Terra Indígena Munduruku, no Pará, teve área equivalente a 2 mil campos de futebol desmatada em 2019

Órgãos responsáveis não fiscalizam, e coordenador da Funai chegou a apoiar manifestações de grupos de garimpeiros ilegais, registra a ação. (Ibama/Divulgação)

Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – Uma área equivalente a 2 mil campos de futebol foi desmatada em 2019, da Terra Indígena Munduruku, no Pará, segundo levantamento apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF). Nesta quarta-feira, 16, o MPF ajuizou ação pedindo que os órgãos responsáveis voltem a ser obrigados a combater a mineração ilegal em terras indígenas do sudoeste do Estado.

Em decorrência de ação ajuizada na Justiça Federal em 2018, houve acordo para a realização de fiscalização, mas as instituições se limitaram a realizar uma única operação, e de lá pra cá a situação só piorou, alertam procuradores da República.

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Além da Terra Indígena Munduruku, a ação pede fiscalização urgente na Terra Indígena Sai Cinza.

O garimpo ilegal está avançando rumo as áreas mais próximas às aldeias, o que potencializa os riscos de contaminação dos indígenas por doenças, sobretudo pela covid-19 nesta pandemia, aponta o MPF.

Por isso, a intensificação do garimpo ilegal é não só um problema ambiental, mas, sobretudo, de saúde pública, destacam os autores da ação. Dez indígenas Munduruku já morreram por causa do novo coronavírus.

Incentivo ao crime

Segundo os membros do MPF, a garimpagem ilegal é incentivada pela omissão das entidades e órgãos do Estado na proteção das terras indígenas e pela tolerância com crimes como os de usurpação, lavagem de capitais e associação criminosa.

As ilegalidades chegam a contar com o apoio de servidor público, que deveria combatê-las, denuncia o MPF. Em 20 de maio, véspera de um protesto contra a etapa em Itaituba da Operação Verde Brasil 2, de fiscalização ambiental, o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) no município incentivou indígenas a se manifestarem pela legalização da mineração em terras indígenas.

José Arthur Macedo Leal disse que aquele era “o momento certo e oportuno de os indígenas discutirem uma política voltada para a legalização da garimpagem na TI”, registrou áudio vazado nas redes sociais e anexado à ação pelo MPF.

Apesar de a maior parte dos Munduruku ser contra o garimpo nas TIs, e de várias vezes ter tentado expulsar os garimpeiros ilegais, agora esses indígenas estão amedrontados e silenciados, e algumas lideranças tiveram que ser incluídas em programas de proteção a direitos humanos, relata o MPF.

Terra sem lei

O medo e o silêncio dos indígenas contrários ao garimpo ilegal são resultado de uma série de ameaças, como as feitas por indígenas favoráveis à mineração, que postam fotos nas redes sociais ostentando armas e munições, informa a ação.

O descaso dos órgãos responsáveis contribui com o aumento da tensão na área, alerta o MPF. “Esse menosprezo, é hoje sabido, decorre do lobby criminoso de determinados garimpeiros ilegais, da sua promiscuidade com a coordenação local da Funai e, no campo político, da proibição pela cúpula do governo federal à autuação de garimpeiros ilegais e da destruição do maquinário empregado em garimpo”, critica.

Esses fatores levaram a “um estado de coisas totalmente ilegal e inconstitucional, em que, sem a menor desfaçatez, determinados grupos arrogam-se a manifestar publicamente a contrariedade à legítima atuação fiscalizatória do Estado”, aponta o MPF.

Como exemplos, a ação cita o protesto em Itaituba contra a Operação Verde Brasil 2, cita áudio vazado em redes sociais em que uma liderança indígena pede suborno para assinar carta de repúdio à operação, e cita o retorno em peso de “hordas de garimpeiros brancos” às TIs após a operação ter sido realizada sem enfrentar os garimpos.

“Poucos criminosos bastante organizados se sentem à vontade não apenas para incorrer em crimes, como também para aliciar e buscar intervir politicamente nas decisões dos órgãos e entidades de proteção territorial e de prevenção e repressão aos ilícitos ambientais, inclusive para pautar a fiscalização oficial”, resume o MPF.

Detalhes dos pedidos

À Justiça Federal em Itaituba, o MPF pediu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) seja obrigado a deflagrar fiscalizações emergenciais nas TIs no prazo de 30 dias, devendo inutilizar quaisquer máquinas e equipamentos empregados na exploração minerária ilegal, mesmo que estes equipamentos pertençam a indígenas ou tenham sido por alguns deles autorizados a operar.

Também foi pedido que seja ordenado que em 30 dias a União empregue e promova o engajamento de todas as forças e órgãos de segurança a ela vinculados ou com ela articulados, das esferas estadual e municipal, para debelar a mineração ilegal feita com maquinário pesado nas terras indígenas Munduruku, destruindo máquinas e equipamentos utilizados nos garimpos ilegais, se valendo de equipamentos, aeronaves e servidores, das forças civis e militares, da União e do Pará., e cientificando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para que o órgão articule a implementação de políticas públicas em caráter emergencial.

A União, por meio da Polícia Federal (PF), deve ser obrigada, ainda, a instaurar emergencialmente inquéritos policiais ou a dar andamento prioritário aos eventualmente já instaurados para investigar crime de usurpação de minerais extraídos das TIs indicadas e outros crimes relacionados, e os inquéritos devem ser concluídos em seis meses, pede o MPF, que também solicitou que a PF seja obrigada a articular com as demais forças de segurança novas ações ostensivas para a desintrusão de mineradores ilegais dentro das terras dos Munduruku, no prazo de 30 dias.

Em relação à Funai, os procuradores da República pedem que a Justiça Federal ordene à fundação a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) dentro de 30 dias, para apurar a responsabilidade do coordenador regional em Itaituba, José Arthur Macedo Leal, “que, com seu comportamento excessivamente promíscuo com determinados indígenas aliciados pela mineração ilegal, incentivou a aglomeração de pessoas em manifestações em plena pandemia de covid-19 e, de modo parcial, posicionou- se favoravelmente à legalização da mineração ilegal na terra indígena Munduruku, negligenciando os interesses da maioria do povo Munduruku que não coaduna com a atividade”.

O MPF também pede que a Funai seja obrigada a veicular, em 30 dias, retratação pública, impessoal, e de caráter institucional, com alcance nacional, regional e local, inclusive nas aldeias Munduruku nos municípios de Itaituba e Jacareacanga. A retratação deve  manifestar pedidos de desculpas aos Munduruku pelo posicionamento equivocado do coordenador regional da Funai, e esclarecer o posicionamento da instituição contrário à mineração ilegal e à violência em TIs.

Por fim, o MPF solicitou que a Justiça determine à Funai a elaboração, em 30 dias, de relatório técnico detalhado com mapeamento da expansão da mineração ilegal nas TIs e com a relação dos envolvidos na atividade, sejam eles indígenas ou não, compartilhando o resultado dos trabalhos com o MPF e PF.

(*) Com informações da assessoria

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