‘Subnotificação ainda é barreira’, diz ativista sobre abusos sexuais de menores no Pará


Por: Fabyo Cruz

20 de maio de 2025
‘Subnotificação ainda é barreira’, diz ativista sobre abusos sexuais de menores no Pará
Elinete Marques é representante do Fórum DCA e da Cáritas Norte 2 (Reprodução/Câmara Municipal de Belém)

BELÉM (PA) – A Câmara Municipal de Belém (CMB) realizou, na manhã dessa segunda-feira, 19, uma Sessão Especial em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio.

Mesa da sessão especial em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Fabyo Cruz/Cenarium)

A atividade, articulada pela vereadora Vivi Reis (Psol), em parceria com o Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), reuniu representantes da sociedade civil, do sistema de justiça e de órgãos públicos para discutir estratégias de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil.

Dados apresentados durante a sessão reforçaram a urgência do debate. Segundo o Observatório da Criança e do Adolescente da Fundação Abrinq, mais de 57 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram notificados no Brasil em 2023.

No Pará, foram registrados 2.989 casos, sendo 1.244 em Belém. Os números, segundo especialistas, estão muito aquém da realidade. “Sabemos que a subnotificação ainda é uma barreira enorme. Por isso, precisamos de políticas públicas efetivas, com orçamento e fiscalização”, afirmou Elinete Marques, do Fórum DCA e da Cáritas Norte 2.

Elinete Marques, representante do Fórum DCA e da Cáritas Norte 2 (Fabyo Cruz/Cenarium)

Ela destacou que a violência sexual infantil é um fenômeno multideterminado, atravessado por questões sociais, culturais e territoriais, que devem ser olhadas com mais atenção pelo poder público. “É uma questão de saúde pública. É preciso garantir recursos não só para a assistência social, mas também para saúde, educação, cultura e esporte. As comunidades tradicionais, ribeirinhas e quilombolas precisam ser ouvidas e protegidas com políticas específicas”, completou.

Desafios persistem

A delegada Danielle Ambrósio, da Polícia Civil do Pará (PCPA), ressaltou o trabalho desenvolvido pela Divisão de Atendimento a Grupos Vulneráveis (Dave) e pelas Delegacias Especializadas no Atendimento à Criança e ao Adolescente (DEACs), inclusive em regiões de difícil acesso. “A maior dificuldade é o acesso, mas temos equipes atuantes em todos os municípios. O desafio maior é a prevenção, pois só conseguimos agir depois que o crime já aconteceu”, afirmou.

Ela explicou que, em maio, mês dedicado ao enfrentamento à violência sexual infantojuvenil, as ações foram intensificadas. “Atuamos na capacitação da rede de proteção, de conselhos tutelares, de professores, realizamos palestras em escolas, conscientizando as crianças para que saibam identificar e denunciar abusos. Nossa missão é investigar esses crimes com rigor, mas o mais importante é atuar para que eles não aconteçam. E isso passa por prevenção, por educação e por uma rede fortalecida”, destacou.

Danielle Ambrósio, delegada da Polícia Civil do Pará (Fabyo Cruz/Cenarium)

Questionada sobre a atuação na Ilha do Marajó — onde o tema da violência sexual contra menores repercutiu nacionalmente, após as declarações da ex-ministra dos Direitos Humanos e senadora Damares Alves (Republicanos-DF) — Ambrósio afirmou que a região não é uma exceção, mas, sim, mais um território onde os abusos acontecem.

“A dificuldade lá é logística, por conta do acesso, muitas vezes só possível por barco. Mas temos delegacias especializadas nos principais polos da região, com ações tanto de combate quanto de prevenção”, concluiu a delegada.

Rede reunida

A mesa da sessão refletiu a pluralidade da rede de proteção à infância e adolescência. Também estiveram presentes a delegada Ariane Melo, coordenadora do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (Ceevsca); a promotora de Justiça Brenda Ayan; Clarisse Ratis Trindade, adolescente representante da Comissão de Participação do Conanda; e Artur Houat Nery, presidente da Fundação Papa João XXIII (Funpapa). Conselheiros tutelares e representantes da Santa Casa de Misericórdia do Pará também participaram.

As apresentações culturais de jovens atendidos por instituições como o Movimento República de Emaús, Lar Fabiano de Cristo e Preventório Santa Terezinha marcaram a presença juvenil no evento. A participação de Clarisse Trindade na mesa foi destacada como símbolo do protagonismo das juventudes na construção de políticas públicas. “As sessões especiais têm o objetivo de dar visibilidade a temas muitas vezes negligenciados. E o combate à exploração sexual é responsabilidade de toda a sociedade”, pontuou Vivi.

Ausências e críticas

Dos 35 vereadores da Câmara Municipal de Belém, apenas quatro participaram da sessão: Zezinho Lima (PL), Patrícia Queiroz (PP), Marinor Brito (Psol) e a própria Vivi Reis. A baixa presença de parlamentares foi criticada por movimentos sociais e pela vereadora organizadora. “Se não é debatido, é invisibilizado”, afirmou Vivi.

Apesar disso, a diversidade ideológica entre os presentes foi vista como sinal de que a proteção de crianças e adolescentes pode — e deve — unir diferentes campos políticos. “Essa sessão reafirma que o combate à violência sexual é um dever coletivo, que precisa sair do papel e chegar às escolas, aos postos de saúde, às comunidades. E a Câmara tem que assumir sua responsabilidade nesse processo”, completou.

Vereadora Vivi Reis (Fabyo Cruz/Cenarium)

A ausência da Secretaria Municipal de Educação (Semec) também foi motivo de preocupação. “A Semec foi convidada e não participou. Isso mostra que a secretaria não tem interesse em dialogar conosco nem com o conjunto de participantes. Um mínimo de respeito seria enviar um representante”, disse Vivi.

Ao final da sessão, a vereadora anunciou a apresentação de um projeto de lei que propõe o ensino do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nas escolas da rede municipal. “Se a gente não sabe nossos direitos, não consegue se defender. Queremos garantir que professores e alunos conheçam o ECA como ferramenta de proteção e cidadania”, concluiu.

Leia também: Câmara Municipal de Belém mantém veto à licença para pais servidores

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