STF busca alternativas para Marco Temporal durante reunião de conciliação
Por: Ana Claudia Leocádio
04 de novembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – Os juízes mediadores da Comissão de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a constitucionalidade da Lei 14.701, que instituiu o Marco Temporal na demarcação das terras indígenas, chegaram, nesta segunda-feira, 4, a uma nova etapa em busca de alternativas viáveis para substituir a limitação legal e dar segurança jurídica no processo de regularização fundiária dos territórios e evitar os conflitos no campo.
A Lei do Marco Temporal, aprovada em outubro de 2023, delimitou a data da promulgação da Constituição Federal, dia 5 de outubro de 1988, como limite para a demarcação das terras indígenas no País. A nova legislação regulamentou o artigo 231 da Constituição Federal, que dispõe sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, e alterou outras três leis: 11.460/ 2007, a 4.132/1962, e a 6.001/973, sendo esta última o “Estatuto do Indío”.

Foram apresentadas ao STF três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86. O relator das matérias na Corte, ministro Gilmar Mendes, decidiu criar a Comissão de Conciliação antes de tomar uma decisão. Os trabalhos começaram dia 4 agosto deste ano e devem ser encerrados no próximo dia 18 de dezembro.
Na oitava reunião, realizada na tarde desta segunda-feira, 4, dois artigos 4° e 5° da lei foram analisados para que os participantes pudessem apresentar sugestões de como superar o impasse criado com a determinação do Marco Temporal pelo Congresso Nacional. A tese já foi rechaçada pelo STF, em setembro de 2023, no Recurso Extraordinário 1017365, de repercussão geral, que considerou a data limite inconstitucional.
De acordo com o juiz conciliador Diego Viegas, diante do evidente conflito entre o Congresso e o STF, o ministro Gilmar Mendes deu como missão para a Comissão resolver o problema de outra forma e propôs a construção de um novo entendimento a partir do que decidiu o Supremo ano passado, e também considerar as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que não considera a tese do marco temporal em relação às terras indígenas. “A diferença aqui vai ser a forma”, frisou o magistrado.

Uma das alternativas em debate seria buscar formas de indenização célere dos ocupantes das terras declaradas indígenas, proposta que esbarra na falta de recursos financeiros e na morosidade dos procedimentos demarcatórios junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), devido ao excesso de judicialização.
Para auxiliar nos trabalhos de assessoramento técnico-fundiário em debate da Comissão, o ministro Gilmar Mendes determinou que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) enviasse um representante para contribuir com sugestões.
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A indicada pelo MDA, Cláudia Dadico disse que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pode trazer a experiência para ajudar nos trabalhos e dar rapidez aos processos administrativos de demarcação, como fazer a análise dos títulos de regularidade da cadeia dominial e patrimônio público.
Ela sugeriu, ainda, pagamentos de áreas que não exijam desembolso orçamentário, como permutas, por exemplo. Outra sugestão, para dissuadir o uso da violência nos conflitos, seria a retenção das indenizações, caso fosse provado o envolvimento dos interessados em crimes durante as disputas, que muitas vezes acabam até em mortes.

O indígena indicado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para integrar a comissão, Eliel Guarani Kaiowá, questionou o fato de só se discutir indenizações sobre as benfeitorias feitas nas terras, sem se levar em conta qual o valor que os indígenas dão a esse patrimônio. “É através das árvores que nos aproximamos das divindades. Agora vocês entregam a terra nua”, afirmou, ao completar: “O território está na memoria dos seus ancestrais, dos povos, dos mais velhos”.
Outras sugestões apresentadas são a opção de reassentamento, quando possível dentro do processo, opção prevista em decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o direito de retenção, temas que ficaram para ser debatidos no próximo encontro, marcado para o dia 11 deste mês.
Judicialização é entrave
A diretora de Proteção Territorial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Maria Janete Albuquerque de Carvalho, informou que desde 2009 cresceu a judicialização dos processos de demarcação das terras indígenas. Muitos deles sequer puderam ter criados os Grupos de Trabalho (GTs) para fazer o trabalho de campo. De 43 terras delimitadas, 11 estão suspensas judicialmente, ao passo que de 69 terras declaradas, 13 estão paralisadas pela Justiça. Na avaliação de Janete, esse cenário contribui para o recrudescimento da violência no campo entre indígenas e não indígenas.
Segundo a diretora, 13,9% das terras no Brasil são ocupadas por indígenas, sendo os Estados de Roraima (45,03%), Amazonas (29,44%), Pará (25,05%) e Rondônia (21,51%) os que detêm a maior proporção de ocupação.
A representante da Funai ponderou aos juízes conciliadores que é preciso ter cuidado na busca de solução final em relação ao esse processo, porque os problemas que afetam os estados da região Centro-Sul e Nordeste, onde a violência cresceu, não são os mesmos que afetam as terras indígenas da Amazônia Legal, que tem outra dinâmica de demarcação.
Apib se retirou
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), autora de umas das ações de inconstitucionalidade no STF, não reconhece a legitimidade da Comissão instituída pelo ministro Gilmar Mendes e já pediu a sua extinção, pedido que não foi apreciado pelo ministro.
A entidade se retirou da mesa de conciliação e pediu que a matéria seja remetida para julgamento pelo plenário. Na plenária, duas cadeiras seguem reservadas para dois representantes da organização e ficam vazias durante a reunião.