STF e povos indígenas: genocídio ou conciliação?


Por: Inory Kanamari

18 de novembro de 2025

Ka tücüna naina. Como advogada indígena e membro de um povo originário, é meu dever alertar sobre a realidade que enfrentamos: um genocídio silencioso e sistemático disfarçado de políticas conciliatórias e decisões jurídicas que, ao invés de proteger, perpetuam o extermínio físico, cultural e territorial dos povos indígenas. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, tem falhado em proteger os direitos dos povos originários, especialmente nas questões do “Marco Temporal” e no reconhecimento dos nossos territórios.

Historicamente, os povos indígenas têm sido ignorados pelas instâncias de poder, que deveriam zelar por nossos direitos. A Constituição de 1988 reconhece nossos direitos territoriais e culturais, mas decisões judiciais desrespeitam esse reconhecimento, favorecendo interesses econômicos e políticos de grupos que buscam explorar nossas terras. O “Marco Temporal“, introduzido no julgamento de Raposa Serra do Sol (2009), vincula a posse territorial indígena à data de promulgação da Constituição, desconsiderando nossa história de resistência e vínculo com a terra.

Esse conceito ignora séculos de ocupação e luta contínua por nossos territórios, e sua adoção pelo STF prejudica ainda mais os direitos dos povos indígenas. O julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, envolvendo o povo Xoclengue e a Reserva Biológica do Sassafrás, exemplifica isso, pois pode afetar todos os povos indígenas do Brasil. Se o “Marco Temporal” for aceito, muitos territórios indígenas poderão ser considerados “não reconhecidos”, abrindo portas para ilegalidades, depredação e o desmantelamento de culturas indígenas.

Além disso, o desrespeito à Convenção 169 da OIT, que exige consulta prévia e livre aos povos indígenas antes de decisões que os afetem, tem sido ignorado pelo STF. A falta de diálogo real com as comunidades revela desrespeito pela autodeterminação indígena. O que está em jogo não é apenas uma disputa de terras, mas nossa existência como povos originários. O STF, ao tratar nossas demandas como obstáculos ao desenvolvimento, participa de um processo que ameaça apagar nossa identidade e perpetuar um genocídio disfarçado de legalidade.

O processo de “genocídio disfarçado” é uma tragédia iminente, construída por decisões jurídicas que ignoram o contexto histórico e cultural dos povos indígenas. Ao insistir no “Marco Temporal” e desrespeitar a Convenção 169, o STF agrava esse quadro. O julgamento não trata apenas de terras, mas da continuidade de nossa existência. As decisões tomadas agora determinarão se o Brasil fará justiça aos povos que aqui estavam antes dos colonizadores ou se continuará com o extermínio silencioso de nossas culturas e direitos.

A sobrevivência dos povos indígenas está diretamente ligada à nossa resistência a essas decisões. O STF tem uma responsabilidade histórica no futuro do Brasil e no destino dos povos indígenas. Ele deve reconhecer a urgência e gravidade dessa luta.

Bapo ikoni. Até a próxima pauta.

(*)Inory Kanamari é a primeira advogada indígena do povo Kanamari e uma das vozes mais relevantes na defesa dos direitos dos povos originários. Palestrante com mais de 50 apresentações no Brasil e no exterior, já integrou comissões da OAB-AM e do Conselho Federal da OAB, e atualmente é membra consultora da OAB-RJ (2025-2027). Atuou como consultora no projeto do CNJ que traduziu a Constituição Federal para a língua Nheengatu e foi professora convidada da Escola de Verão da Universidade Metropolitana de Toronto, no Canadá, em parceria com a Participedia.

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