Tragédia em Brumadinho completa mil dias sem responsabilização de culpados

Bombeiro observa a lama que tomou conta do Córrego do Feijão em Brumadinho, dias após o colapso da barragem. (Mauro Pimentel/ AFP)

Com informações do O Globo

RIO – O rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), completa mil dias nesta quinta-feira, 21, sem previsão para que a maior operação de buscas do País chegue ao fim e sem que os responsáveis pelo desastre tenham sido punidos. “São mil dias de dor, de saudade, de luta, de busca… de impunidade”, diz a geógrafa Alexandra Andrade, que perdeu o irmão, Sandro Andrade, e o primo, Marlon Gonçalves, além de inúmeros amigos e conhecidos na tragédia.

Alexandra Andrade perdeu o irmão Sandro Andrade e o primo Marlon Gonçalves — Foto: Raquel Freitas/G1
Alexandra Andrade perdeu o irmão Sandro Andrade e o primo Marlon Gonçalves. (Raquel Freitas/ G1)

Em quase 2 anos e 8 meses, 262 vítimas foram encontradas e identificadas. Mas oito famílias seguem vivendo, dia após dia, o sofrimento da espera pela localização dos corpos. Para essas pessoas, mesmo o calendário apontando o correr dos dias, o relógio parece ter parado às 12h28 da última sexta-feira do mês de janeiro de 2019, momento em que a estrutura da barragem B1 ruiu na mina do Córrego do Feijão.

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“Apesar de terem se passado mil dias, a gente ainda está com aquela sensação de estar lá no dia 25 de janeiro de 2019. (…) A dor e a saudade só aumentam, mas a gente tem a esperança de que pelo menos todos vão poder ter um enterro digno dentro da possibilidade. Então isso é um acalento”, diz a professora Natália de Oliveira.

Natália de Oliveira é irmã de Lecilda de Oliveira, uma das 11 desaparecidas na tragédia da Vale — Foto: Raquel Freitas/G1
Natália de Oliveira é irmã de Lecilda de Oliveira, uma das 11 desaparecidas na tragédia da Vale. (Raquel Freitas/ G1)

Nesses mil dias, ela tem acompanhado de perto o trabalho do Corpo de Bombeiros na procura pela irmã, Lecilda de Oliveira, e pelas outras vítimas desaparecidas.

Impunidade

O período transcorrido desde o desastre não foi suficiente para a localização de todos corpos nem capaz de trazer respostas à cobrança por Justiça.

“Quase três anos da ‘tragédia-crime’, quase três anos também de impunidade, ninguém preso, ninguém punido. A gente quer que as empresas sejam responsabilizadas e que as pessoas que contribuíram para o rompimento da barragem também sejam punidas”, afirma Alexandra, que atualmente preside a associação dos familiares de vítimas.

Em janeiro de 2020, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apresentou à Justiça mineira a denúncia pelas 270 mortes. Além da Vale e da TÜV SÜD, empresa alemã responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem, 16 pessoas foram denunciadas, incluindo o ex-diretor presidente da mineradora Fabio Schvartsman.

Buscas no terreno onde a barragem se rompeu, em Brumadinho, continuam — Foto: Danilo Girundi/ TV Globo
Buscas no terreno onde a barragem se rompeu, em Brumadinho, continuam. (Danilo Girundi/ TV Globo)

Na terça-feira, 19, entretanto, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular o recebimento da denúncia por entender que o caso deve analisado pela Justiça Federal. Com isso, os denunciados deixaram de ser réus. Logo após o anúncio da decisão, o MPMG afirmou que vai recorrer.

Mais agilidade nas buscas

Enquanto o processo criminal segue a passos lentos, as buscas pelos desaparecidos podem ganhar mais agilidade.

Desde que janeiro de 2019, mais de 4,1 mil militares de Minas Gerais atuaram em Brumadinho, o que corresponde a cerca de 70% do efetivo do Corpo de Bombeiros no estado. A cada semana, atualmente, entre 50 e 60 militares chegam à Base Bravo, mas esse número já chegou a centenas e contou com reforço de bombeiros de 15 Estados e do Distrito Federal.

Nova estratégia de buscas deve acelerar trabalho e até 4 vezes — Foto: Reprodução/TV Globo
Nova estratégia de buscas deve acelerar trabalho em até 4 vezes. (Reprodução/ TV Globo)

Ao longo dos últimos mil dias, as características dos mais de 11 milhões de metros cúbicos de rejeitos despejados da barragem se transformaram, e a corporação acumulou experiência, aperfeiçoou técnicas e investiu no trabalho de inteligência.

Com isso, as fases de buscas adotadas em campo foram se modificando e, há cerca de um mês, a oitava estratégia foi colocada em prática. Trata-se da implantação das chamadas estações de busca, equipamentos desenvolvidos especificamente para Operação Brumadinho. Parte do maquinário foi importada da Finlândia.

“Com essa estratégia, a gente deve conseguir aumentar significativamente a velocidade de vistoria dos rejeitos, pode acelerar em até quatro vezes”, diz o porta-voz do Corpo de Bombeiros, tenente Pedro Aihara.

Nesses mais de dois anos, os militares conseguiram vistoriar superficialmente toda a área do desastre, que soma cerca de 290 hectares, o que equivale à aproximadamente 290 campos de futebol. Entretanto, a altura atingida pela lama varia ao longo do terreno, podendo chegar a mais de 15 metros em alguns pontos. Em termos de volume, até agora, 4 milhões de metros cúbicos passaram por vistoria.

Previsão é que buscas contem com cinco estações até o início do ano que vem — Foto: Reprodução/TV Globo
Previsão é que buscas contem com cinco estações até o início do ano que vem. (Reprodução/ TV Globo)

De acordo com o tenente, as estações de buscas foram desenvolvidas para possibilitar a separação do rejeito em fragmentos maiores e menores. A previsão é que, no mês que vem, mais um equipamento passe a funcionar em Brumadinho e, até o início do ano que vem, outros três sejam instalados, totalizando cinco.

O material depositado na área de buscas é transportado por caminhões até a estação. O rejeito é colocado em uma abertura e passa por uma peneira em vibração e, depois disso, dependendo da granulometria, o material é direcionado para esteiras diferentes.

Para o tenente, independentemente da técnica ou do tempo de buscas, esperança é uma palavra que sempre permeou o trabalho dos bombeiros em Brumadinho. Se, nas primeiras horas após o desastre, havia uma ansiedade em resgatar pessoas ainda com vida, agora a perseverança guia os militares em direção à expectativa de levar um pouco mais de conforto às famílias das vítimas com a adoção da nova estratégia.

Tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de MG — Foto: Reprodução/TV Globo
Tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de MG. (Reprodução/ TV Globo)

“Quando a gente consegue entregar esse alento para a família, acaba fazendo sentido para gente. É um trabalho muito desgastante, estressante, mas é uma operação que tem um porquê e esse porquê está muito ligado à razão de existir da corporação”, afirma.

Segundo Aihara, o compromisso do Corpo de Bombeiros é seguir com as buscas até que as 270 vítimas sejam localizadas ou enquanto houver condições fáticas para a realização dos trabalhos.

Natália, que ainda vive a angústia da espera pela despedida da irmã Lecilda, acredita que agora esse sentimento possa estar mais perto do fim.

“A gente acredita muito que vai dar uma agilidade. Eles falam que eles vão ficar até a última joia ser encontrada. E a gente acredita nisso, a gente vive isso e a gente tem uma gratidão infinita por essa operação de busca. A gente tem essa esperança, a fé em Deus que toda família vai ter o dia do encontro”, diz.

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