Última nascente limpa do Rio Negro é ameaçada por construção de condomínios
Por: Letícia Misna
22 de março de 2025
MANAUS (AM) – Localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus, o Água Branca é considerado o último igarapé limpo que corta a capital amazonense. Com mais de mil braços de rio, segundo dados da Associação Comercial do Amazonas (ACA), a cidade transformou esses igarapés, que do tupi significa “caminho de canoa”, em verdadeiros caminhos de lixo. E ele pode acabar seguindo o mesmo caminho.
De acordo com o biólogo Arley Figueiredo, a especulação imobiliária aumentou o valor dos imóveis em Manaus, fazendo com que os olhos se voltassem à região do Tarumã. “Mansões, grandes condomínios, habitações, são feitas ao redor do igarapé Água Branca. E para isso ser feito, a mata ciliar, o fragmento vegetal, são retirados para construções. Hoje em dia a briga política é muito grande, e a gente tende a perder”, explicou.
Parte do Água Branca passa dentro da propriedade de Jó Farah que, há mais de 20 anos, decidiu dedicar-se à preservação e proteção do igarapé. Presidente da Organização Não Governamental (ONG) Mata Viva, o ativista trabalha desde a prevenção ao combate à degradação no entorno desta que é a última nascente límpida do Rio Negro que restou.
“Esse igarapé sofre várias ameaças. Quando chega algum desmatamento, alguma nova agressão ao igarapé, nós vamos lá, filmamos e identificamos. É preciso deixar bem claro para todos: se você é um agressor, se você está planejando invadir a área de floresta do igarapé Água Branca, não venha porque nós vamos te denunciar. Vamos levar ao Ministério Público, vamos levar à Semmas [Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade], ao Ipaam [Instituto de Proteção Ambiental Do Amazonas]. Não vamos aceitar desmatamento na margem do igarapé e muito menos ocupações irregulares”, alertou Jó.
Mesmo com a iniciativa, o Água Branca já sente os impactos da pressão no seu entorno. Uma dessas consequências pode ser vista em vídeo gravado por Jó Farah, no ano passado: a água, antes límpida, ficou barrenta pela concentração de barro despejado por obras.
Nascidos do Rio Negro
A principal ação de prevenção da Mata Viva é levar educação ambiental às novas gerações. Jó recebe em sua propriedade, regularmente, alunos das redes públicas de Manaus para que possam conhecer e aprender sobre o igarapé.
“É inadmissível ver as crianças dessa idade, e até de outras idades também, crescendo sem nunca ter visto um igarapé limpo”, disse o ativista, que explicou, ainda, que seu trabalho é fazer com que os alunos se transformem em replicadores. Ele também espera que o Água Branca seja reconhecido como um corredor ecológico, além de patrimônio ambiental de Manaus, pedido já feito à Semmas.

“Porque quando eles chegam em casa, na sala de aula, na comunidade, eles vão replicar essa experiência positiva de fazer uma trilha, de passar uma manhã inteira próximo de um igarapé vivo dentro da floresta para os seus amigos, seus colegas. Eles vão dizer ‘Olha, não pode jogar lixo. Está feio, mas não vamos piorar. Se continuar jogando lixo, vai piorar!’”, destacou.
Lhya Viana, de 11 anos, é aluna do 6º ano de uma escola pública e, por meio do projeto, teve seu primeiro contato com um braço de rio naturalmente limpo. “Os igarapés que eu vi não eram assim limpos. Eram meio sujos. Geralmente estavam com lixo”, compartilhou com a reportagem.
Da experiência, ela contou que tirou uma lição: “hoje aprendi que a gente não deve desmatar a floresta, não deve jogar lixo. A gente tem que preservar os rios. Porque sem a natureza a gente não vive”.
Um aceno da indústria
À CENARIUM, Jó Farah explicou que o Distrito Industrial de Manaus é um modelo de desenvolvimento que, de certa forma, impediu muito a poluição mais grave, mas que ainda é difícil ter abertura das empresas para a causa. Apenas recentemente o Mata Viva conseguiu chamar a atenção de uma delas.
“A gente tem essa relação já há alguns meses. Eu falo de um local de responsabilidade porque sendo um industriário, sendo um pertencente da Zona Franca de Manaus, a gente tem noção do quanto a gente produz nessa produção de larga escala. A gente sabe que esse lixo, essa produção excessiva, uma hora chega nos igarapés. No Água Branca jamais”, enfatizou Matheus Garcia, representante de uma empresa de componentes eletrônicos do polo industrial que decidiu apadrinhar o Água Branca.

A parceria entre o industriário e a Mata Viva é, sobretudo, acerca do trabalho de conscientização e sensibilização das crianças que moram no entorno dos igarapés de Manaus. “Igarapés esses que são lixeiras viciadas, para que elas [crianças] comecem a criar bons hábitos dentro da casa delas. Porque, veja bem, a gente não tem como cobrar de uma pessoa aquilo que ela desconhece, aquilo que ela não sabe que existe”, disse Matheus.