nasceu na ilha caribenha de Martinica, de pais haitianos que viveram de salário em salário após emigrar para Nova York (Reprodução/ Internet)
Com informações do Estadão

THE NEW YORK TIMES – Karine Jean-Pierre começou seu briefing de estreia como secretária de imprensa do presidente americano, Joe Biden, reconhecendo a natureza incomum de sua presença atrás do púlpito da Casa Branca. “Sou uma mulher negra, lésbica e imigrante, a primeira das três a ocupar essa posição”, disse ela.

Jean-Pierre também poderia ter falado sobre como seu caminho para se tornar a principal porta-voz do presidente divergiu, fortemente, daquele trilhado por seus antecessores.

Jean-Pierre nasceu na ilha caribenha de Martinica, de pais haitianos que viveram de salário em salário após emigrar para Nova York. Sua família católica conservadora, ela escreveu, carregava “tantos segredos, tanta dor não expressa”. Quando criança, Jean-Pierre foi abusada, sexualmente, por um primo. Sua mãe passou décadas sem reconhecer que sua filha era lésbica. Aos 20 e poucos anos, desanimada, com um revés na carreira, Jean-Pierre tentou o suicídio.

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Ela se firmou na área política, passando de reuniões com eleitores em Far Rockaway, Queens, para um emprego na Casa Branca de Obama. Agora, ela assume um dos cargos mais escrutinados do País em um momento, particularmente, difícil para o Governo Biden, que vem lutando por sua popularidade. Jean-Pierre precisará lidar com a inflação recorde, o ressurgimento do coronavírus e eleições de meio de mandato que, acreditam democratas, podem se tornar um desastre.

Conexões

Sua antecessora, Jen Psaki, tornou-se uma estrela entre os liberais por suas brigas animadas com jornalistas da Fox News. Jean-Pierre mostrou, até agora, um estilo mais informal: menos ríspido e também desarmante, rindo de si mesma quando tropeça em uma ou duas palavras.

“Há algo um pouco introvertido sobre ela, o que é uma coisa estranha de se dizer sobre alguém que, agora, é a principal porta-voz do presidente”, disse Patrick Gaspard, ex-embaixador dos Estados Unidos, na África do Sul, diretor político do ex-presidente Barack Obama e mentor de Jean-Pierre. Gaspard, que também é haitiano-americano, disse que reconheceu nela uma colega imigrante navegando em um espaço desconhecido e privilegiado.

Jean-Pierre trabalhou, brevemente, como chefe de gabinete da vice-presidente americana, Kamala Harris, durante a campanha de 2020. Ela se tornou a principal subsecretária de imprensa de Biden quando ele assumiu o cargo.

Ainda assim, Jean Pierre não tem os relacionamentos de anos, de Psaki, com jornalistas de Washington – os tipos de conexões que podem trazer benefícios nos bastidores – e o tempero de assessores de imprensa que, regularmente, vão e voltam com um bando de repórteres combativos. Ela foi ridicularizada pela Fox News, esta semana, após responder, timidamente, a uma pergunta do correspondente da rede na Casa Branca, Peter Doocy, sobre os planos de Biden para combater a inflação.

Psaki, que chamou Jean-Pierre de sua “parceira de verdade”, disse em uma entrevista que sua sucessora entendeu que um secretário de imprensa precisa se dirigir a um público nacional mais amplo, não apenas a repórteres reunidos na Ala Oeste.

“A sala é tão pequena que é fácil para um ser humano esquecer isso”, disse Psaki. “Karine sabe como capturar um momento, criar um momento e falar de uma maneira que as pessoas sentadas em casa entendam e se relacionem”.

Jean-Pierre nasceu na Martinica, depois viveu, brevemente, na França, antes de seus pais imigrarem para o Queens. Ela tem dois irmãos mais novos, uma irmã e um irmão; outro irmão, Donald, morreu antes de ela nascer. Sua mãe, uma trabalhadora de saúde aposentada, nunca aprendeu a ler inglês; seu pai, um taxista de Nova York, ainda trabalha meio período.

Ela cresceu em uma família católica rigorosa, onde o trauma não era discutido. Em seu livro de memórias de 2019, Moving Forward, ela escreveu que foi abusada, sexualmente, quando criança, entre 7 e 10 anos, por um primo mais velho; às vezes, ela se escondia dele em um sótão. O abuso terminou, ela escreveu, depois que um parente percebeu um problema e interveio.

Na adolescência, Jean-Pierre guardava outro segredo: sentia-se atraída por outras mulheres. A perspectiva de decepcionar seus pais conservadores era tão perturbadora que ela considerou, brevemente, tornar-se freira. Aos 16 anos, discutindo com a mãe, ela confessou, abruptamente, que era lésbica. “Eu podia ver a repulsa em seu rosto”, escreveu Jean-Pierre. “Por isso ela sacrificou tudo?” Ela e sua mãe não falaram sobre sua sexualidade por anos.

Seus pais a forçaram a se tornar médica, e ela estudou Ciências da Vida, no Instituto de Tecnologia de Nova York, em Long Island. Mas Jean-Pierre teve um desempenho ruim em seu Teste de Admissão na Faculdade de Medicina. Ela se convenceu de que havia falhado, profundamente, com seus pais. “Meu mundo inteiro desmoronou”, ela escreveu em suas memórias.

Uma tarde, Jean-Pierre contou, em suas memórias, que ela estacionou o carro na garagem de sua família e tentou se matar. “Todo mundo ficará mais feliz quando eu me for”, ela lembrou de pensar consigo mesma.

Jean-Pierre não sabe quanto tempo ela ficou inconsciente. Ela foi acordada por sua irmã, Edwine. Suas calças estavam molhadas de urina; mais tarde, ela descartou as roupas sujas, em uma lixeira ao ar livre, para evitar ser descoberta. Até hoje, além de sua irmã, sua família nunca falou com ela sobre sua tentativa de suicídio.

Karine Jean-Pierre e sua antecessora, Jen Psaki, participam de briefing na Casa Branca
Karine Jean-Pierre e sua antecessora Jen Psaki participam de briefing na Casa Branca (Foto: Evan Vucci/AP)

“Coloquei no livro porque quero ajudar as pessoas”, disse ela mais tarde a Judy Woodruff, da PBS. “Quero que qualquer pessoa que já tenha se sentido assim sinta e saiba que há uma saída”.

Jean-Pierre agora vive nos subúrbios de Washington com sua mulher, a correspondente da CNN Suzanne Malveaux, e sua filha de 7 anos. A mãe de Jean-Pierre, ela disse a amigos, está adorando e aceitando sua vida pessoal. Malveaux não cobrirá política enquanto Jean-Pierre for a secretária de imprensa.

Após a faculdade, Jean-Pierre fez alguns bicos, incluindo um período na Estée Lauder e em um grupo de conservação onde ela protegeu ninhos de tarambola. Encorajada por um mentor, ela se matriculou na Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade de Columbia. Ela recebeu, ainda, uma bolsa parcial, mas ainda tem milhares de dólares em dívidas de empréstimos estudantis.

Professores como David N. Dinkins, ex-prefeito de Nova York, despertaram seu interesse pela política. Depois de começar como assessora de dois membros do Conselho da Cidade de Nova York, Jean-Pierre se juntou à candidatura presidencial de John Edwards em 2008. Ela trabalhou, brevemente, para o ex-deputado Anthony D. Weiner e depois ajudou a liderar campanhas para Letitia James, agora, procuradora-geral do Estado de Nova York; e Martin O’Malley, candidato presidencial democrata em 2016.

Ela se tornou uma assessora política na Casa Branca de Obama, em 2009, forjando uma amizade com o então vice-presidente Biden durante as paradas de campanha no Nordeste. Biden aparece apenas uma vez nas memórias de Jean-Pierre, mas ela escreve, calorosamente, sobre sua primeira conversa no Força Aérea Dois, em 2009, lembrando Biden como “o doce e gentil ‘Tio Joe’ sobre o qual você lê”.

Em suas memórias, Jean-Pierre escreveu ser “inconcebível, na verdade, que alguém da nossa família pudesse chegar à Casa Branca”. Na segunda-feira, ela foi solicitada por um repórter a falar sobre o significado de seu novo papel. “O que eu espero é que os jovens possam sonhar grande, e sonhar mais alto do que antes, ao me verem aqui”, respondeu.

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