Telegram ignora acordo para reverter bloqueio e não inibe fake news em canais mais populares

Com informações do Infoglobo

BRASÍLIA – O aplicativo de troca de mensagens Telegram conseguiu reverter, em 20 de março, uma ordem de bloqueio no Brasil ao se comprometer com uma série de medidas para evitar a propagação de fake news. Entre as promessas assumidas pela empresa estava o monitoramento dos cem canais mais populares no País. Uma análise feita pelo GLOBO, contudo, mostra que, mais de um mês depois, parte dessas contas que estão entre as mais acessadas no País continua a abrigar postagens com desinformações relacionadas às eleições, à vacina contra a Covid-19 e ao uso de máscara.

Leia também: Telegram assina com TSE compromisso contra fake news nas eleições

A suspensão do Telegram havia sido determinada dois dias antes pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Polícia Federal, após a empresa driblar uma série de ordens judiciais para a exclusão de conteúdos considerados irregulares. A plataforma, com sede em Dubai, nos Emirados Árabes, também vinha ignorando tentativas de contatos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que colaborasse com o programa de combate à desinformação nas eleições deste ano. Após a ordem de bloqueio, muita coisa mudou, mas não tudo.

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A primeira providência da empresa foi escalar um escritório de advocacia de São Paulo para representá-la no Brasil. Assim, a Justiça brasileira agora tem um endereço para o qual envia ordens judiciais. Também assinou um documento com o TSE se comprometendo a adotar medidas para combater fake news eleitorais. Até hoje, porém, o acordo não foi concretizado, e a plataforma não apresentou à Corte o que de fato será feito.

Enquanto isso, a disputa eleitoral tem servido de combustível para impulsionar a disseminação de fake news na plataforma. No canal Direita Chanel, que reúne 66,7 mil inscritos e publicações favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro, uma postagem da semana passada diz “Acabou! Lula admite derrota em discurso de 1º de maio”. Junto ao texto, um link redireciona para um vídeo no YouTube, no qual um apresentador diz estar “muito claro” que “Lula já entendeu que está derrotado e provavelmente não vai disputar as eleições”. Em seguida, é exibido um trecho da fala do petista durante um evento de centrais sindicais no qual ele afirmava ainda não ser candidato. O ex-presidente, no entanto, disse na ocasião que ainda não era candidato porque “só no dia 7 eu vou ser pré-candidato”, em referência à data do lançamento de sua pré-candidatura pelo PT, ocorrida no último sábado, em São Paulo.

Telegram ignora acordo com STF e não inibe desinformação em canais mais populares

VÍDEO E MONTAGEM

Em outro exemplo de desinformação, a deputa Carla Zambelli (PL-RJ) veiculou uma montagem comparando o indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PL-RJ) com o caso do italiano Cesare Battisti, cujo pedido de extradição foi negado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. A primeira imagem do vídeo, também reproduzido pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), mostra o presidente da República sentado à frente de uma folha de papel em que se lê: “Presidentes: outros soltaram bandidos, Bolsonaro soltou inocentes”. Aos olhos da Justiça, porém, Silveira não é inocente. Ele foi condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticas e ameaçar ministros da Corte.

No canal da deputada bolsonarista é possível encontrar outras postagens com informações falsas. No dia seguinte a Moraes revogar a ordem de bloqueio contra o Telegram, por exemplo, a parlamentar compartilhou um vídeo com o título “Grave! PF não pediu bloqueio do Telegram”. Nele, o senador Marcos Rogério (PL-RO) põe em dúvida a informação — verdadeira — de que partiu da PF o pedido de punição ao aplicativo no Brasil.

Em nota, o STF disse que as medidas tomadas pela empresa estão sob sigilo. Já o TSE afirmou, também por meio de nota, que até o momento o aplicativo “apenas aderiu ao Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação” e que os termos do documento que vai detalhar as providências a serem tomadas está em fase de negociação. Ressaltou, no entanto, que o “fato de o memorando de entendimento ainda não ter sido firmado não quer dizer que nenhuma ação esteja sendo tomada”.

O GLOBO procurou o Telegram, mas não obteve resposta.

Zambelli argumenta sobre a comparação entre os casos de Battisti e Silveira que há uma “diferença abissal” entre assassinos e detentores de imunidade parlamentar acusados de “crime de opinião”.

“Daniel Silveira pode ter sido condenado, mas foi injusto”, diz.

A respeito da gravação feita por Rogério, ela diz que o senador deixa claro que a informação foi divulgada por um determinado jornalista e que, ainda assim, o parlamentar disse que solicitou uma análise da advocacia do Senado, na tentativa de confirmá-la. Ela não comenta, porém, o título do vídeo.

Carlos Bolsonaro e Marcos Rogério não responderam aos contatos.

O levantamento feito pelo GLOBO teve como base os cem canais mais populares do Brasil a partir da plataforma Telemetrio. Do dia 20 de março até a última sexta-feira, 6, a reportagem identificou ao menos 16 postagens que podem ser classificadas como desinformação. Elas estão concentradas em seis dos 19 canais que publicam conteúdos políticos ou relacionados à saúde. A lista analisada pode ter diferença com os canais que estão efetivamente sendo monitorados pela plataforma, já a relação oficial está sob sigilo.

RESTRIÇÕES

O aplicativo de origem russa cresceu no Brasil catapultado por restrições impostas por outras redes sociais mais populares. No WhatsApp, por exemplo, grupos têm limite de 256 membros, enquanto o Telegram abriga grupos para até 200 mil pessoas e canais com capacidade ilimitada de inscritos, tornando-se um terreno fértil para a desinformação.

Com postagens marcadas como suspeitas e até excluídas de outras redes, Bolsonaro passou a incentivar seus apoiadores a aderirem ao Telegram. No Brasil, de acordo com o Telemetrio, o canal do presidente lidera o ranking, com 1,3 milhão. No levantamento, também aparecem os perfis dos filhos dele, Carlos Bolsonaro (102 mil), Eduardo Bolsonaro (65 mil) e Flávio Bolsonaro (115 mil), além de Carla Zambelli (145 mil) e do ex-presidente Lula (64 mil).

Na saúde, a página dos Médicos pela Vida, associação que se destacou pela defesa de medicamentos sem eficácia contra Covid-19, tem 122,6 mil seguidores. No Telegram, o grupo publicou o relato de um suposto médico que classifica o uso de máscara por algumas pessoas como “absurdo”, contrariando evidências científicas. “Que absurdo, que falta de conhecimento. Estão se baseando no que. Na ciência? Que ciência? A máscara já está deletada cientificamente há muito tempo”, diz o homem, identificado como doutor Rubens Amaral. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) comprovou a eficácia de diferentes tipos de máscaras para conter a transmissão do coronavírus.

A Associação Médicos pela Vida não respondeu à reportagem.

Francisco Cruz, diretor do InternetLab, afirma que parte das promessas do Telegram passa por questões complexas, que exigem tempo e investimento.

“O Telegram precisa mostrar o que foi feito. Não é para cobrar que tudo esteja pronto em um mês, mas, se quiserem deixar isso pronto para as eleições, o tempo é curto. O que efetivamente foi feito neste mês?”, questiona.

Para Diogo Rais, professor de direito eleitoral digital da Mackenzie, o maior problema no caso do Telegram era a falta de resposta às autoridades brasileiras e não cumprimento de decisões judiciais. Essa página, porém, foi virada quando a plataforma atendeu aos chamados das autoridades e firmou acordos.

“O que poderia ruir essa mudança de postura é não cumprir o que foi acordado. O TSE esquematizou meios de atacar as desinformações. O Telegram era uma porta que ficou aberta em uma casa blindada. Agora precisa dar sinais de que isso evoluiu”, diz.

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