Um mergulho saudoso nos igarapés de Manaus
Por: Elisiane Andrade
18 de novembro de 2025Situada à margem esquerda do Rio Negro, Manaus completa 356 anos. Esta metrópole, em meio à biodiversidade da maior floresta tropical do planeta, é toda cortada por igarapés. Esses importantes cursos d’água, há tempos, além de embelezarem a paisagem que acompanha seus percursos, abrigaram belos e movimentados balneários, verdadeiros símbolos de lazer dos manauaras nos finais de semana. Numa breve pesquisa, ou numa conversa descontraída com quem frequentou esses lugares, percebe-se o quanto os igarapés estão geograficamente e culturalmente entrelaçados à vida da cidade.
Mas infelizmente, Manaus carrega, em seu processo de expansão urbana e modernização, a marca de um lugar onde, de modo geral, seus habitantes e, principalmente, os gestores públicos, não souberam conciliar natureza e as transformações do espaço urbano. Essa vasta e complexa hidrografia urbana hoje chora, asfixiada pela poluição, erosões e perda de grande parte de sua biodiversidade. O que antes era um conjunto de ecossistemas vivos, tornou-se lixeira pública e receptora dos esgotos domésticos e industriais. Dá a entender que, por aqui, os igarapés perderam a importância, ou uma boa parcela ainda não atentou para a gravidade do problema.
O aterramento dos igarapés, iniciado no século XIX para atender ao processo de urbanização, abrir espaço a grandes obras e servir ao curso da “modernização”, transformou profundamente a paisagem urbana. Ao longo dos anos, parte desses cursos d’água desapareceu, e a expansão urbana desordenada ocupou o lugar da mata ciliar, deixando sem abrigo boa parte da fauna local. Somando-se à retirada da vegetação nativa, o acúmulo de lixo e a ausência de tratamento de esgoto, o resultado, em pouco tempo, foi o comprometimento da qualidade da água, as recorrentes alagações que desabrigam famílias e, lamentavelmente, a morte dos memoráveis balneários.
Entre os balneários que marcaram época — como o Balneário do Parque Dez, o Balneário do Tarumanzinho e a Ponte da Bolívia, entre outros, restam apenas as memórias de um saudoso mergulho. É o que recorda seu Francisco Sampaio, morador do bairro Santa Etelvina e estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que frequentou o Balneário Ponte da Bolívia: “Tomei muito banho nesse igarapé. A água era cristalina e bem geladinha, era muito movimentado, principalmente aos domingos. Era um tempo muito bom.”
Seu Sampaio participa de um projeto escolar intitulado “Reflorestamento do Igarapé da Bolívia e Sustentabilidade no Santa Etelvina“. Para ele, um dos caminhos para recuperar o igarapé, que tem relação direta com a comunidade, é a recomposição da mata ciliar, que ajuda a evitar a erosão, já que as raízes das plantas funcionam como filtros naturais.
Além disso, as árvores fornecem sombra, moradia e alimento para diversas espécies de animais, além de contribuírem para mitigar as mudanças climáticas. O reflorestamento é um passo essencial, mas precisa vir acompanhado de melhor infraestrutura, políticas de moradia para famílias que vivem nas proximidades dos igarapés e, principalmente, tratamento adequado de esgoto.
Seu Sampaio ainda destaca que a nascente do igarapé, localizada na Reserva Adolpho Ducke, está protegida — mas é preciso pensar em todo o curso da água. Ele mantém a esperança de que ainda seja possível mergulhar nesses igarapés, como as pessoas faziam outrora.
“Sabemos que esse projeto é uma pequena iniciativa, mas, se cada um fizer a sua parte, quem sabe nossos netos e bisnetos poderão mergulhar nesses igarapés. Para isso, o poder público e a população precisam tomar consciência da importância dessas águas para todos nós“, diz ele.
As palavras de seu Sampaio e as memórias registradas sobre os igarapés de Manaus e seus saudosos balneários remetem a um trecho da música Domingo de Manaus, do artista parintinense Chico da Silva, que retrata o costume de lazer dos moradores de aproveitarem os domingos ensolarados para se refrescarem nas águas geladas dos igarapés:
“É um domingo de verão
Estou pensando em me banhar na Ponta Negra
Se não quiser, eu posso dar uma chegadinha
No famoso Tarumã
Visito o Parque Dez e vou chegando
Até a Ponte da Bolívia“
Com a morte dos igarapés, hoje totalmente contaminados, restam apenas as lembranças e a saudade dos domingos em que os moradores podiam mergulhar, se refrescar e se divertir. A falta de responsabilidade política dos gestores municipais, ao longo das décadas, contribuiu para que Manaus agonize sob a poluição hídrica. Diante de tamanha abundância de recursos naturais, a cidade poderia ser exemplo mundial de sustentabilidade.
A preocupação com o futuro da cidade passa, inevitavelmente, pela recuperação dos cursos d’água que a atravessam. Em tempos de emergência climática, a sustentabilidade deveria ser prioridade absoluta dos gestores públicos. Manaus é uma cidade de grande beleza e hospitalidade, mas parte dessa beleza está ofuscada. O cuidado que ela merece depende da retomada de consciência de todos nós.
A recuperação dos igarapés de Manaus representa uma enorme contribuição à qualidade de vida. É possível transformar as áreas degradadas em espaços funcionais, seguros e atrativos, promovendo benefícios ambientais, sociais e econômicos. Mais do que isso, a revitalização dessas águas abre a possibilidade para que as populações mais carentes voltem a usufruir de lazer, de paisagens agradáveis e de um ambiente saudável. Ou seja, democratiza mais o usufruto da cidade.
Esperancemos que Manaus possa, em seus próximos aniversários, resplandecer em uma beleza sustentável.