Tribunal espanhol absolveu Daniel Alves por dúvidas sobre depoimento da vítima


Por: Cenarium*

29 de março de 2025
Tribunal espanhol absolveu Daniel Alves por dúvidas sobre depoimento da vítima
A decisão de absolver o jogador gerou críticas na Espanha e no Brasil (Getty Images)

SÃO PAULO (SP) – Ex-jogador da seleção brasileira e astro de clubes como Barcelona, PSG e Juventus, Daniel Alves, de 41 anos, teve a condenação por agressão sexual anulada em decisão anunciada na sexta-feira, 28.

No acórdão em que absolve Alves, o pleno da seção de apelações do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha afirma não compartilhar da “convicção do tribunal de primeira instância, expressa em sua decisão, que contém uma série de lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições em relação aos fatos, à avaliação jurídica e a suas consequências”.

Ao mesmo tempo, deixa claro que a única hipótese relevante submetida a julgamento é a acusatória e que o fato de não considerá-la razoável não implica afirmar “que a hipótese verdadeira é a sustentada pela defesa do acusado”.

O tom do acórdão dos juízes María Àngels Vivas, relatora, Roser Bach, María Jesús Manzano e Manuel Álvarez é enfático em diversos momentos, inclusive quando sublinha a necessidade do consentimento individual em relações sexuais.

Observa, porém, que a acusação contra Alves não alcança “o patamar exigido para superar a presunção de inocência”. A decisão ainda pode ser objeto de recurso ao Supremo Tribunal da Espanha, mas o ex-atleta, que cumpria pena em regime de liberdade provisória na Espanha, teve restituído todos os seus direitos, inclusive o de viajar para o Brasil.

Leia abaixo alguns trechos da decisão da corte de segunda instância:

“O salto de argumentação feito pelo juiz de primeira instância nesse caso específico, situando a crença subjetiva da declaração da reclamante, limitando-a apenas à penetração vaginal não consentida, tendo em vista que ela se revelou uma testemunha não confiável, já que muitas de suas outras declarações não foram verificadas, evita o que deveria ter sido metodologicamente investigado… O contraste dessa declaração com as outras provas”.

“…Não se pode concluir que os padrões exigidos para a presunção de inocência, de acordo com a Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa, de 9 de março de 2016, tenham sido excedidos”.

“A doutrina constitucional exige um ‘padrão mais elevado de raciocínio’ nas condenações”.

“Em sua análise, a sentença de primeira instância usa o termo credibilidade como sinônimo de confiabilidade, o que não é o caso. A credibilidade corresponde a uma crença subjetiva, que não pode ser contrastada, associada à pessoa que faz a declaração; a confiabilidade, por outro lado, afeta a própria declaração”.

“O que deve ser avaliado em relação ao testemunho em si para determinar sua confiabilidade é sua veracidade, ou seja, a correspondência entre o que o testemunho contém e o que de fato ocorreu, e isso só é possível se houver elementos objetivos que permitam tal determinação. Dessa forma, permite-se a avaliação individual do testemunho como meio de prova, que, então, para obter maior confiabilidade, necessita da corroboração produzida pela avaliação conjunta do conjunto de provas”.

“O tribunal de primeira instância optou por aceitar uma crença subjetiva do que aconteceu dentro do banheiro, limitada apenas ao fato de que a penetração vaginal não foi consentida, como alega a reclamante. Justificando a versão, penetração vaginal não consentida, com o argumento de que o consentimento para a relação sexual pode ser modificado a qualquer momento e aventando possíveis razões pelas quais a reclamante pode ter faltado com a verdade para explicar as discrepâncias no relato, por razões de necessidade”.

A decisão de primeira instância “não explica porque um relato que não pode ser verificado com provas periféricas, mas que se origina de uma testemunha que, como já explicamos, se revelou não confiável na parte do relato que pode ser contrastada, pode ser aceito para sustentar uma condenação. É por essa razão que a invocação genérica de que se pode mudar de opinião não converte nem transforma o não confiável em confiável, porque afeta a veracidade do relato e isso diz respeito a como se reconstrói o fato provado”.

“A conclusão que se pode tirar, além da trama expositiva da sentença de primeira instância, que distorce a linguagem a ponto de, às vezes, parecer dar por provada a felação e outras não, é que apenas foi considerada provada a penetração vaginal, que é tida como não consentida, com base no relato da denunciante, separando-a dos demais fatos e desvinculando-a da lesão no joelho. Além disso, não há um aprofundamento na comparação das provas de defesa, provas biológicas e dactiloscópicas”.

A sentença anulada “apresenta déficits de avaliação muito relevantes, … não tomou precauções extremas para confrontar o conteúdo da prova”.

“…O que é explicado pela reclamante difere significativamente do que aconteceu de acordo com o exame do episódio gravado; o exame do que não é gravado, insistimos, tem que ser particularmente rigoroso e estrito de acordo com os requisitos da presunção de inocência, a fim de considerar a hipótese acusatória como crível”.

“…A discrepância entre o relato da reclamante e o que de fato aconteceu compromete seriamente a confiabilidade de seu relato”.

“A decisão do tribunal inferior mostra deficiências muito significativas em sua avaliação e que não tomou as maiores precauções para comparar o conteúdo das provas. O relato da reclamante, que deveria ter sido exposto a um exame mais minucioso, não foi contrastado com a prova datiloscópica ou com a prova biológica, que apoiam a tese sustentada pela defesa, prova de contraste neutra e científica, porque, como dissemos no início, o que é declarado na sentença deve poder ser revisado e verificado em segunda instância…”

“…As insuficiências probatórias expressas levam à conclusão de que não foi alcançado o patamar exigido para superar a presunção de inocência, … levando à revogação da decisão do tribunal inferior e à emissão de uma decisão de absolvição, deixando sem efeito as medidas cautelares adotadas”.

Entenda a seguir a linha do tempo do caso:

31 de dezembro de 2022 – Agressão sexual

Pouco antes das 4h, Daniel Alves pede a um garçom que convide três mulheres à área VIP da boate Sutton, em Barcelona.

Conforme imagens colhidas a partir de câmeras de segurança, o grupo dança por cerca de 15 minutos, até que Alves convida uma delas para uma suíte com banheiro, local onde teria ocorrido a agressão.

Depois de 16 minutos no interior do banheiro, o ex-jogador deixa o local, seguido pela moça. A caminho da saída, e acompanhada das amigas, ela começa a chorar.

Acolhida pela equipe de segurança da casa noturna, a mulher relata a suposta agressão e a boate inicia o protocolo para casos de violência sexual.

A polícia é chamada, colhe o depoimento da mulher, que é então encaminhada a um hospital para exames.

2 de janeiro de 2023 – Investigação

A denunciante confirma à polícia seu depoimento inicial: que entrou no banheiro voluntariamente, mas se arrependeu, e Alves não deixou ela sair.

O jogador teria tentado forçá-la a praticar sexo oral e depois a agredido e penetrado de forma violenta.

Os policiais reúnem testemunhos, analisam as câmeras de segurança e colhem amostras biológicas. Eles então se preparam para realizar a prisão do ex-atleta, que voltava do México.

20 de janeiro de 2023 – Prisão e contradições

Após ser preso, Alves se contradiz pelo menos três vezes: primeiro diz que não conhecia a jovem; depois que estiveram juntos no banheiro, mas nada aconteceu; e, finalmente, que ela tentou praticar sexo oral nele.

A juíza destaca essas contradições e a firmeza do relato da vítima.

Diante dos “indícios muito mais do que suficientes” de crime e do risco de fuga, ela decide pela manutenção da prisão, sem direito a fiança.

No mesmo dia, o clube Pumas, do México, rescinde o contrato do jogador.

17 de abril de 2023 – Penetração

A pedido do jogador, ele é conduzido para novo depoimento e novamente muda sua versão dos fatos, admitindo pela primeira vez que houve penetração – isso, após a polícia ter encontrado amostras de sêmen dele dentro da vagina da mulher.

No entanto, ele diz que houve consentimento e que mentiu para que sua esposa, a modelo Joana Sanz, não soubesse de sua infidelidade.

21 de junho de 2023 – Entrevista

Em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, Alves diz que tem a “consciência tranquila”.

Ele não pede desculpas à mulher, mas diz que a perdoa por ter distorcido os fatos ocorridos entre eles.

“O que aconteceu lá dentro é algo que só ela e eu sabemos”, diz o jogador.

31 de julho de 2023 – Indiciamento

A juíza Anna Marín encerra a investigação e processa Alves ao concluir que existiam provas suficientes de um crime.

Ela impõe fiança de 150 mil euros (cerca de R$ 900 mil à época) para cobrir uma possível indenização à vítima e adverte que, se ele não pagar, seus bens podem ser penhorados.

23 de novembro de 2023 – Nove anos

O Ministério Público espanhol pede a pena de nove anos de prisão por crime de agressão sexual com penetração (crime equivalente no Brasil ao estupro) e o pagamento de uma indenização de 150 mil euros à vítima pelas “consequências físicas e psicológicas” e pelos danos morais sofridos pela jovem.

A defesa da denunciante aumenta o pedido para 12 anos de prisão.

3 de janeiro de 2024 – Vídeo

Uma montagem em vídeo contendo imagens da mulher envolvida no caso aparece nas redes sociais.

Ele é compartilhado por pessoas próximas a Alves, incluindo a mãe dele. O vídeo tenta desacreditar a versão da jovem e revela também seu nome completo, até então preservado.

A advogada da mulher, Ester García, denuncia o fato, e um tribunal de Barcelona abre uma investigação.

5 a 7 de fevereiro de 2024 – Julgamento

O julgamento é realizado nos dias 5, 6 e 7 de fevereiro.

O Ministério Público e a advogada da vítima pediram que fosse realizado a portas fechadas, mas o pedido é rejeitado, e os magistrados decidem que apenas o depoimento da denunciante será resguardado.

Na última das três sessões, a promotora, Elisabeth Jiménez, defende a “credibilidade absoluta” da vítima diante das diversas versões apresentadas pelo jogador.

22 de fevereiro de 2024 – Sentença

Daniel Alves é condenado a 4 anos e 6 meses de prisão e a pagar uma indenização de 150 mil euros pela agressão sexual à jovem de 23 anos nos banheiros da boate Sutton, em Barcelona.

Os magistrados da 21ª seção acreditam no relato da mulher sobre os fatos e consideram provado que o ex-jogador do Barcelona a penetrou sem consentimento.

28 de março de 2025 – Absolvição

A divisão de apelações do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha anula por unanimidade a sentença que condenou o jogador por agressão sexual.

O tribunal aceita recurso apresentado pela defesa de Alves e, na decisão, fala em “falta de confiabilidade no depoimento da denunciante” e em “insuficiência de provas”.

A decisão gerou críticas na Espanha e no Brasil, e ainda cabe recurso.

(*) Com informações da Folhapress

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