Sete especialistas apontam efeitos da invasão da Ucrânia no mundo: ‘confronto entre potências nucleares’

Eles ressaltam que reverberações da guerra ainda estão se desenhando (Reprodução/Artes de Felie Nadaes)

Com informações do InfoGlobo

Uma guerra que poderá ter consequências tão importantes na definição da ordem global quanto a Segunda Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim. Um conflito que embute o risco de um confronto entre potências nucleares. Uma invasão ilegal, como a do Iraque em 2003,que num primeiro momento teve como efeitos diretos o fortalecimento da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, e um isolamento diplomático e econômico inédito de um país que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia.

Consultados pelo O GLOBO, sete especialistas de diferentes regiões do mundo também citaram o impacto que a invasão da Ucrânia — ocorrida em 24 de fevereiro e que completa quatro semanas na próxima quinta-feira, 24 — terá na busca dos países por maior autonomia energética. A guerra traz, ainda, como especula Ian Bremmer, da consultoria Eurasia, a possibilidade de provocar o “fim da globalização”, caso a China, unida à Rússia, se desvincule do Ocidente.

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Ela teve, lembra a chilena Paulina Stroza, repercussões na América Latina, com o ensaio de aproximação entre a Venezuela, de Nicolás Maduro, e a Casa Branca, de Joe Biden. Como ressaltou o acadêmico sul-africano Christopher Isike, a invasão pôs em foco a necessidade de reforma de todo o sistema internacional, para ele, organizado em uma hierarquia racista segundo a qual alguns povos podem ter suas soberanias violadas e outros não.

Ao mesmo tempo, acautelam os especialistas, é cedo para cravar que os efeitos imediatos do conflito se consolidarão. Isso dependerá, por exemplo, de como evoluirá a recém-anunciada “parceria ilimitada” entre Moscou e Pequim.

Dependerá, igualmente, de quanto durará a coesão da Otan, dadas as divergências que persistem entre seus países-membros e o desejo de integrantes da União Europeia de uma defesa mais independente de Washington. E, ainda, das repercussões do conflito na política dos EUA, onde um retorno do trumpismo voltaria a pôr em xeque a liderança americana.

Veja abaixo a opinião dos sete especialistas:

Ian Bremmer*

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Ian Bremmer diz que uma nova Guerra Fria entre o G-7 e Moscou pode acontecer

‘Rússia será desvinculada do Ocidente para sempre’

Temos duas certezas e duas perguntas ainda sem respostas neste momento.

A primeira certeza é a de que a Rússia será, permanentemente, desvinculada do Ocidente. Teremos uma nova Guerra Fria entre o G-7 e Moscou. E Putin estará econômica, política e geopoliticamente, em posição muito pior do que estava antes de invadir a Ucrânia, não importando o resultado da guerra.

Putin fortaleceu o nacionalismo ucraniano e estará em conflito permanente com o país vizinho. Ele terá problemas nos países bálticos e na Alemanha, que aumentou seu orçamento militar. As sanções contra a Rússia não serão suspensas em curto prazo e, mesmo se forem, essas economias não se reintegrarão mais.

A outra certeza é a de que os europeus consideram esta agressão uma ameaça existencial para a democracia. Estão mais unidos e, em consequência, o populismo na Europa morrerá ou será reduzido significativamente.

O Brexit não teria acontecido neste ambiente. Macron vencerá, facilmente, as eleições francesas e a extrema direita perderá relevância. O foco dos europeus será em defesa de uma União Europeia mais coesa. Buscarão diversificar suas economias para se afastarem da Rússia o mais rapidamente possível.

Mas temos duas grandes incertezas. A primeira é saber se a guerra reunificará os americanos. Neste momento, estão juntos na certeza de que Putin é uma ameaça maior do que qualquer desavença política interna. Mas, assim como os europeus consideram esta crise uma ameaça à democracia, os americanos a veem como uma ameaça para a existência da Ucrânia e consideram Putin um criminoso de guerra.

Mas os problemas econômicos, os refugiados ucranianos, tudo está longe dos EUA. O populismo deve acabar na Europa, mas não aqui. Isso nos leva a incertezas, no médio prazo, sobre alianças transatlânticas, liderança dos EUA e a relação entre os europeus e a China.

A segunda grande questão é justamente sobre a China. Serão os chineses os melhores amigos da Rússia? A nova Guerra Fria não envolverá apenas a Rússia, mas também a China? Precisamos entender se Pequim está interessada em atuar de maneira construtiva ou se ajudará os russos. Responder a esta pergunta é crucial, pois uma desvinculação entre o Ocidente e a China, e ao mesmo tempo, a união de chineses e russos nesta nova Guerra Fria significariam de fato o fim da globalização.

*Ian Bremmer é presidente e fundador da Eurasia, principal consultoria de risco político dos EUA.

Stella Ghervas*

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“Notamos uma espetacular aceleração da recuperação da importância da UE como ator geopolítico”, afirma Stella Ghervas.

‘A guerra fez a UE finalmente ficar de pé’

Estudo o que chamo de Enlarged Europe (“Europa Ampliada”). Minha perspectiva se diferencia dos colegas que analisam o continente do ponto de vista exclusivamente ocidental, pois o encaro como um triângulo no qual um dos lados é Londres ou Paris, dependendo do período histórico, o outro é Moscou ou São Petersburgo, e o terceiro é Constantinopla, hoje Istambul.

E é importante notar que, após a euforia com a expansão da União Europeia (UE) para o Leste, o bloco foi perdendo relevância como ator internacional. Tivemos crises como a dos refugiados e o Brexit. Mas, nas últimas três semanas, a agressão da Rússia à Ucrânia acordou a UE. Desde o primeiro dia, notamos uma espetacular aceleração da recuperação da importância da UE como ator geopolítico.

O bloco é, historicamente, lento em reagir, devido à necessidade de consenso. Um exemplo claro foi a resposta à Covid-19. Mas o comprometimento com o presidente Zelensky e com a heroica resistência dos ucranianos deu à UE motivação e coragem para, finalmente, ficar de pé. O bloco enfatizou, nas últimas semanas, a necessidade de defender seus valores e interesses. E voltou a usar seu poder para aplicar sanções e ativar mecanismos internos para enviar armas à Ucrânia.

Em um dos capítulos de meu último livro, “Conquering Peace”, trato do abandono, desde meados do século XX, da tentativa de se construir uma comunidade europeia com um sistema de defesa que não dependa apenas da Otan. Voltar ao tema é um despertar geopolítico e, também, uma emancipação do bloco.

A UE, creio, vai recuperar autonomia política, estratégica e energética no futuro. A resposta do bloco à Rússia provocará mudanças internas e institucionais. E a primeira delas será redefinir seus propósitos. Por anos, tratamos a missão da UE com foco em paz e prosperidade. Um dos impactos da guerra será justamente o de responder se a UE deve ter suas próprias Forças Armadas, se emancipando assim de seu “grande irmão”, os Estados Unidos. Pois, quando a Rússia olha para a Otan, ela não vê a UE, ela vê os EUA.

Vejo, no futuro, uma reconfiguração de alianças em matéria de defesa. Uma transformação da aliança com os EUA, na Otan, para uma aliança europeia na qual os membros da UE definirão sua própria paz e suas fronteiras.

*Stella Ghervas é professora da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, e autora de “Conquering Peace”.

Adam Tooze*

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“O conflito pode se expandir, ao nível global, de uma maneira terrível, ou então continuar a ser um horror concentrado na Ucrânia”, diz Tooze

‘Ação do G7 impressiona, mas há rachaduras’

É muito cedo para responder a esta pergunta de forma definitiva. A guerra na Ucrânia está em curso e o seu resultado final está bem longe de ser certo. O conflito pode se expandir, ao nível global, de uma maneira terrível, ou então continuar a ser um horror concentrado na Ucrânia, como aconteceu no caso sírio. Um aspecto crucial, que veio à tona, é que a geopolítica não depende somente do equilíbrio de poder do ponto de vista estatístico.

A geopolítica não diz respeito só às grandes estruturas e ao tamanho das Forças Armadas. A guerra acrescenta a ela uma dinâmica imprevisível. A resistência popular pode mudar o curso dos acontecimentos, talvez não alterar o resultado final, mas os seus significados. Um colapso ucraniano, que muitos esperavam, é muito diferente de uma heroica resistência ucraniana derrotada. A possibilidade de acirramento, tanto em termos de violência quanto do moral das tropas, é difícil de calcular.

Qualquer ilusão que tínhamos sobre o comércio internacional, como garantidor de uma ordem pacífica se esvaiu. Agora, sabemos que, se dois países com filiais do McDonald’s entrarem em guerra, um, simplesmente, vai fechar as suas lanchonetes! Ou o McDonald’s mesmo fará isso. A posição da Rússia está, claramente, enfraquecida, mas, por outro lado, a importância indispensável das suas exportações de energia, ao menos no curto prazo, confirmou-se quando vimos a hesitação da Europa em relação às sanções.

O dinheiro, ao que parece, é a arma mais fácil de usar da economia mundial. O bloqueio das reservas do Banco Central da Rússia foi uma medida verdadeiramente dramática. O constrangimento da Rússia, por sua vez, é claramente problemático para a China, que contava com a Rússia como sua parceira estratégica. Mas a pressão geopolítica é uma coisa, guerra é outra bem diferente.

Também impressiona que o “Ocidente”, ou mais propriamente o G7, tenha agido como bloco contra a Rússia. Mas as rachaduras são evidentes nessa aliança; saberemos o quão sérias são quando verificarmos se os novos compromissos se sustentam e se materializam na forma de gastos mais altos em segurança.

Continuo cético quanto à capacidade dos EUA de reunirem uma frente antiChina na Ásia. Alguém notou o lançamento da estratégia para o Indo-Pacífico de Biden há algumas semanas? E as divergências na UE entre países ocidentais e orientais também não desapareceram.

*Adam Tooze é professor de História Econômica da Universidade Columbia, nos EUA.

Christopher Isike*

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Isike afirma que ao debruçar-se sobre a invasão russa questiona as origens racistas da geopolítica global

‘A hora é de transformar o sistema internacional’

Desde a invasão da Ucrânia se busca quem teria causado o conflito armado. Quem está certo ou errado. Meu olhar é bem distinto. Ao me debruçar sobre a invasão russa, questiono as origens racistas da geopolítica global, com lideranças incapazes de prever e lidar com a crise. Falharam todos. E todos precisamos usar o momento para transformar este sistema. Além de global, ele precisa ser, de fato, internacional.

A guerra é produto de um sistema racista erguido sobre a bifurcação ontológica dos “seres” e dos “não seres”. Dos “seres” ocidentais, que merecem os direitos humanos anunciados pelo Iluminismo. E dos “não seres” africanos, árabes, asiáticos, latino-americanos e alguns eslavos, que vivem em nações cuja soberania é enxovalhada e tem sua existência questionada.

Esta noção cartesiana de humanidade permite o racismo, o genocídio, o cerceamento de direitos, a exploração do “inferior”. E ainda se calca no Estado-nação idealizado no século XVII na Europa. Outras “internacionalidades” são sempre questionadas.

Daí o contraste da recepção aos refugiados ucranianos como os da África e Ásia. Um exemplo foi o de agentes poloneses insultando estudantes de origem africana, ao ignorá-las quando abriam frente para mulheres atravessarem primeiro a fronteira. Mas só algumas. As africanas, não, pois, para eles, valiam menos, eram “não seres”.

A guerra nos oferece a possibilidade de compreender a desigualdade do sistema, cujo núcleo são as cadeiras permanentes do Conselho de Segurança da ONU.  Foi este sistema que gerou Putin e, agora, é incapaz de detê-lo. Com os vetos no Conselho, a ONU se revela inútil, vítima de si mesma.

Com o teatro de guerra, pode parecer que o realismo nas relações internacionais se tornou relevante uma vez mais. É uma ilusão. É impossível retornar a um estado de ordem bipolar ou se manter na “unimultipolaridade” atual. Continuaremos a nos mover em direção a um mundo intersocial e conectado, coletivista e interdependente.

Esta socialização de relações, por dentro das nações, se dará em torno de desafios comuns, como saúde, comércio, imigração, crise do clima e desigualdades sociais. As agendas globais serão, cada vez mais, inevitáveis, não o oposto. E a base do novo sistema internacional precisa ser a igualdade de todos os “seres”, sem discriminação de raça ou geografia. Afinal, como se prova há um mês, ninguém é imune à guerra.

*Christopher Isike é cientista político e professor da Universidade de Pretória, na África do Sul.

Angelo Segrillo*

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“Estamos tratando de problemas do mundo pós-Guerra Fria ainda com instrumentos basicamente da época da Guerra Fria”, afirma Segrillo

‘Instrumentos da Guerra Fria estão superados’

A situação atual está em andamento e fluida. Assim, não se pode afirmar nada em definitivo. Ainda mais que estamos em um processo de transição hegemônica, com uma potência central em declínio relativo, os Estados Unidos, e uma aspirante ao posto de maior economia do mundo, a China.

Em um primeiro momento, a ameaça russa serviu para unir o grupo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que até pouco tempo atrás vinha fracionado por uma série de dissensões, como o isolacionismo de Donald Trump e os autoritarismos na Polônia e na Hungria.

A Rússia, que havia se recuperado da depressão econômica dos anos 1990, sob Boris Yeltsin, com Vladimir Putin retomou uma rota de grande potência assertiva a ponto de bancar a guerra para evitar que a Ucrânia entrasse em uma aliança militar que vê como hostil.

Entretanto, se esta manobra ousada sair pela culatra, principalmente, devido às fortíssimas sanções econômicas a que foi submetida, o resultado líquido pode ser a Rússia cair sob a órbita da dependência econômica da China para contrabalançar os efeitos das sanções ocidentais.

Porém, considero que mais importante que esses movimentos, ainda especulativos e de curto prazo, é a constatação de que a crise pontual, na Ucrânia, pode ser sintoma de um mal maior: estamos tratando de problemas do mundo pós-Guerra Fria ainda com instrumentos basicamente da época da Guerra Fria.

Após a Segunda Guerra Mundial, para lidar com os desafios do mundo bipolar de duas superpotências, EUA e União Soviética, foram criadas uma série de instituições — como as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, o sistema de Bretton Woods, com FMI e Banco Mundial, a Otan e o Pacto de Varsóvia — que serviram relativamente bem nas condições daquele período.

Hoje, não há mais Guerra Fria nem União Soviética ou mundo bipolar. No entanto, continuamos a tratar os problemas diferentes de hoje com os mesmos instrumentos de antes. Isso fica claro, na crise da Ucrânia, quando uma aliança militar da época da Guerra Fria voltada contra a URSS continua existindo — ainda que a União Soviética não exista mais — e assombrando e turvando as relações entre Ocidente e Rússia. É preciso encontrar novos paradigmas e novos instrumentos para tratar deste novo contexto de transição hegemônica pós-Guerra Fria.

*Angelo Segrillo é historiador, professor da USP e autor de “O declínio da URSS: um estudo das causas”.

Paulina Stroza*

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“Todos perceberam a importância de se ter uma rede de proteção que abranja política externa e segurança”, afima Stroza

‘Um marco como a queda do Muro de Berlim’

O sistema internacional já vinha sofrendo mudanças antes mesmo da guerra, por conta, por exemplo, da pandemia. Mas o que estamos vendo agora é algo como um grande movimento telúrico, que produzirá um marco na História, como a queda do Muro de Berlim e o fim da Segunda Guerra Mundial.

Vladimir Putin fez mais pela integração europeia do que qualquer outro líder europeu nos últimos 70 anos de integração. Nunca antes os 27 países da União Europeia (UE) tomaram decisões consensuais que derrubaram até tabus. Países próximos ao Kremlin, como a Hungria, votaram a favor de sanções contra a Rússia.

Aumentou a consciência de que a UE não pode depender de terceiros, por exemplo, no acesso a fontes de energia. A mudança de posição da Alemanha, que rompeu com o pacifismo, é notável. E Estados que eram “neutros”, como Suécia e Finlândia, estão pensando em aderir à Otan. Todos perceberam a importância de se ter uma rede de proteção que abranja política externa e segurança.

Em relação aos EUA, o presidente Biden, como a UE, pensa em outras fontes de energia e, de forma surpreendente, negocia com a Venezuela. O presidente Maduro anunciou novas tentativas de acordo com a oposição e nada disso é por acaso. Podemos ver mudanças significativas na região pelo impacto da guerra. Maduro sabe que não contará mais com a Rússia em termos econômicos e, se tiver de vender petróleo aos EUA, o fará. Se isso implicar em concessões, as fará, o que pode levar a mudanças no cenário latino-americano.

Hoje, a América Latina tem pouco peso global e está fragmentada, mas há mudanças importantes, por exemplo, no Chile, com uma nova esquerda, menos ideologizada, que se posiciona contra a invasão russa. Nesse caso, a Rússia poderia unir posições em nossa região, como na Europa.

A Otan, por sua vez, recebeu forte impulso com a guerra. Depois da saída dos EUA do Afeganistão, houve um declive expressivo. O presidente Macron chegou a falar em “morte cerebral” da Otan. Mas, hoje, a organização está empoderada, com narrativa nova e inimigo claro.

A Europa está se remilitarizando; tudo o que Putin não queria. É incrível ver como a ex-chanceler conservadora Angela Merkel foi criticada por ter tolerado demais ações de Putin, por causa do gás e do petróleo, e agora os que aumentam o orçamento militar e aplicam sanções duras a Moscou são os social-democratas.

*Paulina Stroza é professora de Direito e Relações Internacionais da Universidade de Concepción, no Chile.

Comfort Ero*

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“O conflito é importante porque suscita o risco de uma confrontação direta entre potências nuclearmente armadas”, afirma Ero

‘Cooperação crucial entre Moscou e o Ocidente se rompe’

A guerra na Ucrânia é a ameaça mais grave e imediata à paz e à segurança internacional em décadas. O conflito não é mais importante porque é na Europa. É importante porque suscita o risco de uma confrontação direta entre potências nuclearmente armadas e rompe uma cooperação crucial entre o Ocidente e a Rússia. Um exemplo-chave são as conversas entre o Irã e os EUA para a retomada do acordo nuclear.

A distância entre os dois lados vinha diminuindo, mas, agora, a Rússia exige que seu comércio com o Irã fique isento das sanções que enfrenta por causa da Ucrânia. As implicações de uma ruptura seriam significativas, não apenas diplomaticamente, mas com repercussões na Síria, onde tanto a Rússia quanto o Irã apoiam Bashar al-Assad.

Além disso, se a Rússia e os EUA forem incapazes de cooperar em outras crises, no Conselho de Segurança da ONU, os efeitos serão sentidos da Líbia ao Mali e à República Centro-Africana. Negociações de paz e ajuda humanitária, em outros conflitos, da Etiópia ao Afeganistão, poderiam ser comprometidas se todos os esforços se concentrarem na Ucrânia.

A invasão russa é a mais grave violação da soberania de um outro país desde a Guerra do Iraque, em 2003. Também é uma agressão de um Estado com armas nucleares a um país vizinho que é apoiado pelas potências da Otan, das quais três têm arsenais atômicos. Existe o risco de uma confrontação direta. Tudo deve ser feito para evitar esse tipo de escalada.

Além da necessidade de conter o conflito, as consequências humanitárias são drásticas. Muitos civis foram mortos e cerca de 3 milhões fugiram, a grande maioria mulheres, crianças e idosos, porque a Ucrânia proibiu a maioria dos homens de deixar o país.

Apesar da boa acolhida que os refugiados estão recebendo em países vizinhos, eles enfrentarão muitos desafios, incluindo daqueles que veem mulheres sem acompanhantes homens como presas.

A catástrofe será sentida muito além da Ucrânia, à medida que o impacto da guerra e das sanções ocidentais desestabilizam a economia global. Já estamos vendo a explosão dos preços do petróleo, do gás e das commodities. O grosso desse custo será sentido por aqueles que menos podem pagar por ele. A guerra já provocou um aumento meteórico nos preços do trigo, provocando o temor da insegurança alimentar.

Também há considerações ambientais. Algumas, na própria Ucrânia, onde combates próximos ou sobre usinas de energia levantam sérios riscos. Globalmente, o aumento dos preços alimentou apelos pelo aumento da exploração do petróleo, em um sinal preocupante de que a “independência energética” pode vir às custas de políticas verdes. No entanto, esta é exatamente a hora de acelerar a transição para energias renováveis.

*Comfort Ero é presidente do centro de estudos International Crisis Group.

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