Trio da Califórnia vence Nobel de Física 2025 por pesquisa em mecânica quântica
07 de outubro de 2025

SÃO PAULO – No centenário da fundação da mecânica quântica, a base teórica que explica o comportamento da matéria em suas menores escalas, o comitê do Nobel decidiu premiar um trio de físicos por revelar a presença de efeitos aparentemente malucos e contraintuitivos da teoria mesmo em sistemas macroscópicos, explorando a turva divisa entre os mundos clássico e quântico.
Os ganhadores têm todos laços com a Califórnia, nos Estados Unidos. John Clarke pertence à Universidade da Califórnia em Berkeley, e seus colegas Michel H. Devoret e John Martinis, à Universidade da Califórnia em Santa Cruz, sendo que Devoret também tem laços com a Universidade de Yale.
Em anúncio realizado nesta terça-feira, 7, na sede da Academia Real de Ciências da Suécia, em Estocolmo, os três dividiram o Prêmio Nobel em Física pela “descoberta de tunelamento quântico e quantização de energia macroscópicos em um circuito elétrico“.
A escolha vem bem a calhar, justamente no centenário da moderna teoria quântica, iniciada por Werner Heisenberg, em 1925. O físico alemão foi o primeiro a teorizar a natureza bizarramente probabilística de objetos quânticos.
Átomos estão longe de ser réplicas em miniatura de sistemas solares, como até então se pensava, e partículas não podem ser comparadas a bolas de bilhar. Isso porque, quando falamos de planetas ou de quaisquer outros objetos macroscópicos, todos podemos concordar sobre o local em que estão e a velocidade com que se deslocam.
Na mecânica quântica, essa realidade que nos parece tão óbvia se desfaz: partículas elementares não têm posição ou velocidade definidas —elas existem numa sobreposição de todas as posições ou velocidades possíveis para elas, até que sejam observadas por algum aparato experimental. E mais: há limites estritos sobre o que essas medições podem revelar a respeito delas. Se o físico mede com precisão a velocidade de uma partícula, a ele é vedado saber com precisão a posição dela, e vice-versa.
É o chamado princípio da incerteza, formulado por Heisenberg em 1927 e base dos fenômenos quânticos, em que fenômenos podem se manifestar como ondas ou como partículas, dependendo de como os sondamos —a realidade quântica depende essencialmente do observador e de como ele a aborda.
Na fronteira
A natureza probabilística da mecânica quântica torna possíveis fenômenos que, do ponto de vista clássico, seriam impraticáveis. Se você atira uma bola numa parede, ela inevitavelmente vai recochetear e voltar na sua direção. Mas o mesmo não necessariamente vai ocorrer com uma “bola” quântica.
Como ela não respeita as leis do movimento clássicas, mas a mecânica quântica, que diz que ela estará em todos lugares possíveis ao mesmo tempo, baseada em sua função de onda (descrita por Erwin Schrödinger, na formulação mais usada da mecânica quântica, criada um ano depois da de Heisenberg), isso inclui algumas possíveis localizações além da parede.
Com suficiente repetição do experimento, em algumas vezes, a “bola” quântica ignorará a presença do bloqueio e aparecerá do outro lado —fenômeno conhecido como tunelamento (é como se ela tivesse aberto um túnel quântico para o outro lado do muro).
Apesar de contraintuitivo, o tunelamento é real, e explica uma gama variada de experimentos feitos em laboratório, além de viabilizar, por exemplo, a compreensão de como buracos negros podem perder energia e evaporar —determinação feita pelo famoso (mas jamais premiado com o Nobel) físico britânico Stephen Hawking.
Mas ninguém pode deixar de notar que, para a física do dia a dia, isso não acontece. Temos aí um aparente disparate: como partículas individuais, regidas pela mecânica quântica, podem ter esses comportamentos bizarros, mas objetos macroscópicos, que são em essência compostos por agregados de partículas, não?
Ninguém entende exatamente como se dá a separação entre o clássico e o quântico. Especula-se que, em certas circunstâncias e a partir de uma determinada escala, há um “colapso da função de onda”, e a natureza deixa de agir de forma probabilística e se torna determinística, como parece ser o mundo à nossa volta.
É justamente nessa interface entre dois mundos incongruentes que entra o trabalho de Clarke, Devoret e Martinis: em seus experimentos, eles revelaram que, dadas as circunstâncias corretas, fenômenos quânticos, como o tunelamento, podem se apresentar mesmo em sistemas macroscópicos, como um circuito elétrico.
A transposição de fenômenos quânticos para o mundo clássico é um preceito fundamental para o desenvolvimento de tecnologias que façam uso deles, como as muito badaladas hoje computação e criptografia quânticas. Daí a importância dos trabalhos hoje premiados —além de oferecer uma janela de estudo para compreender a própria natureza do universo, eles dão luz a potenciais revoluções tecnológicas ora em curso.
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