Terceiro dia de julgamento é marcado por votos de Moraes e Dino para condenar Bolsonaro


Por: Ana Cláudia Leocádio

09 de setembro de 2025
Terceiro dia de julgamento é marcado por votos de Moraes e Dino para condenar Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus enfrentam julgamento no STF (Marcos Corrêa/PR)

BRASÍLIA (DF) – Com placar de 2 a 0 pela condenação, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o terceiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e sete réus, acusados de tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, cometidos durante a trama golpista que culminou nos ataques aos prédios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Após o relator da Ação Penal 2668, ministro Alexandre de Moraes, pedir a condenação de sete réus por cinco crimes e outro, por apenas três imputações, o ministro Flávio Dino acompanhou o voto do relator, com diferença na dosimetria das penas para três ex-auxiliares de Bolsonaro, que na opinião dele, tiveram papel de menor importância nos atos executórios.

O julgamento começou no último dia 3, com dois dias de sessões, e teve continuidade nesta quarta-feira, 9. Pela manhã, após mais de cinco horas, Alexandre de Moraes concluiu seu voto e pediu a condenação dos oito integrantes do chamado “Núcleo 1” da trama, que segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) era liderado pelo ex-presidente da República com o intuito de desacreditar a Justiça, o sistema eleitoral eletrônico, para permanecer no poder e impedir a posse de governo legalmente eleito.

Moraes pediu a condenação pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Além de Bolonaro são réus nessa ação: o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Helo general Augusto Heleno; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no processo; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.

O deputado federal Alexandre Ramagem, que ocupava o cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi beneficiado por uma decisão da Câmara dos Deputados, que excluiu dois crimes ocorridos depois da diplomação como parlamentar (dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado). Bolsonaro, por sua vez, teve um agravante por ser considerado o líder da organização e principal artífice de toda a trama para deslegitimar o sistema eleitora, narrativa que teria alimentado a base de apoiadores, inclusive após as eleições, que desencadeou os ataques aos prédios das instituições dia 8 de janeiro.

O ministro também utilizou as próprias palavras de Bolsonaro, durante interrogatório judicial, no qual admitiu ter começado a estudar outras medidas para rever o resultado eleitoral, depois que viu não ser mais possível outros recursos, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aplicar uma multa ao PL, seu partido, após um pedido de revisão de urnas eleitorais, em 2022. “O Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições”, afirmou Moraes.

Um dos pontos que favoreceram a investigação foi a farta produção de provas pelos próprios réus, como as lives de Bolsonaro, entrevistas, reunião ministerial, reunião com embaixadores, cadernetas pessoais como a de Augusto Heleno, boletins de inteligência do Ministério da Justiça, além de arquivos salvos em seus computadores. Segundo Moraes, todas essas provas tinham como conteúdo a mesma narrativa de deslegitimar o sistema eleitoral e a própria Justiça.

Passadas as eleições de 2022, que confirmou a derrota de Bolsonaro, o plano escalou para outro patamar, com a incitação dos movimentos em frente aos quartéis, obstrução das estradas e a elaboração de uma minuta golpista, que previa desde a decretação de estado de sítio ou de defesa, com a extinção do TSE para a instauração de uma comissão de regularidade eleitoral.

Dois documentos cruciais para o voto de Moraes foram encontrados na sede do PL, nas salas de Bolsonaro e de Braga Netto, que era o então candidato a vice na chapa. Os dois, aliás são descritos como figuras centrais na coordenação dos demais, como o planejamento do “Plano Punhal Verde Amarelo” para assassinar Lula, o vice Geraldo Alckmin e o próprio Moraes, e a operação “Copa 2022”, que consistia no monitoramento dessas autoridades, cuja execução foi abortada porque os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, não concordaram em aderir ao plano de golpe proposto.

A situação do delator no processo, Mauro Cid, será melhor analisada durante a dosimetria das penas, quando os magistrados também decidirão se concedem todos os benefícios previstos no acordo de delação premiada. As informações do militar foram cruciais para o conhecimento de várias informações, como a minuta do golpe e os planos para matar e monitorar autoridades.

O julgamento prossegue nesta quarta-feira, 10, com a leitura do voto do ministro Luiz Fux. Na quinta-feira, 11, devem ser lidos os votos dos ministros Cárnem Lúcia e Cristiano Zanin, presidente a Primeira Turma.

Em uma fala breve após o encerramento a sessão, o advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, disse discordar da análise do mérito e que as preliminares foram muito pouco desenvolvidas. A tese da defesa era de cerceamento de defesa e de nulidade da delação de Mauro Cid. “Discordamos da análise de mérito, mas vamos aguardar o prosseguimento do julgamento”, afirmou o advogado, que estava acompanhado do colega Paulo Cunha Bueno.

O advogado do general Braga Netto, José Luís de Oliveira Lima, disse apenas que o resultado desta terça-feira, já era “previsível”. Os defensores dos demais réus não deram entrevistas.

Ironias para refutar pedidos de nulidades

O ministro afastou todas as preliminares que já haviam sido sustentadas na fase de recebimento da denúncia, e março deste ano, acatada por unanimidade pelos cinco membros da Primeira Turma. Com várias falas irônicas durante a apresentação de seu voto, além de afastar a tese de cerceamento de defesa, o relator também negou os pedidos de anulação da delação premiada de Mauro Cid. Os relatos do militar foram fundamentais para a investigação da Polícia Federal (PF) na corroboração de provas, que possibilitou o encadeamento de fatos, utilizado pela PGR na formulação da denúncia.

O relator optou por fazer um voto estruturado em 13 pontos que demonstrassem de forma estruturada e concatenada a ação do que a PGR chamou de “Núcleo crucial” da trama do golpe, que começou com uma transmissão pela internet (live), no dia 29 de julho de 2021, e culminou com os ataques de 8 de janeiro. O ministro refutou a tese de que tudo não passou de atos preparatórios e considerou toda essa cadeia de acontecimentos como atos executórios que consumam o crime imputado pela PGR de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado, por exemplo.

Para Moraes, as provas técnicas reunidas nos autos do processo não deixam dúvidas do papel de cada um teve na trama de tentativa de golpe de Estado, com o objetivo de desacreditar a Justiça Brasileira, o sistema eleitoral eletrônico para permanecer no poder e impedir a posse de governo legitimamente eleito. Segundo o ministro, o modus operandi consistia na produção e disseminação de desinformação sobre as urnas eletrônicas.

Um dos principais pontos destacados foi o uso da máquina pública na execução da trama, como atuação da Abin e do GSI para produzirem desinformação sobre as urnas eletrônicas e realizar o monitoramento de adversários. Há, ainda, o fato de tentativa de usar a Advocacia-Geral da União (AGU) para resguardar de forma legal, atos de desobediência a decisões do STF. Além disso, o relator apontou o uso da estrutura do Ministério da Justiça, com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), para impedir que eleitores do candidato de oposição a Bolsonaro conseguissem chegar às seções eleitorais no Nordeste.

“Samambaia jurídica”

O ministro indiretamente criticou a defesa do general Augusto Heleno, que chegou a apontar cerceamento de defesa, do direito ao silêncio e de extrapolar o papel de juiz durante a instrução do processo. Nas sustentações orais, o advogado de Heleno Matheus Milanez chegou a mostrar um quadro em que mostrava que Moraes havia feito mais perguntas que a própria PGR

“Não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado dizendo o número de perguntas que ele deve fazer. Há argumentos jurídicos muito mais importantes do que ficar contando o número de perguntas que alguém fez”, afirmou Moraes e completou em seguida: “A ideia de que o juiz deve ser uma ‘samambaia jurídica’ durante o processo não tem nenhuma ligação com o sistema acusatório. Isso é uma alegação esdrúxula”, argumentou.

Moraes não aceitou a tese da defesa de que Heleno não teria participação na trama do golpe, porque havia se afastado de Bolsonaro, depois que ele se aliou ao Centrão e se filiou ao PL. Heleno fez uma paródia em que condenava o Centrão, cantando: “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Para o relator, o fato de Heleno estar listado como um dos responsáveis pelo possível Gabinete de Crise pós-golpe, mostra que ele não estava tão afastado assim de Bolsonaro.

Ex-ministro da Defesa

Outro general que teve os argumentos refutados foi o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que alegou não ser golpista porque tentou demover Bolsonaro, várias vezes de tomar medidas de exceção antes da posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Para Moraes, uma pessoa conciliadora não faria o que fez Nogueira, de convidar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica para uma reunião e apresentá-los uma minuta de golpe, com o intuito de recrutá-los para dar suporte ao intento golpista de Bolsonaro.

Além disso, o relator também destacou o comportamento de Paulo Sérgio no episódio do relatório sobre a integridade das urnas eletrônicas. Conforme Moraes, ele foi pressionado e assentiu aos comandos de Bolsonaro sobre o relatório, que concluiu não foi constatada irregularidade no processo eleitoral. No dia seguinte à entrega do documento ao TSE, no dia 10 de novembro de 2022, o general divulgou uma nota em que tentava mudar o conteúdo da conclusão entregue.

“O réu Jair Messias Bolsonaro determinou ao réu Paulo Sérgio Nogueira que emitisse uma nota, uma das mais esdrúxulas notas, vergonhosas notas, que o ministro da Defesa, do Brasil, pode ter emitido. Uma nota tentando disfarçar a própria conclusão das Forças Armadas”, afirmou Moraes.

O ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier teve a condenação pedida por Moraes por ser o único das três forças a se colocar à disposição de Bolsonaro, caso precisasse na execução do plano.

Flávio Dino afasta ideia de anistia

Segundo a votar de pois de Moraes, o ministro Flávio Dino votou pela procedência dos pedidos de condenação, mas divergiu apenas sobre as participações do deputado federal Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno, por considerar que os três tiveram participacão de menor importância no encadeamento dos fatos.

Dino também fez várias observações sobre a imputação dos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado e refutou a ideia de que se está julgando as Forças Armadas. Ao contrário, são apenas indivíduos que compõem a instituição, que precisa ser fortalecida para resguardar a Constituição. Para o ministro, não é normal que, a cada 20 anos, o Brasil tenha eventos de tentativa de golpe ou ruptura do tecido constitucional. Por isso, a importância de um arcabouço legal capaz de proteger suas instituições e o Estado Democrático de Direito.

Em seu voto, Flávio Dino ressaltou que os crimes que estão sendo julgados pelo STF nesta ação penal são insuscetíveis de anistia, tese já decidida pelo plenário do Supremo “Esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto, anistia, portanto, dessas condutas políticas de afastamento ou de extinção da punibilidade”, afirmou o ministro.

A referência vai de encontro à estratégia dos parlamentares de oposição no Congresso Nacional, que tentam colocar em votação um projeto de lei que prevê a anistia ampla, geral e irrestrita e que livre Bolsonaro, inclusive da condenação de inelegibilidade para que possa concorrer às eleições de 2026. Até esta terça-feira, o projeto não foi colocado em pauta na Câmara dos Deputados.

Ao diferenciar a participação de três dos oito integrantes do “Núcleo 1”, Dino disse que na dosimetria poderá pedir até penas menores que as mínimas. Não é o caso de Bolsonaro e Braga Netto, que para o ministro, são figuras dominantes na trama, com culpabilidade muito alta.

No caso de Ramagem, que é réu por tentativa de golpe de Estado, de abolição do estado democrático de direito e de integrar organização criminosa, o ministro disse que não viu participação ativa, uma vez que ele saiu da Abin, em março de 2022, para disputar as eleições para deputado federal. “Quando Ramagem volta aos atos executórios? Não achei”, afirmou.

Para Augusto Heleno, o ministro disse não ter visto atos materiais do general, principalmente no segundo semestre de 2022, quando Bolsonaro aumentou as ações contra o sistema eleitora e, depois, contra o resultado das eleições. Além disso, Heleno passa a não participar mais das reuniões, o que indicaria menor eficiência causal a partir daquele momento.

A alegação da defesa do general Paulo Sérgio Nogueira, de que teria tentado demover Bolsonaro de ir adiante com medidas de exceção, foi importante para Dino decidir também diferenciar sua participação. Conforme o ministro, não fica claro se a desistência de participar da trama foi atitude voluntária ou por causa da falta de anuência dos comandantes, mas que os depoimentos provam que ele tentou demover o ex-presidente da ideia de golpe.

Leia mais: Moraes refuta tese de defesas e mantém delação de Cid em julgamento de Bolsonaro
Editado por Fred Santana e Jadson Lima

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