Unanimidade na CCJ põe fim à ‘PEC da Blindagem’, que ampliava imunidade parlamentar
Por: Ana Cláudia Leocádio
24 de setembro de 2025
BRASÍLIA (DF) – A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) rejeitou, por unanimidade, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 3/2021), conhecida como “PEC da Blindagem”, que retomava a exigência de autorização do Parlamento para abertura de processos contra deputados e senadores, mediante votação secreta. Dos 27 votantes, 26 votaram pelo relatório do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que rechaçou a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, no dia 17 deste mês.
O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), não votou porque só votaria em caso de empate, e decidiu encaminhar ao plenário para apreciação dos senadores. Segundo o relator Alessandro Vieira, pelo Regimento Interno do Senado, a PEC já foi derrotada e a ida ao plenário é um mero gesto político, para dar oportunidade aos 81 senadores de manifestarem suas posições.
Conforme o parágrafo 1º do Artigo 101 do Regimento do Senado, “quando a Comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente, por despacho do presidente do Senado, salvo, não sendo unânime o parecer, recurso interposto nos termos do art. 254”.

A PEC da Blindagem recebeu três emendas e um voto em separado. As emendas foram rejeitadas porque o relator entendeu que as imunidades a palavras e opiniões dos parlamentares já são protegidas pela Constituição. O separador Jorge Seif (PL-SC), após a leitura do voto de Vieira, decidiu retirar seu voto em separado à proposta.
Entre as considerações de seu relatório, Vieira disse que a PEC da Blindagem não veio para dar condições plenas aos parlamentares para exercerem sua atividade-fim, mas “blindá-los das penas e demais consequências legais do cometimento de crimes das mais variadas espécies”.
Até chegar ao placar final de votação (26 a 0), foi preciso ouvir os discursos de todos os senadores que compõem a CCJ, a maioria pela rejeição total da proposta e críticas a supostas ameaças do Supremo às opiniões de alguns parlamentares. Mas o senador Jorge Seif pediu um compromisso de Alencar, para indicar relator à PEC 71/2023, que acaba com todo tipo de voto secreto no Senado, que hoje ainda mantém sem publicidade a votação para a escolha de autoridades.

Da bancada da Amazônia que compõem a CCJ, votaram pelo parecer de Alessandro Vieira, os senadores Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD), ambos do Amazonas; Márcio Bittar (União-AC); Jader Barbalho (MDB-PA); Alan Rick (União-AC); Eliziane Gama (PSD-MA) e Randolfe Rodrigues (PT-AP). O senador Plínio Valério (PSDB-AM) é suplente na comissão e não teve seu voto computado, mas foi registrado.
A PEC 3/2021 propõe alterar os artigos 53 e 102 da Constituição Federal, que tratam das prerrogativas dos parlamentares. A principal alteração aprovada é a que retoma a necessidade de aval da Câmara ou do Senado para que os parlamentares sejam presos ou processados criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos em votação secreta. A medida foi prevista na Constituição de 1988, mas foi derrubada pelo Congresso em 2001 e segue em vigor. Outra mudança estende as prerrogativas de foro junto ao STF, aos presidentes nacionais de partidos políticos.
Conforme o relator, de 1988 a 2001, apenas um entre 300 pedidos de investigação foi aprovado pela Câmara dos Deputados, contra o deputado Jabes Rabelo, acusado de receptação de veículo roubado.
O principal argumento dos apoiadores da “PEC das Prerrogativas”, é de que ela seria uma forma de defesa do que chamam de perseguição do STF contra os parlamentares, que estariam sendo processados por suas opiniões e até publicações na internet. Os opositores ao texto acusam a PEC de ser um reduto para crimes praticados pelos parlamentares, que estariam inclusive insatisfeitos com os inquéritos abertos no Supremo, como aqueles por irregularidades no uso das emendas.
Sobre essa justificativa, Vieira sustentou que “a narrativa segundo a qual a atividade parlamentar se encontra cerceada no Brasil não se sustenta em fatos”, uma vez que existem fartos registros de críticas contundentes de parlamentares a atos praticados por membros do STF. “Da mesma forma, se encontram atos concretos, como pedidos de CPI e impeachment de ministros ou do Procurador Geral da República, sem que se tenha registro de quaisquer processos criminais ou admoestações por conta deste legítimo exercício da atividade parlamentar”, argumentou o relator.

“Nós já temos as ferramentas constitucionais para combater eventuais abusos de entendimento do Judiciário no tocante à atividade parlamentar. Já é absolutamente, plenamente possível, mediante provocação do respectivo partido político, ouvida a maioria, em voto aberto, ouvida a maioria da Casa Legislativa, sustar o andamento. Então, se algum Parlamentar federal compreende que é afetado por um entendimento equivocado da Justiça e está sendo processado injustamente por crime contra a honra, quando na verdade, apenas exerceu seu mandato, ele tem a ferramenta pronta”, reiterou Vieira.
Rechaço à PEC
Ao retirar seu voto em separado, o senador Jorge Seif disse que o processo estava todo contaminado e pediu apoio dos colegas para votar a PEC 5/2024, parada na CCJ, que acaba com o voto secreto em todas as votações do Senado. “Eu concordo com a liberdade dos parlamentares, o povo nos elege justamente para nós defendermos pontos de vista, bandeiras, valores, ideias, no entanto, é inacreditável que voto secreto, por exemplo, volte a esta Casa para ser discutido”, disse.
Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), não se pode confundir liberdade de expressão com liberdade de praticar crimes, porque jamais proferiu qualquer palavra ofensiva contra as pessoas pelas quais pudesse ser processado. “Nós sempre temos que ter como premissa que a imunidade parlamentar não pode ser utilizada como escudo protetivo para a prática de crime”, ressaltou.
Contarato também criticou a forma como se colocam os políticos, que muitas vezes são condenados e são colocados em prisão domiciliar, enquanto os pobres dormitam nos presídios. “A regra é clara: quem nada deve, nada teme. Se eu praticar qualquer ato ilícito, eu tenho que responder como qualquer outra pessoa, é uma responsabilidade penal, civil ou administrativa, porque eu não sou melhor do que ninguém”, disse.

Entre os senadores da bancada amazônica, o senador Márcio Bittar, do Acre, disse ser contrário ao voto secreto e a blindagem contra crimes como corrupção, assalto, estupro, assassinato, assim como beneficiar dirigentes partidários na PEC. Ele lamentou, o que chamou de colocar para debaixo do tapete, o fato de que “ministros do Supremo Tribunal Federal oferecem medo a senadores e a deputados federais”.
“É uma hipocrisia negarmos aqui, neste debate, que tem senadores e deputados federais que não se posicionam em determinadas matérias, que não assinam determinados assuntos, não porque não concordam, mas porque entendem que estão contrariando interesses de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal”, acusou Bittar.
O líder do PSD no Senado, senador Omar Aziz, afirmou que orientou, desde a chegada da matéria à Casa, a bancada a votar contra e encaminhou pela aprovação do relatório de Alessandro Vieira. O parlamentar salientou estar em seu segundo mandato e nunca viu uma proposta receber tantos nomes desde que foi aprovada. “A PEC era a PEC das prerrogativas, daí virou PEC da bandidagem, PEC da picaretagem, PEC da imoralidade, PEC da impunidade, PEC do escudo parlamentar, PEC do PCC, PEC do escudo da corrupção, PEC dos intocáveis”, disse.
Dois tipos de imunidades
Alessandro Vieira explicou que a Constituição de 1988 estabeleceu dois tipos de imunidades aos parlamentares. O primeiro corresponde à chamada imunidade material ou substantiva, também conhecida como inviolabilidade parlamentar, que impede os legisladores de serem punidos pelas palavras, opiniões e votos emitidos no exercício do mandato, e precisa estar totalmente relacionada ao exercício do mandato.
Já o segundo tipo, é a imunidade processual ou adjetiva, que assegura que os parlamentares não podem ser presos ou processados criminalmente, sem autorização da respectiva Casa Legislativa, em votação aberta. Essa prerrogativa, no entanto, foi alterada com a Emenda Constitucional 35, aprovada em 2001.
“A PEC sob análise, na prática, busca recriar a imunidade processual em termos ainda mais benéficos para os detentores de mandato parlamentar”, acrescenta o relator.
Além de exigir de volta a licença prévia pela respectiva Casa à qual pertence o parlamentar, Câmara ou Senado, pelo voto secreto, a PEC da Blindagem estabelecia também que a deliberação deve ocorrer em até 90 dias do recebimento da ordem do STF.
“Dito de forma clara: a PEC que formalmente aponta ser um instrumento de defesa do Parlamento é, na verdade, um golpe fatal na sua legitimidade, posto que configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos”, afirma o relator. Sobre o voto secreto, Vieira é taxativo que apenas ao eleitor é assegurado o sigilo do voto.
No que tange à ampliação de prerrogativas de função para os presidentes de partidos políticos, o relator considera “providência totalmente desarrazoada, na medida que está estendendo esse foro para dirigentes de entidades de Direito Privado, que não exercem função estatal”, numa verdadeira distorção do instituto, que se destina a ocupantes de elevados cargos públicos.
Curiosidade do voto
Ao votar pela inconstitucionalidade, injuridicidade e rejeição da proposta, Alessandro Vieira encerrou seu relatório com uma homenagem ao senador Otto Alencar, que preside a CCJ. Ele citou um trecho da obra “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, na voz do personagem Riobaldo:
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Vossa Excelência teve a coragem de pautar com a urgência devida essa matéria absurda e confio que o plenário desta Comissão rejeitará a PEC da Blindagem, virando uma página triste do nosso Legislativo e homenageando a nítida vontade popular, que clama por mais Justiça”, disse o relator.